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Jacques Millot: novo diretor e novos contextos políticos e sociais no Musée de

1. O MUSÉE DE L’HOMME

1.4. O Musée de l’Homme, um marco para a Etnologia Francesa (1938-1980)

1.4.3. Jacques Millot: novo diretor e novos contextos políticos e sociais no Musée de

de l’Homme

Com a aposentadoria de Vallois, o médico e antropólogo Jacques Millot, titular da cadeira de Anatomia Comparada do MNHN, foi eleito para assumir a cadeira de Etnologia dos Homens Atuais e dos Homens Fósseis em 1960, tendo consequentemente assumindo também a direção do Musée de l’Homme.

Formado em medicina e em ciências naturais, Millot descendia de uma família de funcionários coloniais que atuaram no Vietnã e em Madagascar, tendo se casado com a filha de um colono estabelecido nessa última. Devido ao seu grande interesse e contato com a colônia, Millot dirigiu o Centro de Ciências Humanas de Madagascar de 1946 a 1961, assumindo em 1948 a presidência da Academia Malgache. Atuou também como secretário da revista “Raças

e Racismo”, publicada de 1937 a 1939, tendo compartilhado das ideias dessa e de Paul Rivet acerca da igualdade entre as diferentes raças humanas. Dentre seus trabalhos mais significativos, pode-se citar o livro Biologie des Races Humaines (Biologia das Raças Humanas) (MILLOT, 1952), no qual o autor salienta sua preferência pela utilização dos termos civilizações ou nações em detrimento do vocábulo raça, pois acreditava que as sociedades atuais seriam pouco homogêneas do ponto de vista racial (DUPAIGNE, 2017, p. 259).

Dois anos após Millot assumir a direção do museu, a assembleia de professores do

Muséum National d’Histoire Naturelle criou uma cadeira de Pré-história, designando assim

uma cátedra de estudos específica para uma das disciplinas que até então era englobada pelo museu. Ao mesmo tempo, a França passava por intensas transformações políticas e econômicas. O ano de 1960, por exemplo, ficou conhecido como “o ano africano”, pois foi quando a maioria das colônias desse continente alcançou sua independência ao decidir abandonar a Comunidade Francesa (SENA, 2012), criada alguns anos antes. Ao mesmo tempo, o sistema colonial e suas ferramentas de dominação sofriam fortes ataques por parte do meio intelectual francês, como o filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980) e a revista Les Temps Modernes (Os Tempos Modernos), fundada por esse próprio filósofo.

As críticas tecidas por Sartre são importantes para compreender o contexto social francês, não apenas porque a Les Temps Modernes se constituiu como uma revista influente na sociedade intelectual francesa, mas porque o filósofo articulava as críticas feitas às bases conceituais do colonialismo a suas reflexões sobre o humanismo e o existencialismo. Ao denunciar os massacres e as violências cometidas pelo governo francês na Guerra da Argélia, Sartre se debruçou sobre os mecanismos de dominação psicológica utilizados pelos colonizadores, os quais, segundo ele, procuravam inferiorizar o colono por meio do rebaixamento de sua religião, sua aparência e até mesmo de sua língua. A substituição dessa última pelo francês seria, para ele, uma das estratégias mais potentes utilizadas pelo colonialismo em seu projeto de aniquilamento das culturas tradicionais (SARTRE, 2015).

Assim, Sartre defendia que o sistema conceitual do colonialismo não era baseado somente em mecanismos abstratos, mas se utilizava de práticas bastante funcionais e perversas para ratificar sua dominação cultural e política nas colônias, tais como a promoção da fome, o sofrimento e a violência. Seus diálogos com Frantz Fanon, que demonstrou como os mecanismos de dominação cultural atuaram na formação da consciência dos colonizados fazendo-os até mesmo repudiar seus antigos valores culturais (FANON, 1968), auxiliaram-no a compreender melhor os conteúdos e formas de agir da colonização, assim como a fortalecer seu caráter militante e contestatório. Com efeito, é por meio da interação com Fanon e da escrita

ao prefácio do seu livro Os Condenados da Terra (1968), publicado pela primeira vez em 1961, que podemos observar como Sartre relacionou as violências conceituais do colonialismo ao humanismo europeu.

