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1. O MUSÉE DE L’HOMME

1.2. O Musée d’Ethnographie du Trocadéro

O Musée d’Ethnographie du Trocadéro (Museu de Etnografia do Trocadéro) forneceu as estruturas conceituais e físicas necessárias à criação do Musée de l’Homme, pois foi por meio de sua reforma que o segundo teve origem. Nesse sentido, compreender sua história, o modo de formação de seu acervo e suas bases institucionais e científicas torna-se fundamental para compreender a criação do MH, nosso objeto de análise.

O MET foi oficialmente inaugurado em Paris no ano de 1882. Desde o início desse século, projetos para a criação de um museu etnográfico já haviam circulado na França, mas foi apenas com a realização da Exposição Universal de 1878 que tais planos são acelerados. Dentre os projetos mais conhecidos pode-se citar o elaborado pelo escritor Louis-François Jauffret (1770-1840), membro da Société des Observateurs de l’Homme, uma das primeiras associações científicas francesas a sustentar uma ciência que se focasse no estudo do ser humano e suas

diversas formas de existência. O projeto de Jauffret já apresentava a ideia de classificar os objetos segundo a sistemática naturalista – de acordo com a classificação abordada no fim do subcapítulo anterior –, mas não foi levado a diante por seu criador. Ainda no mesmo contexto, o engenheiro e geógrafo Edme-François Jomard (1777-1862) anunciou em 1831 a ideia de criar um museu que reunisse os objetos recolhidos em regiões distantes e os combinasse a informações geográficas sobre essas, pois acreditava que o conhecimento geográfico era inseparável do estudo dos costumes e da história dos seres humanos (DIAS, 1988).

Apesar de ambos os projetos não despertarem muito o interesse das associações científicas da época, eles assinalam um movimento de preocupação em torno à questão da musealização da Antropologia e da relação entre a comunidade francesa e suas colônias. A política colonialista adotada pela França era em grande parte responsável pela aquisição de uma grande quantidade de objetos etnográficos, de modo que a criação de um grande museu onde estes pudessem ser estudados e expostos serviria também para legitimar cientificamente o movimento expansionista francês. Em carta de 1843 endereçada à Jomard, o médico e naturalista Philipp-Franz de Siebold (1796-1866) assinala a importância das ideias defendidas pelo primeiro e da criação de um museu etnográfico francês para o fortalecimento das relações com as colônias:

A partir do momento em que um Estado possui colônias, ou que mantém relações estreitas com países de fora da Europa, é importante que, nas suas coleções, os produtos de cada país constituam uma categoria distinta. Uma coleção etnográfica, classificada segundo esse plano, será a escola primária dos homens que se dispõe a partir para as colónias ou os países estrangeiros, sobretudo quando eles devem ir em virtude de uma missão especial e do tipo que os coloque em íntima relação com os habitantes. Missionários, cientistas, viajantes naturalistas, funcionários militares ou civis, comerciantes e marinheiros, todos poderão, antes de deixar o país natal, e sob a simples direção de um catálogo bem fundamentado, adquirir, em um museu desse gênero, conhecimentos preparatórios que serão de um valor inestimável para o seu trabalho posterior. Eles não serão mais estranhos às produções usuais do país que eles se propõem a visitar e ao estado intelectual e industrial do povo que o habita. [...] (de Siebold, 1890:246)21.

21 Traduzido do original: Lorsqu'un Etat possède des colonies, ou qu'il entrelient des relations suivies avec des pays extraeuropéens, il importe que, dans ses collections, les produits de chaque contrée forment une catégorie distincte. Une collection d'ethnographie, classée d'après ce plan, sera l'école primaire des hommes qui se disposent à partir pour les colonies ou les pays étrangers, surtout quand ils doivent s'y rendre en vertu d'une mission spéciale et de nature à les mettre en relation intime avec les habitants. Missionnaires, savants, voyageurs-naturalistes, employés militaires ou civils, marchands et marins, tous pourront, avant de quitter le pays natal, et sous la simple direction d'un catalogue raisonné, acquérir, dans un musée de ce genre, des connaissances préparatoires qui seront d'un prix inestimable pour leurs travaux ultérieurs. Ils ne seront plus étrangers alors aux productions usuelles du pays qu'ils se proposent de visiter et à l'état intellectuel et industriel du peuple qui l'habite. [...]

