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AS MODALIDADES DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO JUSTO NO PÓS POSITIVISMO BRASILEIRO: O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

6.8 AS MODALIDADES DE EFICÁCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Inicialmente, uma vez admitida a força normativa do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, dotado de evidente superioridade axiológica e teleológica no sistema jurídico brasileiro, deve-se reconhecer a dúplice dimensão eficacial desse vetor principiológico: a subjetiva e a objetiva.

De um lado, a dimensão subjetiva da dignidade da pessoa humana corresponde ao status negativo, isto é, refere-se ao direito do titular resistir à intervenção estatal na sua esfera de liberdade individual. Também aparece no status positivo, no qual o indivíduo adquire um status de liberdade positiva que pressupõe a ação estatal, tendo o Estado a obrigação de agir para implementar uma condição mínima de subsistência aos seus cidadãos.

29 CAMARGO, Marcelo Novelino. Leitura complementares de direito constitucional. Salvador:

Por sua vez, a dimensão objetiva da dignidade da pessoa humana está baseada na percepção de que os direitos fundamentais independe dos seus titulares, apresentando-se como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos de ação positiva dos Poderes Públicos. Os direitos fundamentais representam, objetivamente, caráter de norma de competência negativa, ou seja, o que está sendo concedido ao indivíduo, está sendo, objetivamente, retirado do Estado, permitindo o controle abstrato de constitucionalidade.

Ademais, a objetivação da dignidade da pessoa humana implica que os direitos fundamentais funcionem como critério de interpretação e configuração do direito infraconstitucional, que deve ser entendido em conformidade com a Constituição. Quando o operador do direito estiver diante de várias interpretações possíveis para uma norma, ele deverá optar por aquela que melhor se harmonize com a afirmação de uma vida digna.

Consideradas as referidas dimensões subjetiva e objetiva do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, impõe, necessariamente, o reconhecimento da sua plena e ampla capacidade de produzir efeitos jurídicos, nas acepções positiva, negativa e hermenêutica.

A eficácia positiva consiste em reconhecer, ao eventual beneficiado pela norma jurídica enunciadora de direito fundamental, ainda que de suposta eficácia limitada, o direito subjetivo de produzir tais efeitos, mediante a propositura da medida administrativa ou da ação judicial competente, de modo que seja possível obter a prestação estatal, indispensável para assegurar uma existência digna.

Embora surgidos como direitos de defesa, com a principal preocupação de salvaguardar espaços de liberdade individual ao abrigo da ingerência estatal, os direitos fundamentais constitutivos da dignidade da pessoa humana passaram a adquirir uma projeção positiva, reclamando um agir – sobremodo do Poder Público e mesmo de agentes privados – que proporcione a satisfação das necessidades e a realização dos valores jusfundamentais. O Estado está, portanto, obrigado a concretizar a dignidade da pessoa humana como igualdade

substancial, elaborando normas de direitos fundamentais e implementando as correlatas políticas públicas.

De outro lado, a eficácia negativa limita a atuação do Poder Público e de particulares que atentem contra a esfera de liberdade dos cidadãos, conferindo aos sujeitos de direito a prerrogativa de questionar a validade de todas as normas infraconstitucionais que ofendam os diversos aspectos de uma existência digna, ferindo aqueles direitos fundamentais da cidadania que consubstanciam o conteúdo ético-jurídico do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Como bem leciona Ingo Sarlet30, não restam dúvidas de que toda a atividade estatal e todos os órgãos públicos se encontram vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes, neste sentido, um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la conta agressões por parte de terceiros, seja qual for sua procedência.

Sendo assim, constata-se que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de respeito ou abstenção ao Estado e aos particulares, mas também exige a realização de condutas positivas por agentes públicos e privados tendentes a efetivar e a promover a existência digna do indivíduo.

Por sua vez, no plano hermenêutico, o princípio da dignidade humana orienta a correta interpretação e aplicação dos demais princípios e regras, constitucionais ou infraconstitucionais, de um dado sistema jurídico, a fim de que o intérprete escolha, dentre as diversas opções hermenêuticas, aquela que melhor tutele a idéia de existência digna no caso concreto.

A dignidade da pessoa humana figura como o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos

30 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do

fundamentais, porquanto a busca pela realização de uma vida digna direciona o intérprete do direito à necessária concretização daqueles valores essenciais a uma existência digna.

Neste sentido, oportuna é a lição de Flávia Piovesan31, ao destacar a

essencialidade deste princípio, quando salienta que a dignidade da pessoa humana está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade axiológica de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos direitos e garantias fundamentais, como cânone constitucional que incorpora as exigências éticas de justiça de todo o sistema jurídico brasileiro.

Confere, assim, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana a unidade valorativa de sentido para a interpretação e aplicação dos direitos fundamentais, visto que não se pode admitir diversas leituras das Constituições e das declarações de direitos, sendo necessário ao jurista raciocinar com coerência sistemática no desenvolvimento dos seus processos hermenêuticos.

Como refere Jorge Miranda32, longe de abrir caminho ao subjetivismo do intérprete, terá o hermeneuta que se mover no contexto do sistema, interpretando e integrando os preceitos relativos aos direitos fundamentais à luz dos princípios fundamentais que o informam, inspirado na idéia de Direito justo acolhida na Constituição, melhor traduzida a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como suporte axiológico e teleológico de intelecção da totalidade do ordenamento jurídico.

Eis a razão pela qual a relevância do princípio da dignidade da pessoa humana vem sendo afirmada pela jurisprudência pátria, na condição de fundamento do Estado Democrático de Direito, como referencial axiológico e teleológico que

31 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4. ed. São

Paulo: Max Limonad, 2000, p. 54.

32 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora,

ilumina a interpretação de toda a normatividade jurídica constitucional e infraconstitucional do sistema jurídico brasileiro.

Desse modo, as demais normas da Constituição e do resto da ordem jurídica hão de ser interpretadas em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. O sistema constitucional encontra coerência substancial partindo da dignidade da pessoa humana e a ela retornando, nela fundando a sua unidade material. Dentre as múltiplas possibilidades de sentido de certo texto normativo, deve-se priorizar aquela que torne o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana mais eficaz, ao mesmo tempo em que cada norma jurídica se encontra mais bem fundamentada e legitimada quanto mais endossá-lo diante de um caso concreto.

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM SUA DIMENSÃO

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