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A universalização dos serviços públicos para o cidadão brasileiro é assunto relativamente novo, tanto no meio acadêmico quanto fora dele. O aumento das discussões ocorreu por ocasião do lançamento do Livro Verde do PSI, provavelmente por ter sido incluído nesse livro um capítulo denominado “Universalização de serviços para a cidadania”, no qual se discutia a sua relevância para a sociedade. Apesar da repercussão do lançamento do Livro Verde, decorridos três anos não localizamos

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nenhum trabalho, acadêmico ou não, que tratasse especificamente desse assunto. Já nas décadas de 70 e 80, falou-se de universalização da educação fundamental e, nas décadas seguintes, de universalização do serviço de energia elétrica e das comunicações. Com a quebra do monopólio das telecomunicações no Brasil e a conseqüente privatização das empresas da holding Telebras, o governo brasileiro criou uma agência reguladora para o setor, a Anatel. A Agência, por força de lei, instituiu metas de universalização a serem atingidas pelas empresas operadoras de serviços de telecomunicações. Essas metas foram definidas apenas para a telefonia fixa, deixando de lado o acesso à Internet, por ter sido considerado um serviço de valor agregado.

De acordo com os objetivos de nossa pesquisa, destacaremos, quanto a esse aspecto, os trabalhos de Aguillar (1999), Botelho (2001), Tavares (2001) e Bigliassi (2002). Tavares (2001), em sua dissertação de mestrado, investiga o processo de implantação de serviços de infra-estrutura de telecomunicações e examina os instrumentos de políticas de telecomunicações, as formas de contrato social para exploração e expansão das redes de serviços, assim como os espaços institucionais de regulação. Analisa também os impactos sociais (exclusão digital) dos princípios que estão regendo a oferta dos serviços de telecomunicações provenientes das mudanças relacionadas com a nova política de telecomunicações.

Botelho (2001) comenta, artigo por artigo, tanto a Lei n° 9.998/2000, quanto a sua regulamentação. O mesmo autor destaca, ainda, a relevância dada ao assunto pelo governo Fernando Henrique Cardoso quando sancionou a lei, em 17 de agosto de 2000, ao criar o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e regulamentá-lo. Além da tramitação rápida, da cobertura da mídia e do montante bilionário, Botelho observa que, naquela época, foi anunciada também a fonte dos recursos.

Cabe aqui uma ressalva importante. Segundo Botelho (2001), apesar de a lei do Fust ter sido sancionada em 2000, isso só se tornou possível porque a Constituição de 1988, em seu art. 149, delegou competência exclusiva à União Federal para instituir esse tipo de contribuição. Botelho reconhece ainda que, se a lei do Fust fosse bem aplicada, poderia realmente alavancar a universalização

dos serviços de telecomunicações no Brasil. No entanto, esse autor critica a redação dos arts. 62, 63 e 67, da Lei n° 9.472/97, pois, segundo ele, ao fazer distinção de serviços de interesse coletivo e de interesse restrito, a lei desobriga, das metas de universalização e da continuidade dos serviços, as prestadoras de serviços de telecomunicações exploradas no regime privado (concessionárias/ permissionárias devem universalizar e contribuir para o Fust, e autorizatárias devem apenas contribuir para o Fust), contrariando, assim, a igualdade preconizada nos arts. 5°, caput, 21, XI, e 37, XXI, da Constituição Federal.

Botelho também lembra da obrigação Constitucional de o Estado brasileiro prestar serviços públicos e traz a seguinte definição dos mesmos: “Um dever público imposto ao Estado, que deverá realizá-lo através da condução do processo de generalização dos serviços de telecomunicações, cuja pré-delimitação deverá ser feita segundo previsão fixada em plano programático” (BOTELHO, 2001, p. 52).

O plano programático referenciado por Botelho é o atual Plano Geral de Metas de Universalização dos Serviços de Telecomunicações que tem sido executado pela Anatel, para cumprir, dentre outras, as obrigações previstas no art. 79 da Lei n° 9.472/97, que assim dispõe: “A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviços no regime público”. E no parágrafo 1° da mesma lei:

Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público ao serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público (BOTELHO, 2001, p. 55). Bigliassi (2002) analisa a natureza do regime jurídico do serviço de provimento de acesso à Internet prestado pelo poder público por meio das iniciativas de e-gov. Segundo o autor, o surgimento dos primeiros conceitos de serviço público está relacionado com os “serviços ao rei”, existentes à época da Revolução Francesa.

