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O Musée de l’Homme: contextos sociais, científicos e museológicos na década de

1. O MUSÉE DE L’HOMME

1.4. O Musée de l’Homme, um marco para a Etnologia Francesa (1938-1980)

1.4.4. O Musée de l’Homme: contextos sociais, científicos e museológicos na década de

Após a aposentadoria de Millot em 1967, a cadeira de Etnologia dos Homens Atuais e dos Homens Fósseis, criada por Rivet e a qual estava conectada a direção do MH, foi rebatizada para cadeira de Antropologia e Etnologia. Com a criação da cátedra de Pré-História em 1962, a assembleia organizada pelo MNHN decidiu que não era mais necessário manter a antiga ligação entre a Etnologia e a pré-história, renomeando a cadeira não só para romper essa conexão, mas também para abrir a possibilidade de, posteriormente, criar cátedras separadas para o estudo da Antropologia e da Etnologia (DUPAIGNE, 2017), o que ocorreu no ano de 1970.

Desse modo, o início da década de 1970 assinalou o fim do conceito de “fato humano total”, pelo qual o museu havia sido originalmente pensado. A criação das novas cadeiras rompia com a antiga ideia de Rivet de estudar o ser humano em sua unidade por meio do método interdisciplinar, individualizando a pré-história, a Antropologia e a Etnologia, ao mesmo tempo em que ocasionou certa desestruturação do museu ao repartir sua direção.

Ao mesmo tempo, o contexto social e político do país foi marcado pelo movimento de Maio de 1968, uma série de protestos e greves que se iniciaram nas universidades francesas e acabaram englobando trabalhadores e organizações sociais na promoção da maior greve geral de toda a Europa. Essa onda de protestos, concentrada incialmente na exigência de reformas do setor educacional francês, teve como um dos resultados a promulgação da Lei de Orientação do Ensino Superior (Loi d’Orientation de

l’Enseignement Supérieur) em novembro do mesmo ano.

No Musée de l’Homme, as jornadas de maio de 1968 ocasionaram a mobilização de diversos setores da instituição em prol da retomada do caráter educativo do museu, o que resultou na organização de séries regulares de conferências voltadas ao público, as quais seriam oferecidas até o ano de 2008 (DUPAIGNE, 2017). Num contexto mais amplo, a Lei de Orientação do Ensino Superior teve como um de seus efeitos práticos a dissolução da antiga Universidade de Paris e a repartição dos estudos etnológicos entre várias universidades francesas.

Para Dupaigne (2017), esse desmembramento da Etnologia no país produziu uma concorrência acirrada entre as universidades por financiamentos, cargos e institutos, mas, principalmente, levou à criação de duas escolas de pensamento etnológico distintas.

A primeira, centrada em Levi-Strauss, concentrou-se no estudo da Antropologia (social e cultural) por meio de métodos modernos e inovadores, ao passo que a segunda, representada por Leroi-Gourhan, se orientou sobretudo em direção à Arqueologia e à pré- história.

Enquanto consolidava as bases dessa escola de pensamento, Gourhan orientou a brasileira Niède Guidon na escrita de sua tese durante a primeira metade da década de 1970. Na ocasião, Guidon fazia parte da Unidade de Pesquisa Arqueológica n°5 (URA 5), a qual era dedicada à pré-história brasileira e dirigida no Musée de l’Homme por Annette Laming-Emperaire, com a qual Guidon trabalhou por aproximadamente dez anos. Nesse sentido, é possível dizer que de 1966 a 1978 a brasileira esteve em contato frequente com as ideias desses dois intelectuais franceses.

Em 1968, dois anos após o retorno de Guidon ao museu, o antropólogo físico Robert Gessain assumiu a cadeira de Antropologia e Etnologia do MNHN, a qual foi logo em seguida dividida para dar lugar às cátedras independentes de Etnologia e Antropologia, tendo Gessain ficado responsável apenas por essa última. Assim, o MH entrou na década de 1970 com uma direção tripartida, exercida pelos três professores titulares das cátedras das disciplinas sediadas no museu: Lionel Balout, responsável pela Pré-História; Robert Gessain, titular da cadeira de Antropologia; e Jean Guiart, que assumiu a cátedra de Etnologia em 1972.

