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O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO E A SUPERAÇÃO DA DICOTOMIA MODERNA JUSNATURALISMO X POSITIVISMO JURÍDICO

A EMERGÊNCIA DO PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO: O NOVO PARADIGMA DO DIREITO JUSTO

4.3 O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO E A SUPERAÇÃO DA DICOTOMIA MODERNA JUSNATURALISMO X POSITIVISMO JURÍDICO

Na transição pós-moderna, o marco filosófico do pensamento jurídico contemporâneo é o pós-positivismo, como um movimento jurisfilosófico que ultrapassa a tradicional contraposição das teses jusnaturalista e juspositivista.

Como já visto, o jusnaturalismo moderno aproximou a lei da razão, baseando-se na crença em princípios de justiça universalmente válidos. Com as revoluções liberais e burguesas, nos séculos XVIII e XIX, as Constituições escritas e as codificações passaram a simbolizar o ocaso da doutrina do direito natural e a conseqüente hegemonia do positivismo jurídico. Em busca da objetividade científica, o juspositivismo identificou o Direito à normatividade jurídica, afastando a ciência jurídica da discussão sobre a legitimidade e a justiça. Sua decadência costuma ser associada à derrota dos regimes totalitários ao final da Segunda Guerra Mundial, quando as preocupações éticas e axiológicas começam a ser retomadas pelo Direito.

A partir da segunda metade do século passado, as posições unilaterais do jusnaturalismo e do positivismo jurídico passaram a ser combatidas por novas concepções jurisfilosóficas, preocupadas em oferecer instrumentos conceituais mais aptos para garantir a fundamentação de um direito justo.

Comentando o unilateralismo destas concepções, salienta Carlos Nino24 que o programa jusnaturalista afirma que o direito leva implícito algum tipo de propriedade ética específica que o distingue de uma ordem de pura força, pelo que o jurista deve fazer uma estimação axiológica. A idéia de justiça integra necessariamente o conceito de direito. Uma ordem que não está baseada na justiça carece de validade ou força obrigatória, que são propriedades definitórias da ordem jurídica. De ouro lado, segundo o positivismo jurídico, as proposições jusnaturalistas são metafísicas porque não cumprem com os critérios de significado empírico, pelo qual, não sendo analíticas, carecem de significado. O positivismo jurídico prescreverá ao jurista que, se deseja descrever cientificamente o direito, deve afastar toda a valoração do sistema normativo.

De um lado, a Filosofia do Direito constatou os limites do jusnaturalismo, visto que a fundamentação do direito justo no suposto direito natural revelou-se frágil, não só pela insegurança gerada pelo caráter absoluto e pela abstração metafísica do

24 NINO, Carlos, Santiago. Consideraciones sobre la Dogmática Jurídica (com referencia

conceito, como também pela valorização excessiva do atributo da legitimidade em face da validade da normatividade jurídica, necessária para a manutenção mínima da ordem e da segurança na convivência humana em sociedade.

De outro lado, a jurisfilosofia ratificou os limites do positivismo jurídico na fundamentação do que seja o direito justo, em suas diversas feições legalista, lógico e funcionalista, em face do alheamento da doutrina do direito positivo à dimensão axiológica do fenômeno jurídico, sacrificando a legitimidade do ordenamento jurídico em nome de uma validade estritamente normativa, como alternativa para a realização ordenada da segurança jurídica.

Como bem ressalta Luís Barroso25, o positivismo foi fruto de uma idealização do conhecimento científico, baseada na crença de que os múltiplos domínios da indagação e da atividade intelectual pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana. Nesse sentido, a ciência desponta como único conhecimento verdadeiro, depurado de indagações teológicas ou metafísicas. O conhecimento científico é considerado objetivo, porque fundado no distanciamento entre sujeito e objeto e na neutralidade axiológica do sujeito cognoscente, assegurada pelo método descritivo, baseado na observação e na experimentação.

Nesse sentido, o positivismo jurídico representou a importação do positivismo filosófico para o mundo do Direito, na pretensão de criar-se uma ciência jurídica, com características análogas às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na realidade empírica, apartou o Direito da moral e dos valores transcendentes, concebendo o fenômeno jurídico como uma emanação do Estado com caráter imperativo e coativo. A ciência do Direito passou a fundar-se em juízos de fato e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade, esvaziando o debate sobre a legitimidade e a justiça.

25 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva,

O positivismo jurídico sujeitou-se, contudo, à crítica crescente, visto que jamais foi possível a transposição totalmente satisfatória dos métodos das ciências naturais para o campo próprio das ciências humanas. O Direito, ao contrário de outros domínios do saber, não comporta uma postura puramente descritiva da realidade, visto que não é um dado, mas uma criação social e cultural, pelo que o ideal positivista de objetividade e neutralidade é insuscetível de realizar-se no plano jurídico.

Em face do problema da fundamentação do direito justo, o positivismo jurídico, em suas mais diversas manifestações, revelou propostas limitadas e insatisfatórias. Isto porque a identificação entre direito positivo e direito justo e a excessiva formalização da validez normativa não propiciam uma compreensão mais adequada das íntimas relações entre direito, legitimidade e justiça.

Sendo assim, com a crise do positivismo jurídico, abriu-se espaço para a emergência de um conjunto amplo e difuso de reflexões acerca da função e interpretação do Direito, reintroduzindo, na esteira da pós-modernidade, as noções de justiça e legitimidade para a compreensão axiológica e teleológica do sistema jurídico. Buscou-se, então, conceber-se a ordem jurídica como um sistema plural, dinâmico e aberto aos fatos e valores sociais, erguendo-se um novo paradigma, denominado, por muitos estudiosos, como pós-positivismo jurídico.

Os reflexos do pós-positivismo jurídico podem ser verificados em vários campos da ciência do direito, descortinando novas possibilidades de realização do direito justo. Para os fins do presente trabalho, importa destacar os contributos do movimento pós-positivista nos seguintes campos: o delineamento de uma nova hermenêutica jurídica; a transição do pensamento sistemático para o pensamento tópico; a desformalização da lógica jurídica; e a valorização da principiologia jurídica.

AS MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS DO PÓS-POSITIVISMO

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