Posteriormente, prossegue Bigliassi, o termo serviço público surge no “Contrato Social” de Jean Jacques Rousseau, porém com um significado um pouco diferente do que se tem hoje

(significava toda e qualquer atividade estatal). Após a Revolução Francesa, o Estado assumiu várias atividades anteriormente exercidas pela Igreja e por outras instituições, o que colocou em evidência o conceito de serviço público. Bigliassi (2002) identificou, dentro da doutrina da Escola do Interesse Público, duas correntes: a de León Duguit e a de Gaston Jèze.

Para Duguit e seus seguidores, o Estado é a reunião de serviços públicos organizados e controlados por governantes. Já Gaston Jèze visualiza serviço público com a idéia de prestação de um serviço em regime de direito público. Assim, Jèze defende uma subdivisão dos tipos de serviço público em três correntes:

(i) a Subjetiva, que prioriza a pessoa jurídica prestadora do serviço público. Para a Subjetiva, serviço público seria aquele prestado pelo Estado;

(ii) a Material, que evidencia a atividade exercida, ou seja, toda atividade que tem por objeto a satisfação das necessidades coletivas pode ser considerada serviço público;

(iii) a Formal, que evidencia o regime jurídico, considerando como serviço público as atividades que são exercidas sob o regime de direito público (GROTTI, 2000, p. 42, apud BIGLIASSI, 2002).

Devido às grandes transformações da estrutura estatal ocorridas nos últimos anos, o estudo sobre os serviços públicos têm ganhado importância. A primeira mudança na forma de prestar serviços públicos veio com o Estado social, em que ele era o grande provedor desses serviços. Posteriormente, com as privatizações e a diminuição da sua participação na economia, o Estado passou a entregar à sociedade parte dos serviços anteriormente prestados (em regime de monopólio), surgindo daí a necessidade das agências reguladoras em diversos setores.

Para Giannini (1993), os serviços públicos, de acordo com sua natureza, podem ser classificados em serviços públicos nos sentidos objetivo ou subjetivo. No primeiro caso, enquadram-se aqueles serviços que são de interesse de toda a coletividade; e no segundo, todos aqueles serviços prestados pela autoridade pública em virtude de lei ou por assunção voluntária.

Bigliassi (2002) defende que o governo eletrônico serviço de atendimento ao cidadão (Gesac), embora seja oferecido em um ambiente virtual, e não em balcão tradicional de uma repartição pública, pode ser considerado serviço público tanto do ponto de vista objetivo quanto do subjetivo (Giannini, 1993). O autor vai além e defende ainda que, em caso de o governo oferecer o serviço de provimento à Internet para o Gesac, esse serviço também pode ter o mesmo enquadramento, apesar do dispositivo infraconstitucional contrário.

Para diversos autores, entre eles Giannini (1993), Tácito (1997) e Aguillar (1999), a tarefa de definir serviço público é muito difícil. Tácito chega a afirmar que não existe um conceito apriorístico de serviço público. Aguillar (1999) deixa claro que as contribuições doutrinárias para elaboração de um conceito para serviço público têm apenas caráter didático e que seria inútil, do ponto de vista jurídico, sua conceituação, pelo menos enquanto perdurar a atual sistemática Constitucional, segundo a qual os serviços públicos são aqueles definidos na Constituição atual, ou aqueles inseridos nela por Emenda Constitucional.

Esse mesmo autor explica que, além de a dificuldade da definição de serviço público estar diretamente relacionada aos serviços expressos na Constituição (e esses podem ser alterados), as definições existentes estão vinculadas a determinadas escolas do pensamento jurídico e que, em conseqüência, há dupla defasagem: a primeira, relacionada com a mutabilidade e pluralidade dos conceitos; a segunda, com a mutabilidade do próprio conceito, ou seja, “muda aquilo que é considerado serviço público ao longo do tempo e mudam os conceitos de serviço público ao longo do tempo” (Aguillar, 1999, p. 114). Ele propõe ainda uma reclassificação dos serviços públicos, em sentido lato sensu, em três grandes categorias: (i) funções públicas; (ii) serviços públicos em sentido estrito; (iii) atividades econômicas desempenhadas pelo Estado.