1.4.4.1. Os discursos expositivos sob a gestão tripartida

Para o arqueólogo Jean-Pierre Mohen, a estrutura de gestão instaurada no

Musée de l’Homme a partir de 1970 pode ser compreendida como uma espécie de

triunvirato paritário, o qual não se pode afirmar haver sido benéfico à instituição (MOHEN, 2004, p. 48). A dúvida a respeito das vantagens aportadas por essa nova estrutura pairou desde a sua instauração, tendo sido abordada em 1971 pelo então secretário da Administração Universitária, Jean-Paul Domergue, em relatório produzido para MNHN sobre os principais problemas do museu. Nesse documento, Domergue afirmou que uma das soluções para os graves problemas administrativos do MH seria o estabelecimento de uma única direção científica e administrativa, sob a qual ficariam

subordinadas as três cadeiras disciplinares da instituição, as quais comporiam a subdireção geral dessa140.

Apesar de fundamentada administrativa e cientificamente, a sugestão de Domergue não foi acatada e o título de diretor do Musée de l’Homme foi suprimido em 1972. As três cadeiras assumiram sua independência em relação às outras, sendo que os serviços comuns do museu deveriam ser geridos por meio de um programa estabelecido pelos três titulares das cátedras, programa que, segundo Dupaigne (2017, p. 295), nunca foi aplicado

Seguindo essa nova estrutura, o etnólogo Jean Guiart assumiu a cadeira de Etnologia do MH em 1972. Guiart dirigia o Departamento de Oceania e foi o primeiro etnólogo, depois de Rivet, a assumir parte da administração do museu. Desde 1950 a instituição havia sido dirigida por médicos (Vallois e Millot), de modo que a filiação naturalista sobrepôs-se, ao longo dos anos, à Etnologia, fazendo com que o MH perde-se o grande lugar de destaque que ocupava antigamente frente aos estudos etnológicos (LAURIÈRE, 2015, p. 76).

Ao lado de Guiart, o médico Robert Gessain ocupava a cadeira de Antropologia desde 1970, mas sua carreira no museu remontava à década de 1930. Especialista em Antropologia Física, Gessain frequentou os cursos do Instituto de Etnologia nos anos de 1933 e 1934, tendo participado nos próximos anos de missões etnológicas promovidas pelo antigo MET. Posteriormente, após este dar lugar ao MH, assumiu o cargo de assistente técnico no museu, ficando responsável pela seção dos árticos e pela organização da galeria dos Esquimós, inaugurada em 1952. Seis anos depois ele assumiu o cargo de vice-diretor da instituição, criando nela em 1959 o Centre des

Recherches Anthropologiques (Centro de Pesquisas Antropológicas) (DUPAIGNE,

2017).

Por último, a titularidade da cadeira de Pré-História pertencia desde sua criação em 1962 ao pré-historiador e arqueólogo Lionel Balout, que geria o MH à distância, pois a cátedra de Pré-História, como citado anteriormente, foi desde o início instalada no Instituto de Paleontologia Humana, onde Balout exercia suas atividades. Se num primeiro momento a criação dessa cadeira não privou o MH de seus recursos, o fez seis anos após, quando a assembleia de professores do MNHN decidiu transferir as coleções pré-históricas deste para o Instituto de Paleontologia Humana.

É com tal estrutura de gestão tripartida que o MH iniciou a década de 1970, tendo finalmente um etnólogo à frente dos departamentos etnológicos. Logo nos primeiros meses após a nomeação de Guiart para o cargo, o departamento da Ásia demonstrava, por meio de uma publicação na revista do museu, as transformações que os objetos etnográficos enfrentariam ao longo da década na instituição. Procurando desvencilhar-se da interpretação adotada durante a direção de Millot, na qual as peças passaram a ser compreendidas como objetos artísticos, o referido departamento organizou uma exposição sobre o artesanato no Camboja, deixando claro na explicação de sua organização que essa não se focaria na exibição exclusiva dos objetos considerados mais belos:

Ao invés de mostrar apenas as belíssimas sedas antigas, o que haveria sido fácil, nós quisemos dar uma imagem mais real do equilíbrio, dentro das produções locais, entre os materiais mais refinados e os tecidos mais comuns. Apresentar apenas as sedas luxuosas haveria permitido supor seja que os artesãos produziam apenas peças refinadas que todos poderiam comprar e que, portanto, não havia algum problema econômico para os artesãos nem para os clientes, seja que as vestimentas dos ricos seriam as únicas interessantes a estudar e dignas de serem expostas141 (DUPAIGNE, 1972) .