Nesse contexto, começaram a surgir pela Europa diversos museus etnográficos, como o Museum für Völkerkunde Dresden (Museu Etnográfico de Dresden) fundado na Alemanha em 1875, além das Exposições Universais, iniciadas em Londres em 1851 e repetidas por todos os continentes ao longo dos séculos XIX, XX e XXI. Como abordado anteriormente, no início, essas exposições procuravam criar microcosmos que resumissem a experiência humana em sua totalidade, apresentando as conquistas tecnológicas e econômicas consideradas mais importantes pelos organizadores, assim como os costumes e modos de vida de diversos grupos humanos que eram pouco conhecidos (ÇELIK; KINNEY, 1990). Esse conjunto de elementos demonstra que, a partir da segunda metade do século XIX, o interesse em conhecer a cultura do “outro” tornava-se um fenômeno cada vez maior no mundo ocidental. Na França, isso ficou claro com a realização de cinco dessas exposições em menos de cinquenta anos, as quais foram levadas a cabo em Paris nos anos de 1855, 1867, 1878, 1889 e 1900.

A Exposição Universal de 1878 tem grande importância na história da Etnografia francesa, pois impulsionou a criação do primeiro museu dedicado a essa ciência no país. Com seis meses de duração, ela superou em tamanho todos os outros eventos do tipo que já haviam ocorrido, ocupando um espaço de aproximadamente 750 mil metros quadrados localizados entre a Pont d’Iéna (Ponte de Iena) e o Champ de Mars (Campo de Marte), além do Palais du

Trocadéro (Palácio do Trocadero), uma estrutura construída especificamente para alojar a

maior parte da exposição. Localizada na colina de Chaillot, bem em frente à Pont d’Iéna, a construção foi projetada pelo arquiteto Gabriel Davioud (1824-1881) e influenciada pela arquitetura do Palais Longchamp de Marselha (POULOT, 2013, p. 66).

Ao redor do Trocadéro foram erguidas várias construções inspiradas nas culturas tunisiana, egípcia e persa, chalés noruegueses e suecos e até mesmo quarteirões chineses e algerianos. Também foram disponibilizadas estátuas de bronze que procuravam representar todos os continentes, assim como esculturas de países específicos como Austrália, China, Índia, Rússia, Dinamarca e Japão, entre outros. Do lado de dentro do palácio, as coleções etnográficas foram dispostas no hall denominado “Expedições Científicas”, o qual foi reservado à exibição dos objetos compreendidos como não europeus. Assim, pode-se perceber que houve nessa exposição um destaque especial às “outras culturas” e a seus aspectos etnográficos, o que pode ser compreendido como uma necessidade de demonstrar o sucesso das políticas neocoloniais adotadas pelo país (THOMSEN et al., 2012, p. 51).

Figura 2. Palais du Trocadéro. The Trocadero, Exposition Universelle, 1900, Paris, France. Visão frontal do Palácio do Trocadéro. Diversas estátuas de bronze que representavam todos os continentes foram dispostas ao redor do edifício com o objetivo de ressaltar o caráter cosmopolita da Exposição Universal de 1878, para a qual o palácio foi construído. Além dessas, diversas outras esculturas representando países específicos também podiam ser encontradas (Fonte: Library of Congress, 1900)22.

Como pode ser visualizado na imagem acima, o estilo do edifício era eclético, mas inspirado na arquitetura islâmica das colônias francesas. O conjunto do palácio ocupava uma área gigantesca, pois, além da estrutura principal destacada na imagem – que era um grande salão de festas –, ele era composto de duas torres laterais e de alas curvilíneas que partiam de cada uma das torres, formando duas espécies de braços que acabavam por abraçar toda a colina de Chaillot. Como diversas outras construções inspiradas nas colônias francesas foram disponibilizadas ao redor do palácio, o conjunto total criava uma imagem da França como um grande e protetor pai que abraçava as colônias representadas ao seu redor (ÇELIK; KINNEY, 1990). Desse modo, a própria arquitetura do Palais du Trocadéro – que posteriormente seria reformado para dar origem ao Musée de l’Homme – foi pensada com o objetivo de representar o grande sucesso da empreitada colonial francesa e a benevolência dessa com suas colônias. Alguns meses antes do grande evento de 1878, a preocupação com o destino que seria dado

