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POSITIVISMO JURÍDICO E AS VARIAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A JUSTIÇA: O DIREITO POSITIVO COMO DIREITO JUSTO

3.5 CRÍTICAS AO POSITIVISMO JURÍDICO

Em face do problema da fundamentação do direito justo, o positivismo jurídico, em suas mais diversas manifestações, revela propostas limitadas e insatisfatórias. Isto porque a identificação entre direito positivo e direito justo e a excessiva formalização da validez normativa não propiciam uma compreensão mais adequada das íntimas relações entre direito, legitimidade e justiça.

Ao constatar os mencionados limites do positivismo jurídico, Karl Engisch10 critica

a redução normativista operada pela doutrina do direito positivo, afirmando que a ordem jurídica deve ser entendida como um conjunto de valores, através dos quais os juristas elaboram juízos axiológicos sobre a justiça dos acontecimentos e das condutas humanas.

Decerto, o positivismo legalista desemboca numa ideologia conservadora que ora identifica a legalidade com o valor-fim da justiça, em face da crença na divindade do legislador, ora concebe a ordem positivada pelo sistema normativo como valor- meio suficiente para a realização de um direito justo.

Por sua vez, o positivismo lógico da Teoria Pura do Direito abdica o tratamento racional do problema da justiça, ao afastar quaisquer considerações fáticas e, sobretudo, valorativas do plano da ciência jurídica, de molde a assegurar os votos de castidade axiológica do jurista. A busca do direito justo passa a depender das inclinações político-ideológicas de cada indivíduo, relegando ao campo do cepticismo e do relativismo a compreensão do direito justo.

A seu turno, o positivismo funcionalista, em nome da operacionalidade autopoiética do direito, sustenta que a legitimidade das normas figura como uma ilusão funcionalmente necessária, apresentando-se o direito justo como uma fórmula de contingência que não afeta a autonomia sistêmica. Deste modo, torna-se irrelevante uma teoria da justiça como critério exterior ou superior do sistema jurídico.

Ademais, o dogma da segurança jurídica, um dos pilares da doutrina positivista, admite questionamentos bastante incisivos.

Para a doutrina positivista, a segurança se afigura como um dos valores mais importantes do plexo axiológico da experiência jurídica, sinalizando a importância da estabilidade e da previsibilidade nas relações sociais como meios para a concretização do direito justo.

Não se trata, contudo, de um valor absoluto, supostamente capaz de esgotar a idéia de justiça. Decerto, em nome do valor da segurança, o positivismo jurídico erigiu a primazia do direito positivo em face do direito natural, reduzindo o direito justo ao direito estampado no sistema normativo da ordem jurídica, independentemente de sua legitimidade e efetividade. Isto propiciou, ao longo da história do ocidente, experiências sociais muitas vezes trágicas, a exemplo dos arbítrios cometidos pelos regimes totalitários do século XX, sob o manto da legalidade.

Embora se revele limitada esta proposta de fundamentação positivista de direito justo, não há como negar que a segurança jurídica integra, ao lado dos demais valores jurídicos, a fórmula da realização da justiça no direito.

Segundo Carlos Aurélio Mota de Souza11, segurança e justiça não se contrapõem, mas enquanto esta é, muitas vezes, um poder ético, desarmado, sua garantia de efetivação no direito repousa na materialidade objetiva da segurança jurídica.

Decerto, a segurança jurídica permite também a realização do direito justo, porque a idéia de justiça liga-se intimamente à idéia de ordem. No próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético.

Para que este valor possa ser realizado na órbita das relações jurídicas, a estimativa da segurança jurídica costuma ser corporificada em princípios constitucionais, enunciados em diversas Cartas Magnas do ocidente, como também sucede com a Constituição Federal de 1988. Com efeito, da leitura atenta do art. 5º da CF/88, extraem-se, dentre outros, diversos exemplos de sua concretização: irretroatividade da lei; autoridade da coisa julgada; respeito ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito; outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral; prévia lei para a configuração de crimes e cominação de penas; e o devido processo legal. Sendo assim, nos Estados Democráticos de

11 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança jurídica e jusrisprudência – um enfoque

Direito, o valor da segurança jurídica pode ser considerado um princípio basilar da ordem jurídico-constitucional, como forma de garantir a tutela dos direitos fundamentais do cidadão.

Por sua vez, a noção de certeza do direito está umbilicalmente ligada ao entendimento do que seja a segurança jurídica.

Segundo Carlos Aurélio Mota de Souza12, a segurança se traduz objetivamente como um elemento anterior, através das normas e instituições positivadas no sistema jurídico, enquanto a certeza do direito se forma intelectivamente nos destinatários destas normas e instituições, como um elemento de convicção posterior. Desta forma, a segurança objetiva das leis confere ao cidadão a certeza subjetiva das ações justas, segundo o direito positivo.

De outro lado, os juristas procuram reforçar a certeza do direito no imaginário de cada cidadão, através do desenvolvimento das seguintes atividades: aplicação do princípio da legalidade; preenchimento das lacunas jurídicas; correção das antinomias jurídicas; simplificação da linguagem do legislador; aplicação da analogia a casos semelhantes; adequação à jurisprudência dominante, dentre outros exemplos.

A segurança e a certeza do direito são necessárias para que haja justiça e, pois, direito justo, visto que a desordem institucional e a desconfiança subjetiva inviabilizam o reconhecimento de direitos e o correlato cumprimento das obrigações jurídicas.

Deve-se, entretanto, ressaltar que não mais se aceita o argumento formalista, típico do positivismo jurídico, de que a segurança jurídica e a certeza bastariam para a materialização do direito justo. O sistema normativo, como expressão da cultura humana, está em permanente mudança, exigindo a apropriação de novos valores e fatos na experiência jurídica. Sendo assim, a segurança jurídica e a certeza do direito não são dados absolutos, nem tampouco a justificativa para que

uma norma jurídica possa permanecer em vigor, mesmo que a sua aplicação, num dado caso concreto, esteja desprovida de efetividade e, sobretudo, legitimidade, por comprometer a idéia de justiça.

Exemplo ilustrativo é o debate atual sobre a possibilidade de relativização da coisa julgada, no panorama doutrinário e jurisprudencial brasileiro, visto que muitos estudiosos entendem que a consolidação das situações jurídicas pela coisa julgada deve quedar diante da constatação, em face de novos elementos probatórios, de eventuais injustiças cometidas contra uma das partes.

Deste modo, o valor da segurança jurídica e a convicção da certeza do direito, embora relevantes para a realização abstrata de justiça, comportam a relativização em determinadas circunstâncias, a fim de que se realize, num dado caso concreto, a melhor interpretação e aplicação de um direito justo.

Como se apreende do exposto, as referidas variações do positivismo jurídico não abordam, com profundidade, o problema da justiça, priorizando as preocupações com a os valores da ordem e segurança, além de subordinar o exame da legitimidade do direito à especial observância dos critérios de validez formal que presidem a produção das normas jurídicas.

A EMERGÊNCIA DO PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO: O NOVO

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