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As Exposições Permanentes sob a direção de Paul Rivet (1938 – 1949)

1. O MUSÉE DE L’HOMME

1.4. O Musée de l’Homme, um marco para a Etnologia Francesa (1938-1980)

1.4.1. As Exposições Permanentes sob a direção de Paul Rivet (1938 – 1949)

Ao pensar a organização do Musée de l’Homme, Paul Rivet e Georges Henri Rivière realizaram diversos estudos para a distribuição das salas no novo edifício, tentando encontrar a melhor disposição para as galerias públicas e os outros serviços realizados na instituição, como os de conservação, pesquisa e ensino. A princípio, o projeto de reestruturação previa a separação física entre as dependências destinadas aos serviços científicos, que compreendiam os laboratórios e as áreas destinadas aos estudiosos, e o espaço destinado ao museu público, de caráter essencialmente popular e educativo.

Essa divisão foi pensada com o intuito de facilitar a comunicação entre os diversos laboratórios por meio de seu agrupamento, além de oferecer a oportunidade de um melhor controle sobre as áreas reservadas do museu. No entanto, as dificuldades em reformar as antigas estruturas do edifício tornaram essa ideia inviável, de modo que os serviços científicos foram espalhados entre o subsolo e os dois andares da instituição. As salas de exposição foram concentradas no primeiro e no segundo andar, onde foi projetado um percurso totalmente independente dos laboratórios, que visava a tornar mais cômodas a visita à exposição e a realização do trabalho especializado44. O térreo, por sua vez, ficou destinado ao vestíbulo – dividido com o Musée de la Marine –, a um restaurante e a uma livraria especializada, sendo que o acesso às galerias de exposição se dava por meio de uma escada localizada antes dessa.

Tal escada dava acesso ao primeiro andar do museu, onde foram disponibilizadas a sala de exposições temporárias, a galeria de Antropologia e algumas galerias étnicas, destinadas a expor a cultura material e a história dos diferentes grupos humanos. A galeria de Antropologia, localizada antes dessas últimas, era consagrada ao estudo do ser humano, sua evolução, suas especificidades e suas raças, e deveria servir como uma introdução para o visitante45. Posteriormente, ela foi dividida em duas salas: Antropologia Física e Paleontologia Humana.

44 AMQB/DA000280/15314,Rapport annexe aux plans des nouvelles installations du Palais du Trocadéro, 27 jan. 1936.

O segundo andar foi ocupado com o restante das galerias étnicas e salas que receberiam diferentes funções ao longo da existência do museu, como a sala “Des Arts et

Techniques”, onde eram comparadas as técnicas e manifestações artísticas de diferentes

culturas. As galerias étnicas, por sua vez, se concentravam em apresentar a vida material e cultural de sociedades das mais diferentes partes do mundo (com exceção dos franceses), visando a expor os objetos acompanhados de uma documentação que fosse capaz de destacar a “significação humana”46. A sua divisão ocorria por critérios políticos e geográficos que

procuravam abarcar toda a superfície do globo, de modo que cada uma delas era dedicada a uma região, como um continente, uma ilha ou um país específico.

Todas as galerias étnicas contavam com vitrines dedicadas aos diferentes grupos humanos que habitavam a região à qual essa se dedicava, como por exemplo, a América ou a União Soviética. Por sua vez, cada grupo étnico possuía três tipos de recursos expográficos dedicados a si: um painel, uma vitrine de síntese e um conjunto de vitrines standard.

O painel, confeccionado em grandes medidas (1,93m x 1,10m), fornecia informações a respeito da região geográfica ocupada por um grupo étnico, apresentando mapas, fotografias e descrições a respeito da população e seus modos de vida. Ele era disponibilizado ao lado da vitrine de síntese, que adentrava um pouco mais nas generalidades do grupo e apresentava também passagens de sua história, além de suas características antropológicas (que diziam respeito à raça e traços físicos), alguns objetos etnográficos e textos que descreviam a vida social e espiritual.

Figura 3. Painel e Vitrine de síntese “Indochina” Galeria da Ásia. As vitrines de síntese apresentavam, geralmente, crânios, utilizados para salientar as características físicas dos grupos humanos abordados. As características culturais, por sua vez, eram introduzidas por objetos de uso quotidiano, disponibilizados na parte inferior da vitrine. (Fonte: Musée du Quai Branly, 1939)47.