Para esse filósofo, as práticas e conceitos colonizadores, baseados no humanismo, defendiam a universalidade dos seres humanos, mas as práticas racistas particularizavam os colonos. Para poder espoliá-los, considerou-se que estes não eram semelhantes aos colonizadores, mas uma espécie abaixo daquilo que era considerado “o Homem”, noção que foi transformada em realidade pelas tropas francesas ao rebaixarem os habitantes dos territórios e suas culturas por meio de inúmeras violências. Tais violências não teriam apenas o objetivo de garantir a obediência dos colonos, mas, principalmente, de desumanizá-los ao substituir a sua língua e liquidar suas tradições e cultura. O resultado desse processo não seria nem um ser humano e nem um animal, mas o indígena, um indivíduo que, independente de seus traços físicos ou sua localização geográfica, era caracterizado sempre como um preguiçoso, sonso e ladrão (SARTRE, 1968).

Assim, para Sartre, o humanismo europeu em verdade desumanizava os colonos, transformando-os em um tipo de subespécie para poder explorá-los. O discurso de sua missão civilizatória era baseado numa defesa ferrenha da universalidade do ser humano, mas, em nome dessa “aventura espiritual”, ele vinha sufocando quase toda a humanidade (SARTRE, 1968).

Desse modo, ao assumir a direção do MH em 1960 Jacques Millot não se deparava apenas com as transformações políticas e econômicas advindas da descolonização, mas também com a popularização de ferrenhas críticas ao esse sistema e suas bases conceituais, dentre as quais o humanismo europeu, que fornecia o embasamento teórico de toda a exposição do museu. Além disso, a criação da cátedra de Pré-história significava o desmembramento da cadeira de Etnologia dos Homens Atuais e dos Homens Fósseis, cargo ao qual estava ligada a direção do museu e que até então havia englobado o estudo dessa disciplina. No próximo subcapítulo, será possível observar como esses contextos marcaram a administração do museu e de suas galerias permanentes sob a direção de Millot.

1.4.3.1. Millot e as Exposições do Musée de l’Homme

Para alguns autores (DUPAIGNE, 2017; GROGNET, 2015), a época em que Millot dirigiu o Musée de l’Homme foi marcada pela revitalização deste por meio da organização de uma série de exposições e de missões etnográficas. Paralelamente, houve também uma valorização das pesquisas dentro da instituição e da divulgação dessas, o que ocorreu com a

criação da revista Objets e Mondes (Objetos e Mundos), fundada por Millot logo em 1961 como a revista oficial do museu.

Como um membro influente do comitê do Centre National de la Recherche

Scientifique (Centro Nacional da Pesquisa Científica – CNRS), o novo diretor conseguiu que a

revista contasse com fundos desse centro e do MNHN, mas a sua luta pela arrecadação de maiores créditos para o museu, junto às outras organizações e autoridades, não alcançou grandes resultados. A exemplo do que ocorreu na época de Vallois, ao longo da década de 1960 o MH também não conseguiu reunir fundos suficientes para sua renovação.

Apesar disso, Millot foi responsável por uma série de modificações e reestruturações que revitalizaram o museu. Logo ao assumir a direção deste, ordenou que as coleções de Madagascar e África Negra fossem separadas, o que resultou na inauguração do departamento de Madagascar em 1962. Um ano antes, em 1961, acompanhou a reformulação da sala da Indonésia, na Galeria da Oceania, ao mesmo tempo em que encorajava a reorganização da antiga Sociedade dos Amigos do Musée de l’Homme, a qual financiou uma série de exposições temporárias na década de 1960. A época também ficou marcada pelo enriquecimento das coleções, o que ocorreu por meio de doações e, principalmente, pela instauração de uma nova política de aquisição que se focava na compra de objetos etnográficos de uso quotidiano (DUPAIGNE, 2017). Tal política foi aplicada principalmente durante a realização de novas missões etnológicas, subsidiadas por créditos conseguidos pelo próprio Millot junto ao CNRS.

O período inicial de Millot dentro da instituição também foi marcado pela criação da cadeira de Pré-história em 1962, a qual preocupou o novo diretor devido à possibilidade do desmembramento do museu e da perda de sua unidade. No entanto, a nova cátedra foi assumida pelo pré-historiador e arqueólogo Lionel Balout, tendo sido instalada no Instituto de Paleontologia Humana, que já contava com coleções próprias e pessoal próprio, de modo que o Musée de l’Homme conseguiu manter seus recursos.

