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5. Implicações teóricas

5.2 Os produtores de marketing

5.2.1 O conhecimento sobre os consumidores e as teorias implícitas dos produtores

Um dos aspectos mais explorados pelos pesquisadores que buscaram compreender interpretativamente o lado dos produtores para um melhor entendimento do consumo está relacionado com como os produtores compreendem e de que forma as diferenças entre consumidores e grupos de consumidores são elaboradas pelos produtores. Outro aspecto é compreender

como adaptam suas ações aos diferentes grupos (KATES, 2007; KATES e GOH, 2003; PEÑALOZA e GILLY, 1999; ANDREWS e RITZER, 2007).

Conforme exposto na sessão 2, de referencial teórico, Kates e Goh (2003) afirmam que os métodos tradicionais de segmentação e posicionamento, que pressupõem uma relativa estabilidade das percepções e dos significados dos consumidores sobre uma marca em relação a alternativas concorrentes, podem não dar conta de forma efetiva da polissemia e da instabilidade das categorias sociais contemporâneas, em concordância com Elias (1980), Maffesoli (2006) e Schouten e McAlexander (1995). Os significados de marca podem mudar através das diferentes fronteiras entre grupos sociais, comunidades e nações, isso ocorrendo com alguma influência dos produtores de marketing, que algumas vezes compreendem a pluralidade da diversidade cultural. Para os autores, essa questão é fundamental para a realização de consistência estratégica na mensagem de comunicação de

marketing, e esperam que produtores desenvolvam formas de obter essa

compreensão. No entanto, nossos dados empíricos dão conta de uma realidade distinta da esperada pelos autores.

No contexto estudado, os produtores de marketing não fazem distinções significativas entre os diferentes grupos interpretativos, ou tipos sociais existentes, na superdiversificada massa de torcedores do Sport Club Internacional. Conforme registrado na sessão 4, de resultados, os torcedores/consumidores são concebidos como “todos os colorados” ou “torcedores apaixonados”, não havendo uma compreensão ou utilização das distinções existentes para a formulação de estratégias de marketing e comunicação de marketing. Exceção existe em relação ao gênero feminino e a crianças, que começam a receber atenção especial, mas de forma genérica ‒ como “feminino” ou “criança”, e não como grupos com gostos e significações de marca específicas, mas apenas com os tamanhos e formatos adaptados (as histórias que são contadas por meio dos produtos não têm distinção significativa em termos de enredo/conteúdo).

Essa constatação adiciona conhecimento à linha de estudo realizada por Kover (1995) sobre as “teorias implícitas” que os profissionais de marketing usam para desenvolver seu trabalho. Em sua análise, ele identificou que as

“teorias implícitas” verificadas junto aos produtores estudados em muito se diferenciavam das teorias desenvolvidas pela academia. Isso indicaria diversos novos caminhos e abordagens de investigação para as próprias teorias acadêmicas sobre os consumidores. Uma área não explorada pela academia é a que versa sobre como os produtores percebem os consumidores quanto às teorias de tribos de consumo (COVA, 1997; MAFFESOLI, 2006), subculturas de consumo (SCHOUTEN e MCALEXANDER, 1995), categorias sociológicas tradicionais, ou a partir de algo semelhante ao conceito de configuração de Elias (1980; HEINICH, 2001) revisadas no capítulo 2. Frente às discussões da melhor pertinência do uso de categorias sociológicas tradicionais, o conceito de tribo de Maffesoli (2006), ou o conceito de configuração de Elias (1980) para a compreensão científica do consumo, o estudo da realidade cultural dos produtores revela que o conceito tribo de consumo ou subcultura de consumo “serve” aos anseios dos produtores e parece funcionar na prática. A unidade entre clube e torcedor, ou entre produtor e consumidor, é tão forte, em função da paixão, que os produtores atingem seus objetivos com as ações de

marketing criadas em cima de conceitos que equiparam os torcedores às

“tribos urbanas”. Isso ocorre praticamente sem nenhum tipo de segmentação e posicionamento conscientes e elaborados para distintos grupos interpretativos ou diferentes perfis demográficos, ou ainda pelo estudo das interconexões criadas pela formação de um habitus com base no imaginário dos torcedores sobre a distinção entre os grupos e os indivíduos.