O trecho acima demonstra que o departamento da Ásia, sob nova direção, procurava afastar-se da concepção dos objetos etnográficos como artísticos, buscando também comunicar as problemáticas referentes à adoção de uma tal concepção para a interpretação cultural das diferentes etnias. Nesse sentido, ao assumir a cadeira de Etnologia, Guiart deu um novo fôlego aos departamentos etnológicos, dirigidos desde 1950 exclusivamente por antropólogos, fazendo com que a Etnologia voltasse a ganhar voz na instituição e procurando o retorno, dentro do museu, da compreensão do objeto como testemunho.

É nesse contexto que se dá a renovação da galeria da Europa, em curso no ano de 1973. Com o objetivo de dinamizar e flexibilizar a galeria, os trabalhos foram divididos em duas frentes: 1ª) A renovação parcial das vitrines de alguns grupos étnicos geograficamente delimitados; 2ª) O planejamento de novas séries temáticas que

141 Traduzido do original: Au lieu de ne montrer que de très belles soieries anciennes, ce qui aurait été facile, nous avons voulu donner une image plus réelle de l’équilibre, dans les productions locales, entre les étoffes raffinées et les tissus plus ordinaires. Ne présenter que des soieries de luxe aurait laissé supposer soit que les artisans ne produisaient que des pièces raffinées que chacun pouvait acheter et qu’il n’y avait donc aucun problème économique pour les artisans ni pour leurs clientes, soit que les vêtements des riches seraient seuls intéressants à étudier et dignes d’être exposés.

abordassem questões etnológicas desde uma perspectiva transeuropeia (ROUBIN; DE FONTANÈS, 1973).

A renovação da galeria concentrou-se no enriquecimento de certas vitrines e na criação de novos displays que abordavam temas como a complexidade do carnaval europeu, mas os trabalhos levados a cabo não modificaram de maneira fundamental a antiga estrutura e, portanto, o discurso produzido pelo conjunto das vitrines, ao contrário do que ocorreu três anos depois com a reformulação da galeria da América, ou apenas um ano depois, com a renovação da galeria de Antropologia.

Assim como ocorreu com a Etnologia e tende a ocorrer com todas as ciências ao longo do tempo, as interpretações e concepções a respeito de certos princípios da Antropologia se modificaram ao longo dos anos. Se na época da inauguração do MH, em 1938, o status dessa disciplina apontava para a existência de raças humanas definidas e fisicamente classificáveis, tais convicções vinham sofrendo duras críticas desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando ficou claro que o fator racial forneceu os embasamentos teóricos do nazismo.

Desse modo, a partir de 1950 organizações como a Unesco passaram a questionar fortemente a validade científica do conceito de raça humana, sugerindo o abandono da sua utilização e também dos estudos de classificação racial (UNESCO, 1969, p. 31). A Declaração Sobre as Raças, publicada pela Unesco em 1950 e revista em 1951, 1964, 1967, 1969 e 1978, debate a temática por meio de diferentes aportes disciplinares, dentre os quais a Antropologia, apresentando na declaração de 1964, endossada por Robert Gessain, a proposta de substituir a utilização do vocábulo raça pelo de população, com a justificativa de que os novos estudos sobre o polimorfismo genético invalidavam a caracterização tipológica das raças (UNESCO, 1969, p. 45).

Nesse contexto, a exposição permanente do MH seria finalmente reformulada na década de 1970, objetivando abandonar as antigas concepções da Antropologia Física que fundamentavam a existência das raças humanas e a importância de sua diferenciação e classificação. Em 1967, o geneticista André Langaney se juntou à equipe do laboratório de Antropologia do museu, propondo a imediata reformulação dessa galeria devido às suas incongruências em relação ao novo status antropológico, o qual movimentava-se no sentido de substituir o enfoque físico e comparativo por uma Antropologia biológica baseada nos estudos genéticos da variação biológica humana.

Devido à forte tradição racialista presente tanto no MNHN quanto no MH, no qual os três últimos diretores (Vallois, Millot e Gessain) pertenciam a uma corrente

antropológica que por vezes pendia ao racismo (GROGNET, 2009), o pedido de Langaney foi prontamente negado por Gessain. No entanto, cinco anos depois, admitindo a necessidade de uma atualização e da completa reformulação da galeria de Antropologia e dos conteúdos nela abordados, Gessain solicitou a Langaney a realização da reforma que este último havia antes proposto. Assim, a sala pública de Antropologia foi fechada em 1972, sendo novamente reaberta ao público somente em fins de 1974.

