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AS ORIGENS DA REFLEXÃO SOBRE A LINGUAGEM EM BORGES

No documento Jorge Luis Borges: um crítico da linguagem (páginas 92-113)

Cuando en 1953 Emecé, mi editor actual, propuso publicar mis ‘obras

LEITURAS DE FILOSOFIA DA LINGUAGEM EM BORGES: ALGUNS RECORTES

2.1 AS ORIGENS DA REFLEXÃO SOBRE A LINGUAGEM EM BORGES

Já os pré-socráticos, aqueles que primeiramente se preocuparam em equiparar linguagem e razão para refletir sobre o universo (MORA, 2006, p.214), estão na obra borgeana. Numa rápida leitura de “La doctrina de los ciclos”, em Historia de la eternidad (1936), observa-se uma alusão a estes pensadores e entre eles aos discípulos de Pitágoras (570-497), que são justamente os iniciadores do extenso debate sobre o caráter natural ou artificial da linguagem. É com Pitágoras e seus seguidores que se começa a pensar com profundidade o parentesco existente entre as palavras e as coisas, bem como se tal vinculação repousa numa relação natural (nesta se encaixavam os pitagóricos) ou em uma ligação arbitrária. E é justamente da reflexão sobre essas vinculações, a da tese naturalista que vê uma relação direta e natural entre coisas e palavras e a da tese “convencionalista” que apoia a vinculação em um acordo ou pacto anterior, de onde surgem as primeiras incongruências ou preocupações com a solidez da linguisticidade humana. Entre os naturalistas, destaca-se Heráclito de Efeso (536-470), pensador importante entre os iniciadores da história da filosofia da linguagem, pois apesar de seu naturalismo já percebe que “o mundo aparente ao qual se refere a linguagem se acha cheio de contradições” (KERFERD, 2003, p.125).

Contudo, a figura de Heráclito aparece em vários dos textos de Borges, embora nenhum de tais escritos refira peculiaridades da reflexão sobre a linguagem promovida pelo pensador grego. Assim, por exemplo, na prosa borgeana, encontram-se referências a Heráclito em Otras

inquisiciones (1952), em textos como “La creación y P.H. Gosse”, “El

ruiseñor de Keats”, “De las alegorias a las novelas”, “Nota sobre (hacia) Bernard Shaw” e “Nueva refutación del tiempo”. E na poética borgeana Heráclito também possui um lugar privilegiado, basta observar em El

hacedor (1960) os versos que abrem seu poema “El reloj de arena” e os

que fecham “Arte poética”.

Em “El reloj de arena”, lê-se: “Está bien que se mida con la dura / Sombra que una columna en el estío / Arroja o con el agua de aquel río / En que Heráclito vio nuestra locura” (BORGES, 2002b, p.189). Já em “Arte poética”, aprecia-se: “También es como el río interminable / Que pasa y queda y es cristal de un mismo / Heráclito inconstante, que es el mismo / Y es otro, como el río interminable” (BORGES, 2002b, p.221).

Mas a figura do filósofo grego atinge o ápice na produção poética, quando seu nome intitula as composições contempladas em Elogio de la

sombra (1969) e em La moneda de hierro (1976) respectivamente.

Assim, no “Heráclito” do primeiro destes livros pode-se ler:

El río me arrebata y soy ese río.

De una materia deleznable fui hecho, de misterioso tiempo.

Acaso el manantial está en mí. Acaso de mi sombra

surgen, fatales e ilusorios, los días. (BORGES, 2002b, p.357)

Já, no “Heráclito” de La moneda de hierro, observam-se algumas referências ao fato de que tudo se movimenta e nada permanece estático, princípio orientador da filosofia heraclitiana:

Heráclito camina por la tarde De Éfeso. La tarde lo ha dejado, Sin que su voluntad lo decidiera, En la margen de un río silencioso Cuyo destino y cuyo hombre ignora. […] Que las generaciones de los hombres No dejarán caer. Su voz declara: Nadie baja dos veces a las aguas Del mismo río. Se detiene. Siente Con el asombro de un horror sagrado

Que él también es un río y una fuga. (BORGES, 2003a, p.156)

Nestas composições, Heráclito45 é citado em sua relação com a figura do tempo, vínculo do qual Borges extrai suas variadas criações poéticas e seus juízos sobre esse outro grande elemento da sua textualidade.

