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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.5 AS NOÇÕES DE LÍNGUA, LINGUAGEM E FALA NA LINGUÍSTICA

Ferdinand de Saussure, estudioso suíço do início do século XX, foi quem instituiu a linguística no campo das ciências e definiu o objeto de estudo dessa ciência, a língua. “Mas o que é a língua?” (SAUSSURE, 2006, p. 17). Essa é uma das perguntas que o linguista se propõe a esclarecer.

Saussure tornou-se reconhecido, principalmente, por ocasião da publicação do Curso de Lingüística Geral (1916), obra póstuma organizada por seus colegas de ensino, Charles Bally e Albert Sechehaye, com base em anotações feitas por alunos de Saussure durante seus cursos em Genebra.

Para Saussure (2006), a língua é um sistema de signos. Esse sistema é abstrato e relativamente estável. Segundo destaca o mestre genebrino, a língua não é uma nomenclatura na qual cada “nome” se une a um “objeto”, pois considera que o objeto não preexiste, “é o ponto de vista que cria o objeto” (SAUSSURE, 2006, p. 15). De acordo com o autor (2006, p. 21), a língua é “um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade”. Vista dessa forma, a língua é passível de ser estudada e aprendida.

Saussure (2006) define signo como a relação entre um significante (uma imagem acústica ou um grafema) e um significado (um conceito) e entende que esta relação é arbitrária, isto é, não existe um laço natural entre o significante e o significado. Trata-se apenas de uma convenção. O conceito de “pé”, por exemplo, poderia ser representado por outra imagem acústica qualquer que não a sequência de sons [p] e [Ɛ]. Isso explica a diferença que há entre as línguas.

Assim, não é o usuário da língua quem escolhe o significante e o significado de um signo, pois tanto um quanto o outro são impostos pela sua comunidade linguística. A associação que esse usuário faz entre a imagem acústica (o significante) e a representação psíquica (o significado) é fruto da aprendizagem.

Cada signo, conforme esclarece Saussure (2006), só tem valor se relacionado a outros signos. Essa relação se dá em dois eixos: o sintagmático ou horizontal e o paradigmático ou vertical. No eixo sintagmático, a relação é de linearidade, isto é, na cadeia da fala, o valor de um determinado signo se constitui pelas diferenças entre ele e o signo que o sucede, ou o que o precede, ou ambos. No eixo paradigmático, a relação é de associação, ou seja, o valor de um signo se constitui pela relação deste com outros signos dentro do sistema (intralinguístico). Essa relação existe in absentia. Enfim, para Saussure (2006), um signo é aquilo que os outros não são, num princípio de solidariedade entre as partes do todo.

O conceito ou o significado de um determinado signo não é uma ideia dada a priori, visto que antes da língua ou sem o recurso dos signos nosso pensamento é somente “uma massa amorfa e indistinta” (SAUSSURE, 2006, p. 130). O significado é estabelecido quando definimos o recorte na massa amorfa do pensamento. O mesmo ocorre com o significante, isto é, ao delimitamos o recorte na massa amorfa fônica, estabelecemos o significante. Esses argumentos explicariam as diferenças entre as línguas: cada comunidade linguística faz recortes na massa amorfa do pensamento e na massa amorfa fônica a sua maneira, ou seja, por convenção.

Conforme já mencionado, a língua, na visão saussuriana, é um legado histórico, um contrato social. É, assim, uma entidade puramente abstrata e exterior ao homem. O indivíduo por si só não pode criá-la nem modificá-la. Segundo Saussure, a língua “É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (SAUSSURE, 2006, p.17).

Nessa concepção, a língua pode ser adquirida ou aprendida, pois “é o produto que o indivíduo registra passivamente”, segundo Saussure (2006, p. 22). Por isso, para conhecer-lhe o funcionamento, ou seja, as normas, o indivíduo tem necessidade de aprendê-la. Já a linguagem, na visão de Saussure, é a faculdade, inata ao ser humano, de usar a língua. Não é passível de ser estudada pela linguística, pois ela tem, além do lado social, o lado individual, ou seja, é a fusão da língua, que é social, e da fala, que é individual. A linguagem é, portanto, heterogênea.

As ideias de Saussure sobre língua e linguagem são assim expressas:

Mas, o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de

diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade. A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classificação. Desde que lhe demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação. (SAUSSURE, 2006, p. 17)

Saussure também define fala. Para ele, a fala é um “ato individual de vontade e inteligência” (SAUSSURE, 2006, p. 22) e, por isso, ilimitada. Ela é a concretização da língua. A fala “é necessária para que a língua se estabeleça”; é ela “que faz evoluir a língua” (2006, p. 27).

Embora Saussure, no intuito de instaurar a linguística como ciência, tenha definido a língua como seu objeto de estudo, ele não desconsidera a importância dos estudos da fala. Explica, entretanto, que “Cumpre escolher entre dois caminhos impossíveis de trilhar ao mesmo tempo” (SAUSSURE, 2006, p. 28) e, então, opta por estudar a língua.

Do legado dos estudos de Saussure e da pertinência de suas ideias, novas teorias foram produzidas. Conceitos saussurianos foram modificados, ampliados e ressignificados. Émile Benveniste é um dentre vários teóricos que, a partir da leitura que faz do Curso de Linguística Geral, resgata ideias de seu mestre e busca superá-lo conforme ele próprio afirma nos textos A forma e o sentido na linguagem (1966) e Semiologia da língua (1969):

Compete-nos tentar ir além do ponto a que Saussure chegou na análise da língua como sistema significante. (BENVENISTE, 2006, p. 224)

[...] é necessário ultrapassar a noção saussuriana do signo como princípio único, do qual dependeria simultaneamente a estrutura e o funcionamento da língua. (BENVENISTE, 2006, p. 67)

Visto que a teoria enunciativa de Benveniste constitui um dos aportes de nosso trabalho, passamos agora a abordar alguns aspectos dessa teoria que consideramos relevantes para a investigação a que nos propomos, isto é, como é e como docentes e discentes consideram que deva ser a enunciação oral do professor de língua estrangeira.