A nova galeria de Antropologia foi organizada de acordo com os princípios então correntes da Antropologia biológica. Na primeira seção, que antes abordava as três raças nas quais se acreditava dividir-se a humanidade (negros, brancos e amarelos), foram disponibilizados painéis introdutórios que, antes de mais nada, objetivavam invalidar o conceito de raça humana, antes considerado fundamental à Antropologia Física e à exposição permanente do MH:

Figura 22. Painel “Races & Conflits”. Galeria de Antropologia do Musée de l’Homme. Diferentemente do que ocorria com os painéis do restante da exposição, que eram acompanhados por imagens e gráficos, os

novos painéis introdutórios à Galeria de Antropologia focavam-se na comunicação de informações textuais, as quais eram disponibilizadas de modo sucinto e objetivo (Fonte: Musée du Quai Branly, 1978)142.

Essa imagem reproduz o painel “Races & Conflits” (Raças e Conflitos), um dos elementos que passou a compor a introdução da nova exposição da Galeria de Antropologia. Nele, tece-se uma crítica ao uso arbitrário da noção de raça, afirmando que essa haveria servido de argumento ao genocídio de algumas conquistas coloniais e à opressão de grupos menos numerosos e frágeis143. A fotografia demonstra que o conteúdo foi abordado de modo sóbrio, sem o acompanhamento de fotografias e gráficos, presentes na maioria dos outros painéis da exposição, com o provável objetivo de chamar a atenção exclusivamente para o conteúdo textual. Ao fim, encontra-se uma informação, em caixa alta, que comunicava não só a abordagem biológica em relação a essa temática, mas também o novo engajamento do laboratório pela invalidação das ideias basilares do racismo:

A RIQUEZA BIOLÓGICA DE UMA POPULAÇÃO RESIDE NA SUA DIVERSIDADE GENÉTICA;

UMA POPULAÇÃO QUE UNIFORMIZA SEU

PATRIMÔNIO GENÉTICO PARA CRIAR UMA RAÇA PURA PERDE SUAS POSIBILIDADES DE ADAPTAÇÃO E, PORTANTO, SUAS CHANCES DE SOBREVIVÊNCIA144.

O excerto acima, ao contrário do restante do texto, foi escrito em caixa alta de modo a atrair a atenção dos visitantes para o seu conteúdo. Além deste, outros recursos foram utilizados para salientar a importância do debate que vinha sendo desenvolvido, como, por exemplo, o modo sucinto de apresentar o conteúdo e a inexistência de outros elementos que não os textuais. Além disso, esses recursos que debatiam a validade científica do conceito de raça foram disponibilizados logo na introdução da galeria, de modo que compunham o primeiro contato que os visitantes travavam com a nova exposição.

O conjunto de todas essas estratégias expositivas demonstra que, ao reformular totalmente a exposição de sua galeria pública na década de 1970, um dos

142 “Painel Races & Conflits” - Objeto: PP0094103. Disponível em: http://www.quaibranly.fr/fr/explorer- les-collections/base/Work/action/show/notice/2095336-les-races/page/1/. Acesso em 5 dez. 2016. 143 Idem.

144 Traduzido do original: LA RICHESSE BIOLOGIQUE D’UNE POPULATION RESIDE DANS SA DIVERSITE GENETIQUE;

UNE POPULATION QUI UNIFORMISE SON PATRIMOINE GENETIQUE POUR CREER UNE RACE PURE PERD SES POSSIBILITES D’ADAPTATION, DONC SES CHANCES DE SURVIE.

principais objetivos do laboratório de Antropologia do MH concentrou-se em comunicar aos visitantes a inconsistência biológica do conceito de raça humana, invalidando cientificamente as ideias que antes o haviam embasado e ressaltando que, a partir de então, o MH se afastava de tais concepções.

No entanto, o novo posicionamento do museu não consistia num simples afastar-se de tal conceito, mas sim no engajamento pela sua invalidação. Nesse sentido, diversas críticas foram feitas à sua utilização, como pode ser observado no painel “Race

& Culture” (Raça e Cultura), no qual aborda-se a incongruência de expressões como “raça

judia” e “raça francesa”. De acordo com as informações comunicadas no painel, tais expressões seriam desprovidas de senso científico, já que, ao invés de fundamentarem-se nos caracteres biológicos comuns a um grupo, apelavam aos seus aspectos culturais e geográficos145.