Assim, a década de 1960 transcorreu com a realização de uma série de exposições temporárias e a readequação de algumas permanentes. Dentre os acontecimentos mais importantes podemos citar a reabertura da “Sala de Artes e Técnicas” (Salle des Arts et

Techniques), concebida por Anatole Lewitsky e André Schaeffner na época da inauguração do

MH, mas inaugurada somente nos últimos dias do ano de 1959. Na época de sua primeira concepção, a sala havia sido pensada como um componente fundamental do museu, pois

deveria fornecer uma espécie de síntese da exposição aos visitantes114 ao demonstrar-lhes, por meio de um método comparativo, as semelhanças existentes entre as técnicas e manifestações artísticas elaboradas pelos diferentes grupos humanos, que até então haviam sido abordados em galerias separadas da exposição. Tal objetivo estava em conformidade com as teorias difusionista e da solidariedade cultural entre os povos, as quais foram utilizadas por Rivet como conceitos chave na elaboração desse projeto museal, que possuía como alguns de seus objetivos principais salientar a importância da diversidade cultural e a equivalência intelectual entre os seres humanos. No entanto, devido a problemas orçamentários e estruturais do prédio, como vazamentos de água, a Sala de Artes e Técnicas foi fechada em 1938, pouco tempo após a inauguração do museu (GROGNET, 2015, p. 190).

Vinte anos depois, a reabertura e a nova estruturação do local ficaram a cargo de André Leroi-Gourhan e do próprio André Schaeffner. Localizada no segundo andar logo após a Galeria da América, a sala continuou a ser considerada o feche da exposição e seu objetivo ainda era o mesmo: estudar comparativamente as diferentes técnicas e artes de diversos grupos humanos por meio da exibição dos objetos que materializavam os seus conhecimentos (MUSÉE DE L’HOMME, 1953).

Com uma proposta que na época de Rivet já diferia um pouco daquela levada a cabo nas galerias etnográficas, a sala foi dividida em duas seções no sentido de seu comprimento, de modo que um lado foi dedicado à exibição das várias técnicas (agrícolas, de vestuário e metalúrgicas, entre outras) e o outro às suas artes (como a música, a pintura e a dança), sendo que em ambas seções esses conhecimentos eram abordados de forma conjunta, diferentemente do que acontecia nos restante das galerias, onde eles eram separados por etnias.

Enquanto a elaboração da seção das manifestações artísticas ficou a cargo de Schaeffner, Gourhan, por sua vez, ficou responsável pela concepção da parte ligada às técnicas. Os painéis dedicados a essas últimas procuravam aprofundar o conhecimento relativo aos objetos expostos e a seus produtores, como ocorria no resto da exposição, e abordavam assuntos como os diversos tipos de técnicas agrícolas e de moradia encontrados em diferentes etnias.

O painel “Habitation” (Habitação), por exemplo, procurava demonstrar as diferenças entre construções “A Ossature” (De Estrutura) e “A Murs-Porteurs” (De Paredes de Sustentação), descritas como as duas categorias técnicas de construção em que se poderia dividir todos os tipos de moradia115. Segundo as informações comunicadas nesse recurso, a

114 AMQB/DA000280/15320, Présentation du Musée de l’Homme, juin 1937.

115 Segundo o painel, no tipo de construção a ossature o telhado faria parte da mesma estrutura da parede, ou seria posteriormente aplicado sobre ela. Já nas construções do tipo murs-porteurs o telhado e a parede seriam

habitação seria uma das realizações materiais mais representativas de uma cultura, pois, devido à sua lenta evolução, ela reuniria diversos símbolos sociológicos116. Dessa forma, o painel apresentava dezenove desenhos que explicavam a estrutura de moradias concebidas em diferentes regiões do planeta, como em Danakil (Somália), no Vietnã, na Irlanda e no Japão, procurando demonstrar que etnias distantes cultural e geograficamente partilhavam de conhecimentos técnicos semelhantes.