posteriormente às coleções levou os organizadores a criar uma exposição de seis semanas intitulada Muséum Ethnographique des Missions Scientifiques (Museu Etnográfico das Missões Científicas), levada a cabo no Palais de l’Industrie (Palácio da Indústria) com o objetivo de analisar o interesse da população pela criação de uma instituição etnográfica permanente. No relatório que propõe a criação desse museu temporário, escrito pelo então Diretor das Ciências e Letras Oscar de Watteville (1824-1901) e enviado para o Ministro da Instrução Pública Joseph Brunet (1834-1904) em 2 de novembro de 1877, pode-se ver a importância que os museus etnográficos teriam então para a comunidade científica francesa, importância que estava profundamente ligada à possibilidade de comparar e hierarquizar os grupos humanos:

[...] a etnografia e a Arqueologia pré-histórica, que é dela inseparável, devem chegar a fornecer todos os esclarecimentos desejáveis sobre a propagação das primeiras populações sobre a terra, e entre outros sobre a primeira colonização da Europa, seja ela proveniente da Ásia ou da África, essa que é ainda uma das grandes questões controversas. Devemos nos preparar, nos novos museus etnográficos, a fornecer os materiais mais completos que permitam estabelecer comparações ilimitadas entre os graus de civilização primitiva das populações existentes ou extintas do mundo inteiro. (Watteville, 1890:281)23

Com o sucesso desse museu temporário e da Exposição Universal, um mês antes do fim dessa última organizou-se uma comissão oficial para a criação de um museu permanente, o qual contaria não apenas com as coleções etnográficas dessa, mas também com o espaço que havia sido construído para sua realização, o Palais du Trocadéro. Desse modo, inaugura-se em 1882 o Musée d’Ethnographie du Trocadéro, antecessor do Musée de l’Homme, com o objetivo político de legitimar o colonialismo francês e a finalidade científica de ordenar e hierarquizar os diversos grupos humanos por meio de uma classificação que se baseava numa escala civilizacional. Essa, como já visto, partia dos europeus como modelo ideal civilizatório para classificar as outras sociedades, de modo que quanto mais essas se afastavam dos costumes e modos de vida dos primeiros, mais eram consideradas incivilizadas. Muitas das ideias e conceitos elaborados no MET foram herdados pelo Musée de l’Homme na comunicação de um discurso sobre humanismo que se dizia igualitário, mas hierarquizava os diferentes grupos

23 Traduzido do original: l'ethnographie et l'archéologie préhistorique qui en est inséparable doivent arriver à donner tous les éclaircissements désirables sur la propagation des premières populations sur la terre, et entre autres sur la première colonisation de l'Europe, soit qu'elle provienne de l'Asie ou de l'Afrique, ce qui est encore un des grands sujets de controverse. On doit se préparer, dans les nouveaux musées ethnographiques, à fournir les matériaux les plus complets qui permettent d'établir des comparaisons illimitées entre les degrés de civilisation primitive des populations existantes ou éteintes du monde entier.

humanos na medida em que partia do pressuposto de que a cultura europeia era superior a todas as outras.

Ao acervo do MET, que já contava com as coleções recebidas da Exposição Universal, foram acrescentados os fundos etnográficos do Muséum National d’Histoire

Naturelle, do Musée des Antiquités Nationales (Museu das Antiguidades Nacionais), do Musée Algerien (Museu Argelino), da Bibliothèque de l’Arsenal (Biblioteca do Arsenal), diversas

coleções provenientes da Bibliothèque Nationale (Biblioteca Nacional) – como a de Henri Bertin (1720-1792)24 – e algumas doações particulares de franceses e estrangeiros (DIAS, 1988;

HAMY, 1890). A direção da nova instituição ficou a cargo do médico e antropólogo francês Ernest-Théodore Hamy25, um dos secretários da comissão oficial encarregada pela criação do museu e naturalista do MNHN, onde também era assistente de Armand de Quatrefages.