Do ponto de vista dos produtores, essa união que a paixão possibilita faz com que eles não tenham uma necessidade extrema de conhecer o torcedor por métodos tradicionais de segmentação pelas categorias sociológicas tradicionais, nem que precisem de um tipo de conhecimento mais objetivo, derivado de pesquisas formais sobre os torcedores, ou de um tipo de compreensão mais complexa e aprofundada, como a de Elias (1980). O fato de todos os produtores serem também torcedores faz com que conheçam o conteúdo dessa paixão e, portanto, saibam o que é “ser colorado”, o que é “ser do Internacional” ‒ e, assim, saibam o que querem os torcedores em termos de ações de marketing, em conformidade com a frase de Blaise Pascal, já citada acima duas vezes. Isso tem impacto, por exemplo, na forma como são

concebidas as ações de marketing ‒ segundo os próprios produtores, “pela convivência do dia a dia”, “pelo que se houve pela convivência com os torcedores”, e assim por diante.

Essa relação dos produtores com os consumidores, em um formato de tribo de consumo, pode acarretar algumas consequências teóricas adicionais. Tomemos o estudo de Schau, Muñiz e Arnould (2009) sobre como comunidades de marca criam valor. Os autores identificaram três perspectivas emergentes em marketing: valor é manifestado na realização coletiva das práticas que favorecem investimentos nas redes, em vez de nas díades firma- consumidor; a cessão de controle para o consumidor aumenta o engajamento e cria valor patrimonial da marca (brand equity); as firmas derivam valor adicional de marca por criativamente usarem recursos de consumidores dispostos.

Em função dessa relação de grande envolvimento e unidade pelo sentimento de paixão que permeia a relação entre produtores e consumidores, ocorre uma grande cessão involuntária e inconsciente de controle do consumidor para os produtores, uma vez que os próprios produtores são consumidores/torcedores e coletam informações para as ações de marketing, por meio da convivência cotidiana, por “serem um nativo da tribo”. Mesmo que produtores não ofereçam produtos e serviços que conscientemente ou estrategicamente fomentem as redes em vez das díades empresa/consumidor, essa relação próxima de convivência na unidade termina servindo como um meio suficiente para a formatação dos produtos, de forma a corresponderem aos anseios dos torcedores que estão conectados aos produtores. Aqui podemos notar uma conexão entre o proposto por Schau et al. (2009) e a teoria das interconexões ou configurações de Elias. Aqueles atribuem criação e valor justamente àquilo que Elias (1980; HEINICH, 2001) considera a questão mais importante na compreensão da formação dos diferentes grupos sociais: as interconexões e inter-relações e as configurações que assumem entre os diferentes indivíduos e grupos ‒ fatores que os definem no contexto social e, portanto, fazem com que sejam influenciados e influenciem o consumo.

Portanto, podemos concluir que o tipo de conhecimento mais superficial e de fundo mais experiencial presente nas abordagens de tribos de consumo tem uma utilidade prática para a gestão do marketing, no contexto dos clubes e

torcedores/consumidores de futebol. Uma possível explicação, para além da questão da facilidade que a paixão compartilhada por produtores e torcedores gera, pode estar no fato de a atividade de marketing no futebol ser recente. Conforme Andrews e Ritzer (2007) afirmam, de fato o processo de profissionalização está a “pleno vapor” no Sport Club Internacional, mas é uma atividade que conta um executivo profissional há apenas quatro anos.

Além disso, apesar de esse processo de profissionalização estar entrando com força no clube, a gestão geral ainda apresenta características menos presentes em organizações empresariais, como a influência de política de grupos de interesse sobre a gestão. Também, percebe-se uma preponderância de uma centralidade do departamento de futebol, que não permite uma gestão integrada e balanceada do clube em todas as suas áreas em uma perspectiva de mercado capitalista global. É desejo dos produtores de

marketing buscar uma compreensão mais elaborada de seus torcedores.

Porém, todos os caminhos indicados para a busca desse conhecimento são rumo à utilização das categorias sociológicas tradicionais criticadas (como forma de compreensão da realidade social) por Elias (1980), Maffesoli (2006) e Schouten e McAlexander (1995). Mais uma vez, talvez esse fato possa ser explicado pelo pouco tempo de existência da atividade profissional de

marketing no Sport Club Internacional, considerado por muitos (entrevistados e

imprensa) um dos mais profissionalizados do Brasil.

5.2.2 As histórias que os produtores contam para se conectarem com