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A doutrina estabelece algumas modalidades no que se refere à transferência de tecnologia. 24 A primeira diz respeito aos sujeitos da transferência: sendo estes pertencentes a um mesmo Estado, a transmissão será regida pelo direito interno. Entretanto, naqueles casos nos quais os sujeitos encontram-se sob a jurisdição de diferentes ordenamentos jurídicos poderá haver conflitos relacionados à lei aplicável ao contrato internacional, instrumento utilizado para regular o negócio jurídico.25

Quanto à capacidade tecnológica das partes, fala-se em transferência homogênea ou transferência heterogênea. Àquela cujos sujeitos possuem igual capacidade ou potencial tecnológico dá-se o nome de homogênea. Nos casos em que uma das partes possui um nível tecnológico notadamente inferior – normalmente o adquirente – classifica-se como heterogênea, comum em transferências de empresas

23 No item 2.3 serão apresentados cada um dos principais instrumentos jurídicos. 24 ASSAFIM, 2005. p.25-27.

25 A respeito dos conflitos relacionados à legislação aplicável a negócios jurídicos internacionais, existem no Direito internacional privado duas teorias antagônicas dedicadas ao tema: a monista e a dualista. Na teoria monista considera-se que o Direito Internacional e o Direito Interno são elementos de uma única ordem jurídica, e havendo apenas uma ordem, uma norma hierarquicamente superior regeria este ordenamento único. Já o dualismo preceitua a existência de duas ordens distintas, não comunicáveis, a interna e a externa. O Direito Interno representaria a vontade soberana do Estado, ao passo que o Direito Internacional teria como base a acomodação de tais vontades. Como conseqüência, a norma internacional somente poderia ser incorporada à vida interna quando da incorporação ao Direito Nacional. De acordo com Antônio Trovão: “O monismo e dualismo são duas correntes doutrinárias que têm por objetivo explicar a prevalência do Direito Interno (aquele constituído pelo conjunto normativo vigente dentro dos limites territoriais de um determinado Estado) ou do Direito Internacional (composto por convenções e tratados entronizados por mediação entre dois ou mais Estados independentes com vistas a surtir o efeito jurídico almejado para ambos), quando da ocorrência de conflito normativo entre as duas esferas de atuação.” TROVÃO, Antônio de Jesus. Teorias

monista e dualista em Direito Internacional. Disponível em: <http://www.boletimjuridico

de países industrializados para empresas de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento26.

A transferência será bilateral quando as partes são, simultaneamente, adquirentes e concedentes de tecnologias. Unilateral, por sua vez, será aquela na qual um sujeito concede e o outro adquire a tecnologia.27

Poderá falar-se também em transferência pública, mista ou privada de tecnologia, conforme a natureza jurídica dos sujeitos. A pública envolverá partes (órgãos, entidades) de Direito público. Na mista, apenas uma das partes será uma instituição pública, enquanto que na privada, ambos serão particulares regidos pelo Direito privado.28

No que diz respeito à decisão por transferir ou adquirir uma tecnologia, seja no ambiente empresarial ou científico, diversas são as variáveis normalmente consideradas. A tabela abaixo apresenta um comparativo entre algumas questões geralmente levadas em consideração por cada uma das partes no momento de avaliar a aquisição ou transferência de uma tecnologia:

Quadro 1: Comparativo entre as variáveis observadas pelo adquirente e pelo detentor de uma tecnologia para a realização de uma transferência29.

Adquirente/Receptor Detentor/Cedente

Os recursos financeiros necessários para desenvolver a tecnologia desejada;

Os ganhos financeiros obtidos com a transferência da tecnologia; O custo/benefício entre o desenvolvimento e a aquisição; A possibilidade de fortalecimento de um concorrente ou novo entrante no mercado;

Os direitos de propriedade intelectual envolvidos (como no caso de tecnologias protegidas por patente);

A capacidade de exploração da tecnologia e o custo da manutenção deste monopólio; A disponibilidade de recursos

humanos aptos ao desenvolvimento;

A capacidade de o adquirente desenvolvê-la por seus próprios meios;

O tempo necessário para desenvolver a tecnologia;

A probabilidade do surgimento de tecnologias mais avançadas no curto prazo;

26 ASSAFIM, 2005. p.25-27. 27 Id.

28 Id.

O grau de maturidade da tecnologia e o período necessário para absorvê-la;

O prazo de obsolescência da tecnologia a ser transferida; A estratégia tecnológica da empresa,

isto é, buscar novas tecnologias ou seguir as já existentes.

A probabilidade de o adquirente desenvolver melhorias ou tecnologias superiores à transferida;

Neste sentido, João Assafim leciona quanto aos benefícios que podem ser advindos da transferência de tecnologia, tanto para o concedente como para o adquirente:

Para o receptor ou adquirente, se destacam como principais benefícios: a) adquirir tecnologia que lhe permita uma melhor posição de competitividade no mercado; b) atrair, para si, uma clientela gerada pela própria tecnologia adquirida; c) complementar seus próprios programas de desenvolvimento. Para o concedente, os benefícios da transferência de tecnologia podem ser, entre outros: a) receber direitos (royalties) pela tecnologia transferida; b) utilizar-se de melhoramentos feitos pelo adquirente; c) entrar em mercados sem correr riscos; d) obter rentabilidade por uma tecnologia já não explorada, etc.30

Uma análise correta de todas estas variáveis pode levar ao sucesso ou fracasso de uma empresa, universidade ou instituição de pesquisa.31 Por esse motivo, é cada vez mais comum o surgimento de

30 ASSAFIM, 2005. p.25.

31 A multinacional Kodak, de origem norte-americana e fundada há 131 anos, ingressou com pedido de recuperação judicial em janeiro de 2011 nos Estados Unidos. A empresa chegou a empregar mais de 60 mil pessoas, e em 15 anos o seu valor de mercado passou de 31 bilhões de dólares, para 150 milhões de reais. A ação da empresa, que chegou a ser cotada a noventa dólares em 1997, hoje é negociada a cinquenta centavos de dólar. A Kodak lançou em 1888 (ano da abolição da escravatura no Brasil) a primeira câmera fotográfica de mão do mundo e os filmes de rolo, sendo durante décadas a líder mundial no segmento. No ano de 1969, o astronauta Neil Armstrong usou uma máquina fotográfica Kodak, do tamanho de uma caixa de sapatos, para registrar fotos da lua. Com o lançamento da máquina digital nos anos 70, a empresa decidiu não apostar no segmento, uma vez que poderia prejudicar suas vendas de filme e papel, os dois pilares da empresa. A decisão tecnológica não se mostrou acertada, e mesmo havendo desenvolvido suas próprias máquinas fotográficas digitais, não conseguiu acompanhar as concorrentes Sony, Olympus e Fuji, que fabricavam câmeras muito menores. Fonte: O GLOBO. Kodak pede à Justiça proteção contra falência. Disponível em:

departamentos de inteligência, centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e setores de novos negócios nas empresas, mesmo nos mercados mais tradicionais, a fim de lidar corretamente com estas questões.32 Igualmente, os institutos de pesquisa e as universidades cada vez mais adotam estratégias tecnológicas, aprofundam seus investimentos nas áreas nas quais possuem maior competência e concentram suas negociações nos Núcleos de Inovação33 Tecnológica (NITs).34

Tais preocupações também estão diretamente ligadas à proteção das tecnologias e aos instrumentos jurídicos a ela relacionados, tratados no item a seguir.