A fotografia acima demonstra que as vitrines de síntese, responsáveis por introduzir os visitantes aos diferentes grupos humanos, mesclavam artefatos a vestígios ósseos, normalmente crânios. Apesar de negar o determinismo biológico e as teorias racistas que adivinham destes em diversos documentos institucionais do museu, o discurso produzido por tal articulação de objetos deixava a entrever que, numa rápida apresentação de uma sociedade, era necessário ligar os aspectos físicos dessa à sua produção cultural, o que criava uma ligação entre as características físicas dos indivíduos e suas capacidades intelectuais.

O painel e a síntese ficavam em paredes opostas aos outros recursos, servindo de introdução a uma série de vitrines do tipo standard, de mesa e modulares. A standard possuía

47 Objeto PP0001605.Disponível em: http://collections.quaibranly.fr/#9712ced2-7324-4832-9e65-9e7ae830979b. Acesso em 29 jan. 2016.

um tamanho superior ao das outras e subdividia geográfica ou politicamente o grupo abordado, apresentando uma grande quantidade de objetos etnográficos que possuíam a função de retratar a cultura material e espiritual dessa sociedade (FALCK, 1948, p. 74).

Figura 4. Vitrine standard da “Indochina (Cerâmica Thaï)”. Galeria da Ásia. (Fonte: Musée du Quai Branly, 1930- 1939)48. As vitrines standard do museu eram disponibilizadas após as vitrines de síntese e procuravam subdividir os grupos humanos abordados por meio da exibição de artefatos culturais que os diferenciassem.

A imagem acima representa uma das vitrines standard da região da Indochina. Nela, é possível observar o caráter pedagógico dotado à exposição, o qual estava concentrado, neste caso, em demonstrar ao visitante os diferentes tipos de produção de cerâmica realizadas na região da Indochina francesa. Como pode ser visualizado, o lado esquerdo da vitrine disponibilizava textos e desenhos explicativos sobre a fabricação da cerâmica com a utilização do torno (“poterie au tour”) e da cerâmica sem a utilização do torno (“poterie sans tour”), apresentando objetos produzidos de acordo com essas técnicas. O lado direito, por sua vez, disponibilizava artefatos de cerâmica moldada, acompanhados também por um desenho e um pequeno texto explicativo. O conjunto dessa imagem possibilita visualizar a atenção que foi

48 Objeto PP0093652. Disponível em; http://collections.quaibranly.fr/#94d41189-594e-40f8-9add-d677dcf70f3a. Acesso em 26 jan. 2016

dada, nas vitrines, à importância de produzir uma exposição de cunho pedagógico. Tal era um dos objetivos principais do projeto museológico pensado por Rivet e Rivière, o qual concentrava-se, entre outros aspectos, em salientar a necessidade de produzir uma exposição educativa e de fácil compreensão para o público leigo.

A localização geográfica da Indochina, o tipo físico de seus habitantes e outras informações relativas a estes eram introduzidas com o painel e a vitrine de síntese demonstrados anteriormente. O trabalho com a cerâmica e com os metais era muitas vezes escolhido como o tema dessas vitrines standard, mas essas também apresentavam, frequentemente, as vestimentas, instrumentos musicais e artefatos de caráter espiritual dos determinados grupos étnicos abordados. Como a finalidade desses objetos estava relacionada à sua capacidade em materializar os aspectos culturais, essas vitrines eram compreendidas como as vitrines de detalhe, já que sua função seria a de especificar a espiritualidade, as técnicas e o modo de vida das diferentes etnias (FALCK, 1948, p. 70).

Figura 5. Plano de galerias e vitrines das salas públicas. Musée de l’Homme, 2º. Andar, 1953. Painéis e vitrines de síntese, os quais abordavam aspectos geográficos e históricos dos grupos humanos, eram disponibilizados em lados opostos às vitrines de detalhe, o que permitia que essas últimas se concentrassem na exibição de artefatos etnológicos e arqueológicos (Fonte: adaptado do MASMNHN49, 1939 e de Musée de l’Homme, 1953).