Quatrefages ocupava então a cadeira de Antropologia do MNHN e, assim como seu contemporâneo Paul Broca, acreditava que essa deveria estudar os grupos humanos sob seus múltiplos aspectos físicos e culturais, articulando-os em torno das ideias de raça e evolução. No entanto, ao contrário de Broca, Quatrefages não priorizou os aspectos biológicos e antropométricos em seus trabalhos, de modo que os objetos etnográficos e o estudo da cultura dos povos considerados “primitivos” andaram lado a lado com a Antropologia Física em sua obra. Quanto a essa última, seu grande interesse concentrava-se no estudo dos crânios como forma de classificar as diferentes raças humanas, de modo que instigou diversos naturalistas a recolher em suas exposições o maior número possível de crânios e doá-los ao MNHN para seu estudo. Suas instruções para essas coletas frisavam a importância de enviar junto aos crânios o maior número possível de artefatos, pois acreditava que estes eram essenciais na determinação dos contextos históricos e na identificação de outros objetos recolhidos em tumbas e cemitérios. Quatrefages também possuía um interesse especial pelos vestígios pertencentes a antigas civilizações americanas, de modo que, por meio dele, essas acabaram assumindo um importante papel no desenvolvimento da Etnografia francesa (CONKLIN, 2013), o que pode ser visualizado pelo fato de que os primeiros diretores do MET – Hamy, René Verneau e Paul Rivet – eram americanistas.

Ernest-Théodore Hamy herdou muitas das ideias de seu mestre Quatrefages, aplicando-as na concepção e direção do Musée d’Ethnographie du Trocadéro. A nova

24 Ministro do rei Louis XV.

25 Hamy foi pessoalmente responsável por diversos pedidos de doação que pudessem enriquecer o acervo do novo museu. Dentre esses, uma das contribuições mais importantes foi a do linguista Alphonse Pinart, conterrâneo de Hamy. Pinart ofereceu à nova instituição mais de 3.000 peças provindas da América e aproximadamente 250 da Oceania. Informações disponíveis em: http://www.archivespasdecalais.fr/. Acesso em 3 dez. 2015.

instituição combinou os estudos etnográficos à Antropologia Física, produzindo um novo rumo para a Antropologia francesa, caracterizada até então pela valorização dos estudos biológicos e por certo menosprezo pelas análises culturais. Ao mesmo tempo, a organização do museu refletiu algumas das principais concepções científicas e políticas da época, como a ideia de que os museus eram os principais meios de instrução popular e de produção do conhecimento científico, ideias que seriam herdadas também pelo MH. Para o desenvolvimento desse conhecimento, partia-se do pressuposto, então aceito, de que a desigualdade entre as raças humanas era uma verdade inquestionável, a qual haveria sido incansavelmente demonstrada por métodos quantitativos precisos. Aliado à teoria da evolução, esse racismo científico procurava legitimar a superioridade do homem branco, colocando-o na posição mais alta de uma escala onde negros e mulheres ocupavam posições inferiores.

Na obra A Falsa Medida do Homem (1991), o paleontólogo e biólogo Stephen Jay Gould explica como os antropólogos desenvolviam essas análises quantitativas de modo a sustentar cientificamente as teorias racistas e sexistas. Segundo Gould, os dados numéricos obtidos pelos grandes craniometristas, como Paul Broca, eram geralmente sólidos, mas as conclusões obtidas por meio das interpretações desses números eram sutilmente influenciadas por preconceitos. As análises eram iniciadas com o objetivo de confirmar uma ideia prévia, como a superioridade intelectual dos homens brancos, de modo que os dados eram colhidos, trabalhados e interpretados de maneira circular para chegar à confirmação dos preconceitos iniciais, produzindo “um sistema imbatível que adquiriu força de autoridade devido à sua

aparente fundamentação em um conjunto de medições meticulosamente realizadas” (GOULD,

1991, p. 75).