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Além do mérito das primeiras indagações sobre a questão da linguagem e do reconhecimento da importância de suas teorias sobre o tempo e as mudanças do devir, Heráclito está vinculado aos iniciadores do estudo da etimologia. Beuchot (2005, p.11) ilustra esse ponto referindo-se aos estudos heraclitianos que abordam, a partir do naturalismo, a reflexão sobre as palavras, epéa, vinculadas aos fatos, erga, com base na natureza, kata physin.

E assim como a figura de Heráclito, de inclinação naturalista, podem ser rastreados em alguns textos borgeanos dois pensadores quase contemporâneos ao grego, mas seguidores da postura legalista ou convencionalista da linguagem: Parmênides de Eléia (530-444) e Demócrito de Abdera (460 - 370). Ambos os pensadores, desde a tese que propõe a arbitrariedade ou a artificialidade do signo, apontam essa falta de relação natural entre o dito e que é indicado nesse dizer. Assim, segundo Beuchot (2005, p.11), para Parmênides aquilo que outorga o significado às palavras não é a natureza, mas a lei, e para Demócrito o homem reflete a lei natural do ser na lei arbitrária do logos ou da palavra.

Os pensamentos de Parmênides, embora estes pontos não sejam abordados especificamente por Borges em relação ao filósofo, possuem reflexões de interesse sobre a relação que se estabelece entre o mundo aparente e o essencial. Assim, segundo Kerferd (2003, p.125), Parmênides diferencia ou separa o mundo que pertence às aparências do mundo relativo ao “ser”, entendendo o primeiro deles como uma “simples” peça de ficção. Outros dos pensamentos de Parmênides que Borges atrela à sua reflexão sobre a linguagem está no raciocínio que equipara o fato de “pensar” e o de “ser” e que assinala que aquilo que se pensa é idêntico e dependente daquilo que é enunciado. Sobre esta particular reflexão, Miguel Spinelli (2006, p.227) afirma que:

Na relação entre três elementos, o ser (o que é ou existe), o dizer (o que é nomeado ou enunciado) e o pensar (o que é dotado, ou melhor, o que dota o enunciado de significação e de uma certa ordem) é impossível, segundo Parmênides, encontrar o dizer fora do pensar (ou vice-versa), do mesmo modo que é impossível desvincular o dizer e o pensar do ser (ou seja, de algo em dependência do qual é inferido o enunciado).

Com respeito às letras borgeanas, Parmênides aparece em “El principio”, texto do livro Atlas (1984), e no “Prólogo” a Nueve ensayos

dantescos (1982). E é justamente neste último escrito onde reflete certo

mérito no que concerne à reflexão sobre a linguagem:

El Demiurgo, o Artífice del Timeo, libro mencionado por Dante […], juzgó que el movimiento más perfecto era la rotación, y el cuerpo más perfecto, la esfera; ese dogma, que el

Demiurgo de Platón compartió con Jenófanes y Parménides, dicta la geografía de los tres mundos recorridos por Dante. (BORGES, 2003a, p.343)

A figura do demiurgus citada no “Prólogo” é a que se vincula à criação das coisas do mundo material, a que repercute na originária vinculação entre objetos e palavras. O Demiurgo46 é um criador (que se equipararia ao Verbo para os cristãos) e esta figura, ou a atividade que ela desenvolve, será em Crátilo, texto central na discussão da relação entre o dizer as coisas na Antiguidade, uma das figuras essenciais que

colaboram com a elaboração das posturas naturalistas e

convencionalistas. Um primeiro legislador/nomeador daquilo que foi criado ou um acordo entre os homens são os pontos de partida para estabelecer como se dá essa relação existente entre palavra e coisa.