Como pode ser visto nessa imagem, os displays eram organizados de maneira enfileirada no sentido do comprimento da sala. Enquanto painéis e vitrines de síntese, que se concentravam em abordar o grupo etnológico informando sua história e aspectos geográficos e culturais, eram disponibilizados em conjunto, as vitrines standard ou de detalhe, que se aprofundavam nesse grupo por meio da apresentação de séries de objetos, encontravam-se em frente aos primeiros, do outro lado da sala. Tal esquema possibilitava separar nitidamente a apresentação de um grupo humano da exibição massiva de seus objetos arqueológicos e etnológicos, permitindo que o visitante, ao dirigir-se às vitrines de detalhe, se concentrasse apenas naqueles objetos e na explicação das técnicas utilizadas para a sua produção.

Essa estratégia, que jogava luz sobre os objetos e as técnicas criadas pelos diversos grupos humanos, demonstra como o difusionismo e a teoria da solidariedade cultural (BACKX, 2013) foram basilares à expografia da instituição, já que a valorização dos diferentes conhecimentos procurava fundamentar a hipótese, concebida por Rivet pela combinação dessas duas teorias, de que o estágio de desenvolvimento científico e tecnológico atingido então pela humanidade seria resultado da difusão das variadas técnicas produzidas pelos grupos humanos de todo o globo.

A escolha dos objetos que iriam para as galerias públicas era feita pelo diretor de cada departamento, sendo que a divisão destes correspondia a aquela empregada nas galerias. Desse modo, na época de sua inauguração o Musée de l’Homme possuía, entre outros, os departamentos de América, Europa, Oceania e Ásia, URSS e Povos Árticos, cada qual com sua galeria respectiva. Esses departamentos se encarregavam da conservação do restante do acervo que não fazia parte da exposição, das análises científicas e de fornecer aos pesquisadores de fora a estrutura – salas de trabalho, acesso às coleções e dados dessas – necessária ao desenvolvimento de seus trabalhos.

Devido à diversidade de serviços e departamentos existentes na instituição – o número alcançava dez em 1939 – o diálogo entre estes era incentivado, assim como a realização de reuniões mensais que deveriam contar com a presença de todos os colaboradores do museu. A importância do trabalho em conjunto foi diversas vezes destacada em documentos internos e também em artigos científicos, como pode ser visto no boletim mensal de julho/agosto de 1939 publicado pela instituição: “Em uma palavra, é o trabalho de equipe e o espírito de equipe que

nos permitem superar as dificuldades inerentes à própria extensão da nossa organização”(LE

MUSÉE DE L’HOMME, 1939, p. 3)50.

50 Traduzido do original: En un mot, c’est le travail d’équipe et l’esprit d’équipe qui nous permettent de surmonter les difficultés inhérentes à l’extension même de notre organisation.

É com base em tal espírito que as exposições permanentes etnológicas eram organizadas. A seleção dos objetos que iam para as galerias era feita pelo diretor do respectivo departamento, que escolhia uma série dos objetos mais representativos de uma determinada sociedade. Posteriormente, uma segunda seleção de objetos era realizada junto ao curador da exposição, na qual não deveria haver qualquer prioridade estética, mas a observação do volume, das formas e das cores dos objetos, visando a selecionar um conjunto que resultasse coerente e harmonioso (FALCK, 1948, p. 72).

Essas novas concepções museológicas procuravam ignorar o aspecto estético dos objetos e focar-se em sua capacidade de representar o quotidiano. Junto às novas reflexões sobre as importâncias científicas e pedagógicas dos vestígios, elas constituíram uma nova maneira de pensar o objeto etnográfico, sua função e preservação.

No século XIX, o naturalismo e a ideia de uma linha inexorável da evolução humana resultaram na interpretação positivista do objeto etnográfico, na qual este era posicionado dentro de um sistema pré-estabelecido de hierarquia humana, servindo para “comprovar” que todos os seres humanos passavam pelas mesmas etapas de desenvolvimento. Dentro desse pensamento, na falta de fontes textuais os objetos seriam capazes de atestar o estágio evolutivo de um grupo humano, esclarecendo as grandes lacunas que existissem na história deste, as quais deveriam ser preenchidas com informações provenientes de grupos que se encontrassem no mesmo degrau evolutivo, pois o caminho percorrido por ambos seria semelhante.

