• Nenhum resultado encontrado

As ONGs e o seu papel no combate à exclusão digital

7.5 A disponibilização de serviços públicos na Internet e a construção da cidadania

7.5.3 As ONGs e o seu papel no combate à exclusão digital

Um dos aspectos que mais tem preocupado os especialistas que estudam a SI é a possibilidade de, na nova sociedade, a falta de acesso igualitário às TICs agravar as diferenças entre os mais ricos e os mais pobres. E essa possibilidade fica evidente quando verificamos que aproximadamente 87% das pessoas com acesso à Internet são de países desenvolvidos – mais da metade dos americanos têm acesso à Internet, contra apenas 0,1% dos nigerianos (NORRIS 2001, apud Oliveira, Cunha & Santos, 2003, p.15). Percebemos a gravidade do problema com clareza quando aprofundamos na análise de Oliveira, Cunha & Santos:

Quanto mais desenvolvimento econômico existe, mais facilidade de acesso haverá e, num movimento recursivo, esta facilidade de acesso gera ainda mais desenvolvimento, enquanto o outro extremo se distancia ainda mais. A falta de recursos impossibilitando o acesso e este gerando uma dificuldade ainda maior de desenvolvimento (Oliveira, Cunha & Santos, 2003, p. 5).

No caso brasileiro, a situação também é preocupante. O número de pessoas com acesso às novas tecnologias ainda é muito pequeno quando comparado com a população total. O processo de inclusão dessas pessoas é complexo e envolve ações coordenadas entre o governo e a sociedade organizada, além do aporte de grande volume de recursos financeiros, o que depende de um bom desempenho da economia. Tudo indica que o cerne do problema é a má distribuição de renda, o que vem ocorrendo desde a colonização, e que se tem acentuado nos últimos anos. Segundo a revista Carta Capital26, a renda dos brasileiros 10% mais ricos correspondia, em 2003, a 45,3% do PIB. A situação

26

Edição número 285, Ano X, de 7 de abril de 2004. Disponível em:< http://cartacapital.terra.com.br/site/index_frame.php.>.Acesso em: 15 maio 2004.

piora ainda mais quando são incorporados dados patrimoniais. Nesse cálculo, os mesmos 10% respondem por 75,4% da riqueza nacional. Neri (2003) também defende o ponto de vista que, no Brasil, a questão principal está na má distribuição de renda.

O problema das políticas sociais brasileiras não é a carência de recursos, ou de capacidade de mobilização dos mesmos. Mais de 80% da população mundial vive em países cujas rendas per capita são inferiores à brasileira. A carga tributária e o volume de gastos sociais brasileiros, 33% e 21% do PIB respectivamente, nos coloca em posição de liderança na América Latina. Entretanto, todo este esforço fiscal/social deixará poucas marcas nas condições de vida dos pobres. A maior parte das políticas adotadas não mira nos desvalidos; aquelas que miram não acertam o alvo, ou quando acertam, não proporcionam efeitos duradouros em suas vidas. Em suma, a dificuldade está na qualidade das ações sociais (NERI, 2003, p. 14).

De qualquer modo, o quadro não é animador. Em 2003, a União Internacional de Telecomunicações (ITU) publicou um estudo mostrando o Índice de Acesso Digital (DAI) que analisou a situação em 178 países. O estudo classificou os países em quatro grupos – acesso avançado, alto, médio e baixo –, de acordo com as notas (variando de 0 a 1,00) obtidas nos seguintes fatores: a disponibilidade de infra-estrutura, o poder aquisitivo do usuário, o nível educacional do usuário, a qualidade dos serviços e o uso efetivo da Internet.

O Brasil obteve a 65ª posição, com 0,50, e ficou enquadrado no grupo de países de alto acesso digital, embora tenha sido o último do grupo. Os dados para a pesquisa da ITU foram obtidos na Anatel, IBGE, Ibope, provedores de Internet e empresas de telecomunicações, além do banco de dados da ITU.

Analisando com maiores detalhes a situação brasileira, é possível concluir que a participação dos estados brasileiros na composição do índice foi diretamente proporcional à situação econômica. O resultado desse estudo está muito próximo de estudos de outros pesquisadores brasileiros. Apenas o Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul superaram a média nacional (ver Figura 2).

Figura 2 – Participação das UFs na composição do DAI brasileiro

Fonte: ITU (2004).

Outra análise que pode ser feita é a comparação entre o DAI, o Mapa da Exclusão Digital e o Atlas da Exclusão Social no Brasil.

O Mapa da Exclusão Digital, estudo publicado em abril de 2003, sob a coordenação do pesquisador Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com o CDI, busca estabelecer uma plataforma para análise de ações de inclusão digital que permitam balizar ações estratégicas por parte de instituições da sociedade civil e dos diversos níveis de governo. Foram utilizados dados do IBGE (como os da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios, Censo Demográfico, Pesquisa de Padrões de Vida, Pesquisa de Condições de Vida, Pesquisa de Orçamentos Familiares e Suplemento da Pesquisa Mensal do Emprego). Também foram utilizados dados do Ministério do Trabalho, da Educação, das Comunicações e dados da Anatel. O estudo traz um ranking de 5.084 municípios considerando o índice de inclusão digital de cada um. Alguns municípios não foram incluídos no estudo pelo fato de seus dados sobre acesso a computadores não constarem no banco de dados do IBGE. O estudo concluiu que os piores índices são encontrados nos municípios das regiões Norte e Nordeste,especialmente nos estados mais pobres ou naqueles onde a ocupação é mais recente.

Na Figura 4, é possível verificar as “manchas” da exclusão social no Brasil e, na Figura 3, os índices de exclusão digital.

Figura 3 – Mapa da Exclusão Digital

Fonte: Neri (2003).

O estudo de Neri mostra que as regiões mais excluídas digitalmente são os Estados das Regiões Norte e Nordeste e Centro-Oeste. Pequenas “ilhas de inclusão” são encontradas nessas regiões, representadas pelas capitais dos Estados e por algumas cidades mais desenvolvidas. Uma exceção à regra é o Distrito Federal, que, apesar de estar localizado na Região Centro-Oeste, possui o mais alto índice de inclusão digital do País.

Da mesma forma que na pesquisa de Neri (2003), os Estados que compõem as regiões com alto índice de exclusão digital, na pesquisa da ITU receberam o DAI abaixo da média nacional e

ainda foram identificados no Atlas da Exclusão Social (ver Figura 4) como as áreas com os mais baixos índices de inclusão social do País (0 a 0,4).

Para resumir, nos três estudos, as áreas de exclusão digital coincidem, de forma geral, com as áreas de exclusão social.

Figura 4 – Manchas extremas da exclusão social no Brasil

Fonte: Pochmann & Amorim (2003)