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O JUSNATURALISMO E AS VARIAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A JUSTIÇA: O DIREITO NATURAL COMO DIREITO JUSTO

2.3 JUSNATURALISMO TEOLÓGICO

Segundo Paulo Nader6, o jusnaturalismo teológico se consolida enquanto doutrina

jusfilosófica na Idade Média, sob a decisiva influência do cristianismo. A doutrina cristã veio introduzir novas dimensões ao problema da justiça. Tratando-se de uma concepção religiosa de justiça, deve se dizer que a justiça humana é identificada como uma justiça transitória e sujeita ao poder temporal. Para o cristianismo, não é nela que reside necessariamente a verdade, mas na lei de Deus, que age de modo absoluto, eterno e imutável.

Com o advento do cristianismo, ocorreu uma verdadeira revolução da subjetividade, prevalecendo a atitude ou disposição de ser justo sobre a aspiração de ter uma idéia precisa de justiça. Continua esta, porém, a ser vista em um quadro superior de idéias, já agora subordinado a uma visão teológica, a partir do princípio de um Deus criador, do qual emana a harmonia do universo.

Na Idade Média, o jusnaturalismo apresentava um conteúdo teológico, pois os fundamentos do direito natural eram a inteligência e a vontade divina, pela vigência do credo religioso e o predomínio da fé. Os princípios imutáveis e universais do direito natural podiam ser sintetizados na fórmula segundo a qual o bem deve ser feito, daí advindo os deveres dos homens para consigo mesmos, para com os outros homens e para com Deus. As demais normas, construídas pelos legisladores, seriam aplicações destes princípios às contingências da vida, v.g, do princípio jusnatural de que o homem não deve lesar o próximo, decorreria a norma positivada que veda os atos ilícitos. Segundo o jusnaturalismo teológico, o fundamento dos direitos naturais seria a vontade de Deus: o direito positivo deveria estar em consonância com as exigências perenes e imutáveis da divindade.

Podem ser identificados dois grandes movimentos partidários do jusnaturalismo teológico: a patrística e a escolástica.

A patrística é o nome que se utiliza para designar o pensamento filosófico desenvolvido pelos Padres da Igreja Católica ou Santos Padres entre os séculos II e VI. Através de suas especulações filosóficas, procuraram explicar os dogmas da religião católica. Percebe-se, na patrística, que a filosofia apresenta-se como alicerce da teologia. Entre os Santos Padres, destacam-se Tertuliano, Latâncio, Santo Ambrósio, São João Crisóstomo e, principalmente, Santo Agostinho.

Santo Agostinho, indubitavelmente, é o maior expoente da patrística e um dos mais célebres pensadores de todas as épocas. As contribuições e formulações filosóficas agostinianas são vastas e relevantes. Inicialmente, trata de dois conceitos de Estado: o conceito helênico pagão que corresponde à civitas terrena, e o conceito cristão que corresponde à civitas caelestis. A primeira povoada por homens vivendo no mundo (Estado Pagão), a segunda composta por almas libertas do pecado e próximas de Deus. O homem deve procurar o estabelecimento da cidade celeste (submissão do Estado à Igreja).

A respeito da doutrina geral da lei, difere a lex aeterna da lex naturalis. Deus é o autor da lei eterna, enquanto a lei natural é a manifestação daquela no coração do homem. Portanto, a lei natural é a lei eterna transcrita na alma do homem, em razão do seu coração, também chamada lei íntima. A lei humana deve derivar da lei natural, do contrário não será autêntica. Preceito humano injusto não é a lei. O legislador deve procurar não só restringir tudo que perturbe a ordem das coisas, como também ordenar o que favoreça esta ordem. A lei humana tem por fim o governo dos homens, manter a paz entre eles. Enquanto a lei eterna e a natural se referem ao campo da moralidade. No que se refere à justiça, Santo Agostinho compartilha da definição de Cícero, segundo a qual a justiça é a tendência da alma de dar a cada um o que é seu.

Por sua vez, a escolástica tem seu início marcado pela anexação de Grécia e Roma por Carlos Magno ao Império Franco. Nessa época, a característica denunciante da genialidade dos homens transparecia pelo equilíbrio entre a razão e a fé, o qual fora alcançado por Santo Tomás de Aquino ao demonstrar que fé e razão são diferentes caminhos que levam ao verdadeiro conhecimento. Por seus

grandes trabalhos intelectuais, o Doutor Angélico foi considerado o maior pensador da doutrina escolástica.

Na Suma Teológica, ao tratar da justiça, Tomás de Aquino afirma que a mesma pode ser vista como uma virtude geral, uma vez que, tendo por objeto o bem comum, ordena a este os atos das outras virtudes. Como cabe à lei ordenar para o bem comum, tal justiça é chamada de justiça legal. Por meio dela, o homem se harmoniza com a lei que ordena os atos de todas as virtudes para o bem comum. Assim a justiça legal é na verdade uma virtude particular cujo objeto próprio é o bem comum. Todavia, comanda todas as outras virtudes, sendo denominada também de justiça geral.

Santo Tomás de Aquino admite uma diversidade de leis: a lei divina revelada ao homem, a lei humana, a lei eterna e a lei natural, contudo, não as considera como compartimentos estanques. A lei eterna é a razão oriunda do divino que coordena todo o universo, incluindo o homem. A natural, o reflexo da lei divina existente no homem. Afirma ele a necessidade da complementação desta pelas leis divina e humana, a fim de se conseguir a certeza jurídica e a paz social, bem como facilitar a interpretação dos juízes. Para Santo Tomás de Aquino, por ser a lei natural proveniente da eterna disposição divina, ela é soberana, participando, assim, do absoluto poder divino, não cabendo ao homem modificá-la, anulá-la, nem desconhecê-la.

Na visão tomista, divide-se ainda o direito natural em duas categorias. A primeira seria o direito natural estritamente dito, relacionado às exigências da natureza dos animais. A outra categoria pertenceria o direito das gentes, formado pelas normas de ação derivadas dos princípios da lei natural, conhecidos por todos os homens. Para ele, a ordem jurídica não deve restringir-se apenas a um conjunto de normas, visto que está fundado na virtude da justiça. Idealizava que um governo justo seria aquele no qual o soberano almeja o bem da comunidade.

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