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3. AS MODALIDADES DE CONTRATOS DE TRANSFERÊNCIA

3.3 OS CONTRATOS DE LICENÇA DE DIREITOS DE PROPRIEDADE

3.3.4 O Contrato de Licença de Topografia de Circuitos

Considerando a importância hoje atribuída aos circuitos integrados para o avanço da tecnologia mundial, haja vista sua aplicação quase irrestrita na indústria, de carros a videogames, computadores a aparelhos médicos e aviões, a proteção destes objetos passaram a suscitar fortes interesses, especialmente nos Estados Unidos, país pioneiro nessa tecnologia166.

Segundo Denis Borges Barbosa,

um circuito integrado (o microchip) é um aparelhinho com um circuito eletrônico completo, funcionando como transistores, resistências e suas interconexões, fabricado em uma peça de material semicondutor, como o silício, germânio ou arsenídio de gálio, folheados em wafers de 8 ou 12 camadas. Alguns circuitos integrados são usados como memória (as RAMs, ROMs, EPROMs); outros são utilizados como processadores realizando funções lógicas e matemáticas em um computador.167

A complexidade e o investimento necessários para desenvolver um microchip são os grandes responsáveis pelo sistema sui generis criado internacionalmente para sua proteção. Em 1983, quando pela primeira vez o Congresso norte-americano discutiu a elaboração de uma lei de proteção aos circuitos integrados o principal argumento utilizado foi que “para fazer um chip são necessários anos de pesquisa e até cem milhões de dólares de investimentos; mas em poucos meses é possível copiá-lo por cerca de US$ 50 mil”.168

Naquele momento, ante o enquadramento do circuito integrado sob a proteção de patentes ou direito de autor, o Congresso conclui que

165 Id. Desse modo, sabendo-se que o contrato de licença de uso de marca muitas vezes está associado a negociações que envolvem a transferência de tecnologia, optou-se por incluí-los nesse rol de contratos, em consonância com o INPI, que tem o mesmo entendimento. 166 ASSAFIM, 2005. p.233.

167 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. op.cit. p.548. 168 Ibid. p.549.

“o novo objeto não satisfazia quase nunca os requisitos mínimos de patenteabilidade como invenção.” Além disso, não cabia a proteção sob sigilo ou segredo industrial, porque “a tecnologia valiosa - o desenho do circuito integrado – é absolutamente aparente no seu wafer de silicone”. Por fim, e “segundo a tradição jurídica norteamericana, não haveria como recorrer ao direito autoral porque os circuitos integrados são objetos tangíveis úteis, sem nenhuma característica estética”.169

Com isso, decidiu-se por inaugurar um novo sistema de proteção, a partir da promulgação do Semiconductor Chi Protection Act of 1984. Neste,

A lei americana protege o traçado original de um semicondutor, este definido como a forma intermediária ou final de qualquer produto que tenha duas ou mais capas de material metálico, isolante ou semicondutor, depositado ou de outra forma gravado ou de outra forma removido a partir de um pedaço de material semicondutor, de acordo com um modelo pré-fabricado, destinado a cumprir uma função de circuito eletrônico.170

Portanto, a nova lei estadunidense passa a proteger por dez anos os traçados originais dos circuitos, não conhecidos na indústria, mas não a ideia ou os conceitos a eles aplicados.

Outra inovação trazida pela lei americana residia no fato de, pela primeira vez, admitir-se o direito à engenharia reversa. Ou seja, não haveria qualquer ilicitude em analisar e desmontar um circuito integrado com o objetivo de construir um novo, desde que não fosse uma cópia. Este novo produto seria, inclusive, passível de proteção autônoma.171

Um dos pontos mais importantes foi haver previsto o mecanismo de reciprocidade da lei, que garantia proteção nos Estados Unidos “às criações de nacionais de países que tivessem notificado sua intenção de vir a dispor de lei equivalente”. Devido a isso, de imediato a Austrália, o Canadá, a Suécia, a Finlândia, a Suíça e a então Comunidade Econômica Europeia passaram a se beneficiar do novo direito. A esta lei, seguiram-se outras no Japão, em 1986, e em seguida na França, Inglaterra, Alemanha, Holanda e Dinamarca.172

A preocupação justificava-se: 169 Ibid. p.550. 170 Ibid. p.549. 171 Ibid. p.552. 172 Ibid. p.550.

De 1959 até 1981, a produção de circuitos integrados era exclusividade americana; a indústria desenvolvia-se bem e não pensava em propriedade intelectual. A entrada da indústria japonesa no mercado revolucionou as perspectivas do crescimento da oferta e inverteu a liderança de comercialização: em 1986, 47% do mercado mundial eram japoneses e 39%, americanos.173

Diante dessa realidade, a OMPI passou a estudar a topografia de circuitos integrados em 1983, o que levou à elaboração de uma minuta de tratado internacional em 1985 e ao texto final, de 1989. No entanto, os Estados Unidos e o Japão votaram contra a proposta, ao contrário do Brasil, que esteve a favor. Diante desse impasse, o tratado permanece em regime de espera do número mínimo de ratificações para entrar em vigor.174

Com o aumento da importância da indústria de semicondutores no mundo, e o acirramento da concorrência entre os países detentores de tecnologia avançada, inclui-se no TRIPS, uma larga seção sobre a proteção da topografia dos circuitos integrados.175

No Brasil, o legislador também decidiu por instituir uma proteção sui generis, conforme a qual o registro da topografia de circuitos integrados cabe ao INPI, que o concederá desde que: a) se trate de uma topografia original; b) resulte do esforço do seu criador e; c) que não seja comum ou vulgar aos olhos de especialistas na tecnologia.176