No entanto, a partir da segunda década do século XX, o estabelecimento da Etnologia francesa como ciência independente da Antropologia e a criação, em 1925, do Instituto de Etnologia de Paris, levaram à interpretação autônoma do objeto etnográfico, estabelecida graças à influência do sócio antropólogo Marcel Mauss. A partir de então, o objeto não servia mais para a descrição exaustiva dos povos através da história da humanidade, mas para o estudo da cultura destes, por meio da observação direta de sua produção material (GROGNET, 2005, p. 5). Nesse sentido, os objetos etnográficos passaram a ser considerados testemunhos concretos de diferentes mundos culturais, por meio dos quais seria possível observar um conjunto de manifestações, técnicas e estruturas sociais. Sendo assim, a integração dos objetos com o mundo social e cultural à sua volta passa a ser mais importante do que a sua singularidade ou estética.

No Musée de l’Homme, essas novas concepções seriam interpretadas por meio das convicções de Paul Rivet e Georges Henri Rivière acerca da igual importância de todos os objetos. Para ambos os intelectuais, tanto os objetos singulares como os quotidianos teriam o

mesmo valor documental, pois testemunhariam o modo de vida de uma sociedade, fossem seus aspectos corriqueiros ou especiais. Desse modo, as instruções para a coleta dos objetos nas missões etnográficas que começaram a ser realizadas pelo museu – as quais foram grandemente responsáveis pela institucionalização da Etnologia – deixavam claros esses aspectos, como pode ser observado no documento redigido por ocasião da primeira missão empreendida pela instituição, a Dakar-Djibouti:

Uma coleção de objetos etnográficos não é nem uma coleção de curiosidades, nem uma coleção de obras de arte. O objeto não é outra coisa que um testemunho, que deve ser encarado em função das informações que ele fornece sobre uma determinada civilização, e não de acordo com seu valor estético.

É necessário, portanto, se acostumar a coletar todos os tipos de objetos e desfazer-se, em primeiro lugar, de dois preconceitos, aquele referente à pureza do estilo e o da raridade (MUSÉE D’ETHNOGRAPHIE, 1931, p. 8)51.

O preconceito relativo à pureza do estilo seria aquele que acreditava na produção de um objeto por meio de técnicas exclusivas de uma sociedade. Tal crença era refutada pela teoria da solidariedade desenvolvida por Rivet, segundo a qual nenhum grupo humano haveria se desenvolvido de modo puro, sem influência das outras sociedades. Pelo contrário, a existência de objetos semelhantes em grupos distintos atestaria a existência de uma solidariedade, que haveria permitido a troca de técnicas e materiais em algum momento de contato entre eles. Desse modo, os objetos deixaram de atestar um estágio evolutivo de determinado grupo humano para demonstrar, entre outros aspectos, a existência de uma teoria da solidariedade entre eles.

As exposições organizadas no Musée de l’Homme baseavam-se nessas novas concepções. Nelas, os diferentes tipos de objetos deveriam possuir a mesma importância, de modo que artefatos classificados como arqueológicos, etnográficos ou pré-históricos eram exibidos em conjunto. Do mesmo modo, ciências como a Arqueologia, a Paleontologia e a Linguística eram utilizadas no desenvolvimento das pesquisas científicas, dotando o museu de um caráter multidisciplinar que era intrínseco ao conhecimento lá produzido, o qual, posteriormente, acompanhava os objetos na exposição por meio dos painéis e das vitrines de síntese, principalmente.

51 Traduzido do original : Une collection d’objets ethnographiques n’est ni une collection de curiosités, ni une collection d’ouevres d’art. L’objet n’est pas autre chose qu’un témoin, qui doit être envisagé en fonction des renseignements qu’il apporte sur une civilisation donnée, et non d’après sa valeur esthétique.

Il faut donc s’habituer à recueillir toutes espèces d’objets et se défaire en premier lieu de deux préjugés, celui de la pureté du style et celui de la rareté.

Num nível expográfico, tais concepções refletiam-se na exposição dos objetos etnográficos num mesmo plano, articulando o espaçamento entre eles e sua iluminação, de modo a valorizá-los igualmente. As instruções para a composição das vitrines ressaltavam a importância de que cada objeto fosse facilmente perceptível para o expectador, que estivesse suficientemente afastado dos outros e disposto sobre um fundo neutro. Mesmo com a utilização de vitrines profundas, nas quais seria possível quebrar a monotonia por meio de efeitos espaciais estéticos, era necessário tomar cuidado para que o efeito final resultasse na percepção, por parte do visitante, de que todos os objetos etnográficos se encontravam no mesmo plano52.

