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2. A Psicopatologia dos laços instituídos

2.4 As instituições sociais

Nossa prática clínica com instituições da área da Assistência Social, bem como estudos psicanalíticos recentes sobre as patologias dos laços instituídos, nos levam a formular a hipótese de que essas instituições, por especificidades próprias, são mais frágeis e sensíveis

a produzir o adoecimento dos laços ali instituídos, o que nos indica a necessidade de certo aprofundamentode nossa hipótese.

A instituição, nesta tese, é compreendida como uma rede de enlaçamentos, um tecido de apoio para a emergência do psiquismo singular, uma proteção para as angústias, uma filiação identitária e de intercâmbios, uma sede própria para a estranheza, a dessubjetivação e alienação. É um instrumento cortante à ferida narcísica, um alinhavo muito delicado para amarração de diferentes ordens: social, econômica, plural, singular, simbólica e imaginária.

Essa heterogeneidade é estruturada e mantida por meio de laços intersubjetivos, formador de um grupo. As instituições devem ser capazes de apoiar, conter, fazer ligação, transformar e transmitir formações e processos psíquicos. Constroem um aparelho psíquico institucional por alianças inconscientes, pactos denegativos e renúncias dos fins pulsionais, que articula a psique singular as formações coletivas.

As formações inconscientes e as alianças intersubjetivas asseguram o trânsito entre os sujeitos e a instituição, que se manifestam no trabalho analítico por meio da cadeia associativa do grupo, nos signos, nos atos, nos sintomas, no não-dito, no denegado, no rejeitado, no forcluido, ingredientes e conteúdos dessas alianças e pactos. Essas formações singularizam os laços intersubjetivos e permitem os processos identificatórios.

São formações que ocupam uma posição intermediária, ao mesmo tempo em que tecem e ligam os laços. As alianças são frágeis aos efeitos do negativo, principalmente as instituições socioeducativas que, devido a suas tarefas de cuidado e educação, bem como a uma gama de outras precariedades administrativas, políticas e sociais, têm dificuldades em fornecer apoio e sustentação e ainda, como indica Roussilon (1999), elas são atacadas também por seus próprios membros, o que aumenta a angústia e os confronta a um sofrimento intenso e catastrófico. Ao ocupar uma posição transicional entre os sintomas sociais e a própria ordem social, ela está exposta a formações de alianças e pactos. Trata e acolhe aquilo que o social exclui. Assim, essas instituições, nas palavras de Pinel, [...] às vezes denegadas e celebradas, [...] figuram o espaço de acolhimento do negativo. Modelo emblemático atribuído à posição do ideal, elas são ao mesmo tempo, o lugar de reciclagem do excluído, do denegado ou do impensável” (1996, p. 53).

Pinel (1996) argumenta, ainda, que as instituições se caracterizam por um sistema de tensão, sempre precário, e são atravessadas por movimentos oscilatórios energéticos de conjunção e de disjunção, de associação e de dissociação. Elas são uma instância de articulação de formações psíquicas extremamente sensíveis aos efeitos de desligamentos e desorganizações. Essas oscilações permanentes afetam as relações intra e intersubjetivas,

expressas por uma desregulação parcial, por um desinvestimento global ou por crises catastróficas.

As crises ou a desregulação dos laços são acompanhadas de intenso sofrimento psíquico que afeta os sujeitos, pois são modos de desligamento patológico dos laços. Pinel (Ibid.) considera que os fenômenos de desligamento patológico dos laços institucionais revelados por uma desregulação econômica grupal são manifestados por meio do excesso ou pela falta de investimentos; eles procedem da negatividade e resultam de uma carência do aparelho psíquico grupal para articular a força e o sentido, para manter um espaço de simbolização que acolha, gerencie e transforme os elementos pulsionais sem sentido que imobilizam as formações psíquicas comuns. Essa desorganização, entre outras causas, é oriunda da ressonância negativa entre a patologia central dos pacientes acolhidos na instituição e as falhas latentes na estrutura institucional para contê-la. Assim, a desorganização do enquadre institucional é homóloga àquela dos pacientes acolhidos.

Isso quer dizer que a instituição é um lugar fundante da psique, um dado primário da identidade e da economia psíquica. Revela-se, como o próprio agrupamento, um lugar de despossessão radical (KAËS, 1996) no qual o sujeito luta para manter sua unidade psíquica. Por outro lado, nossa relação com a instituição se tece sobre o fundo de uma ferida narcísica sempre renovada.

Assim, a psique se apoia sobre as instituições, mas simultaneamente, ela pode se encontrar, nas situações patológicas, imobilizada pela própria instituição, tornando-se um lugar fora do sujeito. Tentar pensar esse espaço paradoxal, às vezes parte constituinte, outras vezes parte externalizada da psique, implica renunciar a uma ilusão de dominação e aceitar os limites de uma compreensão sempre parcial dos processos ali em jogo.

As instituições apresentam uma ambivalência, porque nelas se defrontam o desejo dos sujeitos envolvidos de satisfazer seus próprios fins e a renúncia necessária ao funcionamento do conjunto. A relação com a instituição subentende o assujeitamento de cada um e mobiliza, por isso, afetos negativos como raiva e inveja. Os contrainvestimentos solicitados se manifestam por uma paralisia psíquica do sujeito para pensar o objeto e sua relação com ele.

As instituições superpõem, combinam ou integram de maneira conflituosa as lógicas e as ordens de realidades diferentes e assim formam um objeto compósito. Realizam a aparelhagem de registros, de realidades e de lógicas diferentes ao se situar no quarteirão das relações do singular e do plural, do simbólico e do imaginário, exercendo uma pluralidade de funções.

De modo geral, as instituições estão em posição intermediária entre o sujeito, o grupo e a sociedade, e sensíveis e frágeis, ficam sempre expostas às tensões e aos efeitos do negativo. As instituições sociais são específica e emblematicamente confrontadas com as tensões massivas, engendradas por sua posição particular e pela natureza de sua tarefa primária. Nas missões sociais lhes é atribuída uma posição transicional e articular entre a patologia e a ordem social, dicotomia que vem sendo discutida nas proposições de Honneth (2008) como patologia do social. Isso quer dizer que as instituições sociais se encarregam do tratamento e do atendimento da patologia do social, quando acolhem, administram e tratam do que é excluído, impensável e denegado. São ora denegadas, ora endeusadas, e se figuram como o espaço de acolhimento do negativo. São modelos emblemáticos atribuídos a uma posição ideal, ao mesmo tempo que são lugares de reciclagem do excluído.

Em outras palavras, elas articulam duas posições antagônicas – acolher o excluído e exercer uma função de tecido conjuntivo, o que as constitui em espaços de ligação criativos e vivos. Essa posição paradoxal mobiliza o narcisismo de seus membros com a reativação das formações ideais arcaicas, como também mobiliza as representações radicais em um tudo ou nada, referentes à oscilação entre a onipotência e a impotência. Assim, tais instituições vão potencializar em seus participantes um ideal que garanta a identidade singular e um objeto negativo, contrainvestido, que sempre será insuficientemente bom.

Pode-se supor que nesse lugar, por suas características, haja o favorecimento ao engendramento do fenômeno de desorganização, de crise, de sofrimento e ruptura dos laços institucionais, o que, por sua vez, não significa que todas as instituições sociais tenham crises e dificuldades intransponíveis, bem como sejam incapazes de se reorganizar.