Estas disposições foram previstas na Medida Provisória nº. 352, de 22 de janeiro de 2007, que em seguida, foi convertida na Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007, ou seja, promulgada vinte e quatro anos após a lei norte-americana.177

Parte da doutrina critica o encaminhamento dado pela nova lei, que atribui ao INPI somente a competência registral (artigo 30 da Lei),

173 Ibid. p.549. 174 Ibid. p.552. 175 Ibid. p.555-556. 176 Ibid. p.557

177 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 11.484, de 31 de maio de 2007. Dispõe sobre os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos semicondutores e sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados, instituindo o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores – PADIS e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital. Diário Oficial [da República

sem exame de substância ou conteúdo. Por esse motivo, alguns indicaram que a submissão ao direito autoral, cujo direito independe de registro, poderia ter sido um melhor caminho. 178

De qualquer modo, a lei institui uma proteção válida por dez anos e define os conceitos de circuito integrado e topografia de circuitos integrados:

Art. 26. Para os fins deste Capítulo, adotam-se as seguintes definições:

I - circuito integrado significa um produto, em forma final ou intermediária, com elementos, dos quais pelo menos um seja ativo, e com algumas ou todas as interconexões integralmente formadas sobre uma peça de material ou em seu interior e cuja finalidade seja desempenhar uma função eletrônica.

II - topografia de circuitos integrados significa uma série de imagens relacionadas, construídas ou codificadas sob qualquer meio ou forma, que represente a configuração tridimensional das camadas que compõem um circuito integrado, e na qual cada imagem represente, no todo ou em parte, a disposição geométrica ou arranjos da superfície do circuito integrado em qualquer estágio de sua concepção ou manufatura.

Em regime idêntico ao das patentes, o art. 44 da lei prevê que “o titular do registro de topografia de circuito integrado poderá celebrar contrato de licença para exploração”, pelo qual o licenciado também passa a ter legitimidade para agir em defesa do registro, desde que o contrato não disponha em contrário.

As demais questões relativas ao sublicenciamento, exclusividade da licença, obrigações das partes e remuneração aplicam- se igualmente ao regime dos demais direitos da propriedade industrial.

Da mesma forma, a nova lei prevê em seus artigos 48 a 50 a possibilidade do licenciamento compulsório: “para assegurar a livre concorrência ou prevenir abusos de direito ou de poder econômico pelo

178 BARBOSA, Denis Borges. Breves comentários à Lei n 11.484, de 31 de maio de 2007,

que introduz proteção exclusiva relativa à Topografia de Circuitos Integrados. Disponível

em: <http://denisbarbosa.addr.com/Circuitos%20Integrados.pdf> Acesso em: 18 de novembro de 2011.

titular do direito, inclusive o não atendimento do mercado quanto a preço, quantidade ou qualidade.”

Por fim, uma novidade é prevista pelo art. 47, que permite ao Poder Público “fazer uso público não comercial das topografias protegidas, diretamente ou mediante contratação ou autorização a terceiros (...)”. Segundo a doutrina, este dispositivo permite o uso público do objeto protegido sem necessidade do procedimento de licença compulsória, senão mediante uma simples notificação. Nesse caso, estabelece-se que o uso não poderá ser comercial e que ao titular é assegurado o pagamento de royalties.

A Lei nº 11.484, mais do que disciplinar a matéria da topografia dos circuitos integrados no Brasil, tem como objetivo impulsionar o desenvolvimento desta indústria no país, e para isso, adotou uma série de medidas de incentivo fiscal. Ademais,

as principais ações tomadas pelo Brasil para sua inserção no mercado de produção de semicondutores estão vinculadas ao CEITEC (Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação destinado a pesquisas de chips, e que pretende produzir semicondutores para uso em nichos específicos e fabricar chips baseados em projetos desenvolvidos no país; e à HT Micron, joint venture entre a sul-coreana Hana Micron e a gaúcha Atlus que pretende iniciar em 2012 a produção de semicondutores no Brasil.179

O interesse brasileiro justifica-se pelos números dessa indústria. Segundo uma pesquisa norte-americana, a indústria mundial de semicondutores movimentou 295 bilhões de dólares em 2010, contra 220 bilhões em 2009. Destes, 4,4 bilhões de dólares representam somente a importação realizada pelo Brasil, que cresceu 33% quando comparada ao ano anterior.180

Dados como estes demonstram o desafio dos principais países do mundo em desenvolver ou absorver novas tecnologias e, consequentemente, a importância da proteção e do estudo das

179 MERCADO BRASIL. Enquanto Brasil tenta inserção, mercado de semicondutores

prevê expansão, aponta pesquisa da KPMG. Disponível em: <http://www.revistamercado

brasil.com.br/economia/827-enquanto-brasil-tenta-insercao-mercado-de-semicondutores-preve- expansao-aponta-pesquisa-da-kpmg> Acesso em: 20 de novembro de 2011.

modalidades de transferência destas tecnologias. Esforços como o realizado pelo Brasil para atrair empresas internacionais, capacitar recursos humanos no país, adquirir tecnologia estrangeira e desenvolver uma própria requer, inevitavelmente, a utilização de diversos instrumentos aqui tratados, como a licença de patentes, a prestação de serviços de assistência técnica, a parceria para PD&I, a transmissão de know-how e diversas outras, como a licença de programas de computadores, tratada no próximo item.

3.3.5 O Contrato de Licença de Programas de Computadores