Assim, com a supressão de quase todas as referências ósseas que antigamente espalhavam-se pela galeria buscando ilustrar o método comparativo da Antropologia Física, a nova exposição baseava-se principalmente na exposição de painéis e engajava- se na luta pelo abandono do conceito de raça humana, comunicando aos visitantes suas utilizações arbitrárias e amparando cientificamente essas denúncias com dados obtidos a partir de novas pesquisas da biologia genética. Substituía, assim, o antigo enfoque físico da Antropologia por uma nova visão biológica da ciência.

Nesse sentido, um dos pontos altos do engajamento pelo abandono do conceito de raça encontrava-se no painel “Genetique & Races” (Genética e Raças), onde um debate acerca dos sistemas genéticos humanos se desenrolava com o enunciado de que “as variações evidentes dos grupos humanos não os dividiam em categorias

separadas por fronteiras precisas”146, amparando a afirmação de que a divisão da humanidade em raças era puramente arbitrária. Do mesmo modo, o painel “La Couleur

de la Peau” (A Cor da Pele) concentrava-se em invalidar um dos principais métodos

utilizados pela Antropologia Física para classificar e diferenciar as supostas raças, explicitando que a tonalidade da pele de todos os seres humanos era dada por uma mesma substância, a melanina, que apenas variava em concentração em cada indivíduo. Assim,

145 “Painel Race & Culture” - Objeto: PP0094104. Disponível em: http://www.quaibranly.fr/fr/explorer- les-collections/. Acesso em 5 dez. 2016.

146 Traduzido do original: “[...] les variations évidentes des groupes humaines ne les divisent pas en catégories séparées par des frontières précises”. “Painel Genetique & Races” - Objeto: PP0094105. Disponível em: http://www.quaibranly.fr/fr/explorer-les-collections/. Acesso em 6 dez. 2016.

concluía-se que a cor da pele era na realidade uma questão “[...] de quantidade e não de

qualidade”147.

A partir de então, o posicionamento humanista do MH se concentraria numa defesa pela igualdade da espécie humana baseada na demonstração, principalmente por meio de estudos biológicos, da insignificância das diferenças encontradas entre os indivíduos, o que passou a caracterizar o humanismo da instituição como antirracista.

Na construção desse novo discurso humanista, o processo de minar as bases do racismo passou também pela valorização do meio e da cultura como elementos decisivos na construção das capacidades dos indivíduos, o que procurava desvincular as habilidades destes às supostas predisposições de suas raças. Tal processo pode ser observado no painel “Aptitudes” (Aptidões), no qual se afirma que “[...] nenhum resultado

científico sério prova as diferenças de aptidões genéticas entre populações”148, de tal

modo que a superioridade de uma população sobre outra em relação a alguma aptidão específica se explicaria por um treinamento de origem cultural ou uma adaptação. Quanto às capacidades individuais, essas poderiam ser desenvolvidas de modo a operar as funções mais complexas, bastando para isso que o indivíduo se beneficiasse da educação e das características pessoais adequadas149. Nessa mesma linha, o painel “Agression &

Territoire” (Agressão e Território), abordava a evolução da espécie humana atribuindo a

sua capacidade de sobrevivência não à adaptação biológica ao meio, mas sim à combatividade dos seus indivíduos e suas aptidões: “O meio físico e biológico humano

impõe condições necessárias à sobrevivência, mas são as realidades sociais e culturais que modelam, em última instância, as populações humanas”150.

Desse modo, é possível observar que o ressaltar da insignificância entre as diferenças físicas e biológicas dos seres humanos foi um dos principais métodos utilizados para combater o racismo e seus fundamentos de categorização e diferenciação. Para isso, comunicar aos visitantes a influência que o meio social e a cultura possuem na formação das habilidades dos indivíduos constituiu-se como parte da estratégia, já que

147 Traduzido do original: “de quantité et non de qualité”. “Painel La Couleur de la Peau” - Objeto: PP0094106. Disponível em: http://www.quaibranly.fr/fr/explorer-les-collections/. Acesso em 6 dez. 2016 148 Traduzido do original: [...] aucun résultat scientifique sérieux ne prouve des différences d’aptitudes génétiques entre populations. “Painel Aptitudes” - Objeto: PP0094107. Disponível em: