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Modalidades de psicopatologias institucionais

2. A Psicopatologia dos laços instituídos

2.3 Modalidades de psicopatologias institucionais

A escuta dos participantes das instituições permitiu a Kaës a elaboração de indicadores de sofrimento, verificados, também, por meio das condutas sintomáticas dos sujeitos agrupados: a paralisia e a sideração, a agitação e o ativismo, efeitos do incremento das defesas pela falência ou destruição dos enquadres metapsíquicos de contenção e de transformação das ansiedades primitivas. Assim, o excesso ou a falta de investimentos nos laços são manifestações da negatividade, o resultado de uma insuficiência de articulação e manutenção do espaço de simbolização do aparelho psíquico grupal. Nesse sentido, pode-se afirmar que as instituições promovem diversas modalidades de sofrimento a seus membros, na medida em que exigem trabalho psíquico, articulam formações psíquicas, mobilizam formações arcaicas e edípicas dos sujeitos enlaçados, e, ao mesmo tempo, são sensíveis aos efeitos de desenlaçamento.

Nas situações institucionais a emergência de um objeto perigoso, impossível de ser contido pela instituição, projetado sobre certos sujeitos ou no exterior, agencia o sofrimento psíquico intenso, os ataques contra os laços, a regressão, a rejeição e a negação em comum, produzindo a clivagem do eu e do objeto; e, quando se joga com o masoquismo fundamental, com seus complementos sádicos onipotentes, essa clivagem dá origem a ações violentas e conjuntas sobre os objetos vitimizados. Esse interjogo entretece um desconhecimento do sofrimento do outro, o que favorece a emergência de uma aliança inconsciente e a reintensificação do sofrimento.

a) Psicopatologia do embaraçamento

Ocorre quando os laços intersubjetivos formam um bloco isomórfico, sem distinção entre os espaços psíquicos singulares e o espaço intersubjetivo institucional, denominado de

souffrance de l’inextricable31, que aqui será traduzido como o sofrimento do embaraçamento, em que o mecanismo de salvaguarda de cada membro é a dessubjetivação e o apagamento do sujeito. É um momento de confronto com a indiferenciação, com a angústia diante daquilo que representa para cada um o “perigosamente desconhecido, de não identidade” (KAËS, 1996, p. 33). Nesse sofrimento do embaraçamento se incluem os estados passionais (Ibid.), nos quais a paixão se relaciona com um intenso sofrimento

[...] próximo de estados psicóticos, que aí se experimenta, e ao transbordamento da capacidade de conter e de ser contido; a capacidade de formar pensamentos é paralisada e atacada: a repetição, a obnubilação servem de cobertura para ódios devastadores [...] Há aí algo como que um orgasmo institucional, escudo do gozo terrível e pânico contra a angústia de aniquilamento. (p. 33).

Kaës (2007) dirá que o sofrimento do embaraçamento é a característica fundamental da patologia institucional.

b) Psicopatologia da fundação e da função instituinte

Quando há um intenso sofrimento psíquico operado pela ruptura no envelope psíquico institucional, com o transbordamento da capacidade de conter e ser contido, ameaçando cada participante, que com o escudo do gozo enfrenta essa angústia. Há um rompimento das formações intermediárias e dos espaços de mediação. Kaës denominará esse sofrimento como “trouble de la fondation et de la fonction instituante” – o sofrimento da desunião ou estado patológico da fundação e da função instituinte. Esse sofrimento se remete ao passado institucional, com seus conteúdos traumáticos, e às origens da fundação da instituição, conteúdos que permanecerão recalcados, transmitidos e mantidos por meio das alianças inconscientes entre os membros; nas ocasiões de crise, quando são necessárias transformações e mudanças institucionais, estas serão afetadas pelo retorno desse recalcado, gerando dificuldades e resistências. Por outro lado, em muitas fundações se criam instituições impróprias às suas funções pela inadequação de sua estrutura à tarefa primária eleita, como observa Kaës:

31 Traduzimos para o português como inextricável, que significa o que é embaraçoso, complicado, difícil de

resolver(Dicionário inFormal: Dicionário Online).

Confirmamos esta significação no Dicionário eletrônico Houaiss: inextricável [acepções]: 1- o que não pode dissociar ou desembaraçar, indestrinçável (nó); 2- constituído de elementos entrelaçados, entrecruzados a ponto de não se poder reconhecê-los, dissociá-los, elucidá-los. Exs.: relações i., negócios i. um processo i.

As instituições ou são demasiadas ou são insuficientes, quando não são inadequadas para sua função. Em todos esses casos, essas perturbações por excesso, por falha ou por inadequação entre a estrutura da instituição e a estrutura da tarefa primária conduzem a um sofrimento ligado à instituição na sua singularidade. (1996, p. 34).

c) Psicopatologia da tarefa impossível

Quando não se pode garantir a instauração e a manutenção dos espaços psíquicos na instituição, pela prevalência de relações excessivamente burocratizadas, que funcionam como impeditivas da realização da tarefa primária, se produz a desarrumação nos laços, com abertura de espaços para o vazamento de formações narcísicas, repressivas, para a formação de pactos denegativos e defensivos vedantes à obtenção de prazer no trabalho.

d)Psicopatologia da ameaça da extinção do espaço psíquico

Ocorre quando o espaço psíquico fica ameaçado de extinção pelo excesso de burocracia ou pela supremacia e desenvolvimento de ações burocratizadas em detrimento do processo criativo e de pensamento. Nesta patologia as formações narcísicas, recalcadoras, denegadoras e defensivas que protegem a instituição contra a hostilidade se abalam pela emergência de formas elementares da vida psíquica.

As instituições expõem seus membros a vivências muito angustiantes, sem oferecerem suportes e experiências satisfatórias capazes de permitir a utilização de mecanismos de defesa de proteção contra essas angústias. Roussillon (1999) demonstrou o nó paradoxal, que enlaça as defesas subjetivas e as institucionais: incapazes de fornecer apoio, as instituições são atacadas pelos próprios membros, o que leva ao aumento da angústia e ao confronto com um sofrimento intenso e catastrófico.

A psicopatologia institucional analisa e evidencia as falências do trabalho psíquico imposto pelo laço instituído, mediante a criação de indicadores de sofrimento psíquico institucional que orientam a escuta em direção a sua fundação e origem, aos passados mantidos sob silêncio traumático, que retornam em busca de sentido.

Para a formação de sentido, Kaës, como foi descrito no capitulo anterior, enfatiza a importância do pré-consciente e da função interpretante do outro ou de vários outros, na construção e manutenção das funções de representação e dos sistemas de pensamento.