No caso de objetos muito coloridos, estes deveriam ocupar um lugar modesto, de modo a ficar retraídos ou, se necessário, menos iluminados, e ser normalmente dispostos nos lugares mais baixos das vitrines. A localização era a mesma para objetos pesados e volumosos, ao contrário dos leves (bambus e cestos), que deveriam ser preferencialmente pendurados no alto das vitrines, de modo a fornecer uma ideia de seu peso e ocupar melhor o espaço53.

Essas instruções eram aplicadas à elaboração das diversas vitrines pertencentes às galerias de exposição do Musée de l’Homme. Segundo os documentos de sua apresentação redigidos um ano antes da inauguração, essas galerias eram distribuídas no primeiro e segundo andar do edifício, distribuídas em dez salas dedicadas à Antropologia e à exibição da cultura material e da história de diversos grupos étnicos, separados nas seguintes galerias: África Negra e Madagascar; África Branca e Oriente Próximo; Europa (onde não estariam incluídos a União Soviética, por possuir uma galeria dedicada somente a ela, e a França, que contaria com um museu próprio, o Musée Français des Arts et Traditions Populaires); Povos Árticos; União Soviética; Ásia; Oceania; América Pré-colombiana e Etnografia dos Índios Modernos54.

Como pode ser visto, muitas vezes a organização e estruturação dessas galerias baseava-se numa divisão geopolítica dos grupos humanos, como é o caso da citada galeria da União Soviética. Essa característica esteve presente em grande parte das exposições organizadas sob a direção de Rivet, de modo que painéis e vitrines eram muitas vezes consagrados a países, como pode ser visualizado abaixo no painel intitulado “Senegal”:

52 AMQB/DA000280/15309. LEWITSKY, Anatole. Quelques considérations sur l’exposition des objets ethnographiques. Paris, 1935.

53 Idem. Pg. 4.

Figura 6. Painel “Sénégal – Nègres”. Apesar de dedicar-se à exposição da cultura dos diferentes grupos étnicos, a exposição permanente do Musée de l’Homme era estruturada, em 1939, de acordo com divisões geopolíticas, como pode ser observado neste painel dedicado ao Senegal (Fonte: Musée du Quai Branly, 1939)55.

A imagem acima apresenta o painel intitulado “Senegal – Negros” (“Sénégal –

Négres”) e foi produzida em 1939. Como já mencionado, os painéis, entre outros aspectos,

procuravam apresentar a história das diferentes sociedades abordadas, de modo que a introdução, dedicada à história do Senegal, trazia as seguintes informações:

55 Objeto: PP0001667. Disponível em: http://collections.quaibranly.fr/#6affbbc1-5018-427f-8efc-a600edc47efe. Acesso em: 10 jan. 2015.

O Senegal (capital: SAINT-LOUIS), a área mais ocidental do domínio dos Pretos Africanos ou Negros, é a mais antiga das Colônias da África Ocidental Francesa.

Desde o século XIV, as viagens dos Dieppenses56 ao Cabo Verde e à Costa da Guiné são frequentes. No século XVII, Richelieu concedeu toda a extensão da costa da África, do Marrocos até Guiné, a três companhias privilegiadas, e data de 1638 a primeira habitação fixa dos Franceses, na foz do Senegal. Em 1758, o Senegal caiu nas mãos dos Ingleses e a França apenas conservou SAINT-LOUIS e a ilhota de GORÉE.

Sob Napoleão III, o comandante Protet empreendeu uma ação militar contra os Maures, que tratavam a colônia francesa como seu país vassalo. Nomeado governador em 1854, o capitão Faidherbe fez, de um estabelecimento que até então não possuía valor político, a base de um império africano57.

Como pode ser visto, a introdução do painel, que apresentava a história do Senegal, aborda essa última sob um ponto de vista estritamente francês. Em outras palavras, a história do Senegal, como tecida nesse texto, apenas ganha importância quando conectada à história da França e de seus empreendimentos coloniais, de modo que não são abordadas outras temáticas que fujam ao assunto, como a história da região antes da colonização, das diversas etnias que habitaram o local ou da relação entre elas. Isso demonstra que o contexto histórico apresentado nesses recursos expográficos partia muitas vezes de uma concepção etnocêntrica, produzindo