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5. Implicações teóricas

5.2 Os produtores de marketing

5.2.2 As histórias que os produtores contam para se conectarem com os consumidores

Kates (2007), além de sugerir que mais pesquisas interpretativas do lado dos produtores precisam explorar a gestão de significados para compreender, por exemplo, o que os profissionais de marketing fazem para ajustar as marcas a novos mercados, também sugere que se busque compreender as histórias que os gestores criam para se conectarem aos consumidores de diferentes culturas ou microculturas. Conforme foi afirmado acima, os produtores de

marketing do Internacional, apesar da imensa diversidade de torcedores e

grupos de torcedores, ou quem sabe justamente por causa dela, não criam histórias distintas para se conectarem com grupos distintos de torcedores, à

exceção de mudanças em alguns produtos e serviços para adaptar a forma, mas não o conteúdo, significativamente, para mulheres e crianças. No entanto, foi possível identificar que a história geral contada pelos produtores do clube estudado tem algumas linhas mestras de condução do enredo: a) A paixão do torcedor; b) O Inter é o maior, o melhor e o único; c) É necessário que o torcedor ajude o clube, comprando mais produtos e serviços.

A história que os produtores contam para se conectarem com os consumidores está centrada na paixão do torcedor. Nessas histórias, o torcedor apaixonado é a razão de ser do clube. Tudo é feito para agradá-lo e satisfazê-lo. Os produtores contam o quanto são colorados apaixonados e o quanto compreendem o torcedor por isso. Toda a loucura, a intensa participação, a reclamação ativa e forte, a fidelidade e a flexibilidade são descritas como algo muito conhecido, vivido por alguém que já se esforçou muito pelo clube. O torcedor é narrado como um apaixonado que aceita quase tudo com furor, todos os produtos e ações de marketing, apenas com o “estalar de dedos”. Mas que, no entanto, pode, em alguns poucos casos, se revoltar e causar grande estrago com boicotes às compras, depredação das instalações do clube ou agressões físicas e morais aos profissionais. O torcedor é tão apaixonado que, muitas vezes, homens compram produtos geralmente comprados por mulheres, e mulheres têm comportamentos agressivos, falam mal, como geralmente é associado, na cultura popular, ao comportamento masculino. O torcedor é uma pessoa que é capaz de grande demonstração de gratidão e felicidade quando recebe a oportunidade de experiências vivenciais com os ídolos e os locais sagrados do clube, como o campo de futebol oficial. O torcedor é alguém que se doa ao clube e é capaz de surpreender muitas vezes os produtores com sua participação e seu envolvimento. O torcedor é narrado como motivo de orgulho para o clube. O produtor apresenta uma devoção ao torcedor/consumidor.

Esse tema está relacionado ao tratamento da torcida como tribo de consumo, na qual os próprios produtores estão inseridos. É a história da paixão pelo Internacional que cria uma unidade intensa entre todos que se dizem colorados, em torno de um mesmo objetivo que são as vitórias e a superação dos adversários. Tal unidade, como já relatado, permite aos produtores

conceberem as ações de marketing da forma como foi descrita anteriormente, como consequência da vivência cotidiana com os torcedores, informalmente e sem o uso de técnicas avançadas de segmentação de mercados.

A segunda temática dessa história gira em torno da grandeza e dos grandes e singulares feitos do clube. Um tema recorrente e central nas histórias que os produtores contam para se conectarem com os consumidores gira em torno das realizações do clube. Os títulos, as conquistas, as vitórias do time, as realizações da torcida, o patrimônio do clube, o número de sócios e a própria profissionalização da gestão do clube são contados como as melhores, as maiores ou as únicas, conforme o caso. A grandeza, a exclusividade e a superioridade é tema muito presente na construção das histórias. Esse conteúdo tem clara ‒ às vezes direta, às vezes indireta ‒ relação com a rivalidade com o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. A possibilidade de criar situações de sentimento de superioridade em relação ao rival é um ponto de grande apelo para os torcedores, e os produtores trazem-no com força ao centro da relação. Esse tema entra no “jogo” do pertencimento clubístico e serve como mediador de diversas relações, entre elas a de disputa entre amigos e familiares, uma guerra simulada, na qual a suposta superioridade do clube em relação ao rival serve como uma arma estratégica.

A terceira temática gira em torno da manifesta necessidade de o clube arrecadar recursos para obter as vitórias tão desejadas pelos torcedores. Como foi relatado na sessão 4, a solução para esse problema é vista e comunicada pelos produtores como possível obtenção de sucesso na lógica do “círculo virtuoso do futebol/negócio”, anteriormente descrito. Os produtores contam uma história em que os torcedores consumidores precisam investir no clube, comprar produtos, associar-se, gastar dinheiro com o clube, para que este tenha recursos para poder montar melhores times, e assim por diante. Aqui entra a questão da relação de “casamento” entre clube e torcedor. O casamento representa uma relação na qual o consumidor está junto na “alegria e na tristeza”, na “riqueza e na pobreza”, ou seja, consumindo sempre, independentemente do desempenho momentâneo do time. Essa relação comprometida, de estar “sempre junto”, é relacionada a “ser colorado de verdade”. Os que não estão em conformidade acabam assumindo um papel

secundário na hierarquia dos “realmente colorados”. A história contada pelos produtores parece tentar criar um tipo de segregação entre torcedores “melhores” e “piores”, de mais ou menos prestígio, de acordo com o comprometimento que demonstram por meio do consumo. Trabalha-se isso, mais ainda, para que se dê independentemente das dificuldades que se apresentem, como jogos pouco interessantes, clima ruim (chuva) ou mau desempenho do time nas competições.

5.2.3 Produtores como agentes de mudança cultural e as tensões