No entanto, apesar de trazer o desenho de uma casa irlandesa cujo modelo era atribuído aos agricultores sedentários desse país, o painel não apresentava mais referências a moradias produzidas pelos diversos outros países de cultura ocidental, como a França, a Inglaterra, a Itália ou a Alemanha, mesmo que as moradias (agrícolas ou não) dessas regiões pudessem ser compreendidas como “Murs-Porteurs”, já que se utilizavam de todas as técnicas de construção descritas nessa categoria, a saber, paredes de sustentação, tijolos e telhas para a produção de edifícios mais duradouros e de formas retangulares117. A ausência de referências a essas culturas poderia despertar no visitante um questionamento quanto ao papel que as moradias construídas por meio da tradição ocidental ocupavam em tal esquema, mas essa indagação era prontamente respondida no penúltimo parágrafo do painel, onde era possível ler que

De uma maneira geral, as técnicas de construção são as possibilidades oferecidas pelo conjunto de técnicas do grupo construtor. Mas para as construções de caráter monumental, o grupo pode implementar meios excepcionais, uma vez atingido um certo desenvolvimento econômico e político, permitindo-lhe superar suas possibilidades normais118.

Por meio do exemplo acima é possível observar que a ausência de informações e referências também é responsável pela construção dos sentidos e significados produzidos em um discurso. Ao não identificar alguns dos principais países expoentes da cultura ocidental nos vários desenhos apresentados no painel, principalmente a França, país onde se encontra o museu, os visitantes poderiam interpretar as técnicas de construção desses expoentes com base nas informações fornecidas nesse último parágrafo. Nesse sentido, a mensagem comunicada

desassociados, pois o peso e a densidade desta última supriria a necessidade de uma estrutura autônoma para o teto. Retirado do painel “Habitation” - Objeto: PP0204972. Disponível em: http://collections.quaibranly.fr/#ce06102a-53e7-4965-a7f1-fae635cd83c7. Acesso em 14 jul. 2016.

116 Idem. 117 Idem.

118 Traduzido do original: “D’une façon générale, les techniques de construction sont en deça des possibilités offertes par l’ensemble technique du groupe bâtisseur. Mais pour les constructions de caractere monumental, le groupe peut mettre en œuvre des moyens exceptionnels, une fois attenint un certain développement économique et politique, lui permettant de dépasser ses possibilites normales”. Idem.

por este painel, para além de apontar as duas principais técnicas de construção adotadas pelas diferentes culturas, sinaliza também a existência de uma cultura que não está aí representada por haver superado essas “possibilidades normais”, o que, segundo o painel, ocorreria quando um grupo construtor atinge certo desenvolvimento econômico e político. Desse modo, ao não se encontrar representada no painel, a cultura europeia urbana parece figurar também como superior econômica e politicamente.

As informações sobre as técnicas empregadas nos diversos tipos de habitação eram complementadas com outros painéis, como o intitulado “La Distribution du Village Exprime

Sa Structure Sociale” (A Distribuição da Aldeia Exprime sua Estrutura Social), no qual eram

abordadas as estruturas sociais e físicas das aldeias agrícolas. O texto desse painel apresenta diversas generalizações a respeito de tais espaços, procurando traçar um perfil único que serviria para a compreensão da organização das aldeias das mais diferentes etnias, o que pode ser compreendido como um resultado exagerado do grande objetivo por trás da Sala de Artes e Técnicas, ou seja, traçar as semelhanças entre as diferentes etnias com o objetivo de demonstrar que essas partilhavam técnicas e conhecimentos.

As generalizações ocorrem em diversos momentos, como, por exemplo, durante a descrição das relações travadas entre os habitantes das aldeias, que por se desenrolarem entre parentes e vizinhos seriam sempre permeadas pela solidariedade. O mesmo ocorre durante a descrição da fundação do local, que aconteceria por meio de um irmão ou de um filho do fundador de uma aldeia vizinha. Tal fundador se tornaria um intercessor indispensável, ao qual preces e sacrifícios seriam, a princípio, endereçados.

Diversas afirmações como essa podem ser identificadas no texto explicativo do painel119. Dentre tais afirmações, uma das mais significativas diz respeito à generalização do papel do homem em tais espaços, compreendidos fundamentalmente como sociedades patriarcais:

Hoje, em nenhum lugar a presença dessa propriedade ancestral exclui o exercício da propriedade privada: ao lado dos campos familiares, onde a colheita alimenta a unidade familiar, cada homem casado explora o terreno que limpou; ele disporá livremente da colheita e dos fundos, transmitirá a seu filho os direitos assim adquiridos, poderá vender seu terreno, trocá-lo ou penhorá-lo120.

119 Objeto: PP0204990. Disponível em: http://collections.quaibranly.fr/#4e21322e-a2d2-4c81-bd34- fa5d4956b81e. Acesso em 9 set. 2016.

120 Traduzido do original: “Nulle part aujourd’hui la présence de ce bien ancestral n’exclut l’exercice de la propriété privée: à côté des champs familiaux dont la moisson nourrit son ménage, chaque homme marié exploite un terrain qu’il a défriché; il disposera librement de la récolte et du fonds, transmettra à son fils les droits ainsi

O trecho em destaque procura explicar como funcionaria a relação econômica e familiar entre as propriedades agrícolas coletivas e as particulares. No entanto, assim como no restante do texto, a explicação ocorre de maneira generalizadora, dando a entender que em todas as aldeias do mundo apenas os homens casados poderiam adquirir terrenos particulares, e que o direito a tal propriedade somente seria repassado aos filhos se estes também fossem homens. Nesse sentido, esse painel produz o discurso de que o patriarcalismo seria o modo “natural” pelo qual os seres humanos se organizam em sociedades, já que explica ser por meio desse sistema que se estruturariam, de um modo geral, as aldeias por todo o globo.

Tal exemplo demonstra a força que os discursos museais possuem na construção das relações e dos paradigmas atuais da sociedade. Ao comunicar o discurso de que a sociedade patriarcal seria a forma natural de organização dos seres humanos, o Musée de l’Homme, considerado por muitos indivíduos um espaço de produção de conhecimentos científicos incontestáveis, produziu e disseminou um discurso que diminuía a importância das mulheres na sociedade, assim como seus direitos e a capacidade que essas teriam de gerir o seu sustento ou o da família.

Para não incorrer em anacronismos, é necessário pontuar que as contestações e desvelamentos a respeito do papel da mulher na sociedade não possuíam, naquela época, a força que possuem hoje em dia. Na cultura ocidental da década de 1960, o papel das mulheres ainda era compreendido como secundário na organização familiar, de modo que a construção de um texto como o do painel citado anteriormente, no qual o homem aparecia como o único provedor possível, deve ser compreendida como pertencente à sua época e reprodutora das condições sociais dessa.

Ao entrar em contato com essa mensagem, os visitantes poderiam subjetivá-la na construção de sua visão sobre o mundo, reproduzindo tais ideias em suas relações pessoais e comunicando-a a outras pessoas. É por meio de processos como esse que a ideia da naturalidade de uma sociedade patriarcal se solidifica, tornando-se para muitos indivíduos uma verdade fundamental, por meio da qual estes estruturam seu modo de viver e de entender o mundo. Como resultado, a aceitação desse discurso pode levar à desigualdade de direitos, à crença na capacidade intelectual inferior das mulheres e ao desenvolvimento da violência física e conceitual contra elas, consequências que podem ser observadas hoje em dia em diversos pontos do globo.

acquis, pourra vendre son terrain, l’échanger ou le mettre en gage”. Retirado do painel “La Distribuition du Village

Atualmente, essa concepção a respeito da naturalidade do papel secundário da mulher na sociedade pode ser desconstruída rapidamente com uma pesquisa na internet. A grande quantidade de informações disponibilizada por essa nos permite facilmente citar outras sociedades que, há séculos, possuem diferentes formas de organização mais igualitárias ou mesmo matriarcais, como é caso dos Mosuo (China), os Hopi (Estados Unidos), os Meghalaya (Índia), os Aka (África central e Congo), os Bribri (Costa Rica), os Nagovisi (Nova Guiné) e os Ede (Vietnã), que haviam feito parte da Indochina francesa. Isso demonstra que os papeis que os indivíduos desempenham nas diferentes sociedades não são naturalmente impostos, mas construídos culturalmente.

As generalizações apontadas no painel “La Distribution du Village Exprime Sa

Structure Sociale” pertencem aos contextos científicos e sociais de sua época e auxiliaram na

produção e disseminação de um discurso a respeito do papel secundário das mulheres na sociedade. Ao mesmo tempo, o painel também auxiliou a consolidar uma noção de