Para dar sustentabilidade aos resultados, as “anomalias” e aparentes desvios que não condiziam com a orientação prévia dos estudos eram descartados ou justificados como exceções. Do mesmo modo, ao analisar os cérebros de estudiosos importantes e personalidades científicas falecidas na época, Broca justificava a existência dos pequenos volumes como sendo devido à má conservação das amostras, à baixa estatura de seus possuidores ou à sua idade avançada. Dessa maneira, os dados meticulosamente colhidos nunca eram capazes de refutar as propostas iniciais das análises, o que levou Broca a afirmar consistentemente que

Nós vemos que o negro da África ocupa, no que diz respeito à capacidade craniana, uma posição aproximadamente mediana entre o europeu e o australiano. O crânio do australiano possui 100 [de capacidade craniana], enquanto que o do negro 111,60. Eu acredito que esses números exprimem com muita exatidão a hierarquia intelectual das três raças.

Certamente estou muito longe de concluir que existe uma relação absoluta entre a inteligência e a capacidade craniana. Condições múltiplas fazem variar o volume do encéfalo dentro de uma mesma raça; [...]. Mas quando a diferença é bastante considerável, quando ela coincide com uma desigualdade intelectual tão evidente, nós somos obrigados a estabelecer uma relação entre a inferioridade do cérebro e a inferioridade do espírito [...]26 (Broca, 1861:48).

Essa afirmação de Broca permite observar o modo como os preconceitos sobre a desigualdade intelectual entre as raças humanas eram utilizados como fatores certos, os quais serviam para respaldar suposições científicas que, no círculo interpretativo proposto por Gould, confirmavam as propostas preliminares dessas pesquisas acerca da superioridade dos indivíduos considerados brancos. Tal dinâmica pode dizer muito a respeito do conhecimento científico e da sua proposta, ainda largamente aceita, de produzir um saber inquestionável.

Teorias racistas como as defendidas por Broca, que sustentavam uma inferioridade inata de certos grupos humanos, seriam duramente criticadas em meados do século XX no

Musée de l’Homme. No entanto, a recusa a esses estudos biológicos não foi acompanhada da

crítica ao conceito de civilização e à hierarquização que este produzia, de modo que, apesar de bater-se contra as teorias racistas, o MH reproduziu e comunicou durante seus primeiros anos, por meio de sua exposição permanente, a ideia da Europa como modelo civilizatório. Nesse sentido, enquanto a seção introdutória de Antropologia Física desse museu apresentava vestígios ósseos, imagens que salientavam a diversidade física dos seres humanos e informações que defendiam a incongruência do determinismo biológico, as galerias etnológicas dessa instituição, até a década de 1950, comunicavam uma mensagem a respeito da existência de uma conexão entre os aspectos físicos dos indivíduos e seus desenvolvimentos culturais, defendendo, ao mesmo tempo, a grande importância da cultura europeia para o suposto “avanço” tecnológico e social de outros grupos.

Esse posicionamento conceitual, como já salientado, sustenta a tese de que, apesar de declarar-se pela valorização e igualdade de todos os seres humanos, essa instituição comunicou um discurso sobre humanismo no qual a cultura europeia figurava como superior,

26 Traduzido do original: On voit que le nègre d’Afrique occupe, sous le rapport de la capacité crânienne, une situation à peu près moyenne entre l’Européen et l’Australien. Le crâne de l’Australien étant 100, celui du nègre d’Afrique est 111,60. Je pense que ces chiffres expriment assez exactement la hiérarchie intelectuelle des trois races.

Certes, je suis très-loin d’en conclure qu’il y ait un rapport absolu entre l’intelligence et la capacité crânienne. Des conditions multiples font varier le volume de l’encéphale dans la même race ; [...] . Mais lorsque la différence est très-considérable, lorsqu’elle coincide avec une inégalité intellectuelle tout aussi évidente, on est bien obligé d’établir un rapport entre l’infériorité du cerveau et l’infériorité de l’esprit. [...].

devendo ser seguida e copiada por todas as outras sociedades. Tal análise será explorada a fundo no subcapítulo 1.4.

Os contextos políticos e culturais já apontados neste trabalho demonstram como o discurso científico do século XIX foi influenciado pelo neocolonialismo, pela teoria evolucionista e pela institucionalização dos museus. Como apontou Michel Foucault na obra A

Arqueologia do Saber (2008), pode-se perceber que, apesar de defenderem a sua objetividade

e imparcialidade, os discursos científicos são produzidos por indivíduos inseridos em suas respectivas épocas e sociedades, de modo que tal discurso é formado a partir de escolhas, interesses e também silenciamentos. Nesse sentido, há que se ter em conta que um discurso