E assim como Parmênides, Demócrito também possui um espaço nos textos borgeanos. Quiçá não tanto pelas especulações que o filósofo traz à literatura do argentino, mas pela essencial importância que a reflexão tem ao momento da criação e pelo paralelismo existente entre a cegueira de Borges e a de Demócrito.

Embora em “Notas” de Discusión (1932) e em “Pascal” e “Nota sobre (hacia) Bernard Shaw” de Otras Inquisiciones sejam resgatados alguns pensamentos de Demócrito sobre mundos paralelos e destinos iguais, é em "Elogio de la sombra”, no livro de mesmo nome de 1969 e em “La ceguera” em Siete Noches (1980) onde a figura do pensador de Abdera repousa em lugar de destaque.

Em “Elogio de la sombra” se enaltece a atitude extrema de Demócrito, que privilegia o raciocínio de tal maneira que para isso chega a prescindir da faculdade de enxergar mediante o órgão da visão. Borges traça seu paralelismo na composição poética e exalta a possibilidade, quiçá inevitável, de enxergar com o pensamento:

Siempre en mi vida fueron demasiadas las cosas;

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Para Platão o mundo não foi criado, mas construído com uma matéria pré- existente por um operário ou arquiteto divino denominado “Demiurgo”. A tarefa deste personagem é impor uma ordem, uma estrutura à matéria do universo, não criando formas com tal matéria, mas sim tomando-a do mundo metafísico das ideias para logo fazer os entes sensíveis à sua imagem e semelhança. Neste sentido, o Demiurgo não seria um deus absoluto, mas um intermediário entre o “Absoluto” e o “Mundo” (AGOGLIA, 1992, p.35-36).

Demócrito de Abdera se arrancó los ojos para pensar;

el tiempo ha sido mi Demócrito. Esta penumbra es lenta y no duele; fluye por un manso declive

y se parece a la eternidad. (BORGES, 2002b, p.395)

Neste mesmo sentido e privilegiando a reflexão de uma realidade interior que é contaminada pelas imagens ou interferências da realidade exterior, em “La ceguera”, Borges (2003a, p.284) exibe o destino comum que compartilha com Demócrito:

Demócrito de Abdera se arrancó los ojos en un jardín para que el espectáculo de la realidad exterior no lo distrajera; Orígenes se castró. He enumerado suficientes ejemplos; algunos tan ilustres que me da vergüenza haber hablado de mi caso personal; salvo por el hecho de que la gente siempre espera confidencias y yo no tengo por qué negarle las mías. Aunque, desde luego, parece absurdo poner mi nombre junto a los nombres que he tenido ocasión de recordar.

Diversamente dos pensadores anteriores, os sofistas não são referenciados com a mesma habitualidade nas letras de Borges. Sobre estes pensadores, convencionalistas ou arbitrários, é importante lembrar que sua importância radica no fato de serem os encarregados de iniciar os estudos gramaticais e retóricos da linguagem e de aprofundar a análise da natureza e da finalidade da mesma (BEUCHOT, 2005, p.12- 13). Importância que se confirma nos ditos de Kerferd, (2003, p.119) quando assinala o reconhecimento platônico deste grupo de estudiosos da teoria linguística:

A teoria da linguística foi discutida pelos sofistas sob o título de “dicção correta”, orthoepeia, e “correção das palavras e nomes”, orthotēs onomatōn. [..] Platão, no Crátilo (319b), introduz sua própria discussão do problema da ‘correção dos nomes’ com a declaração de que a melhor maneira de começar essa investigação é

recorrendo à ajuda daqueles que sabem, e esses são os sofistas.

Pensadores como Górgias de Leontini (484-375) ou como Protágoras de Abdera (480-410), assinalados em uma referência vaga no escrito “Quevedo”, em Otras inquisiciones, estão ausentes em outros textos borgeanos, pese a que as ideias convencionalistas dos mesmos constituem um pensamento profundo no exame do nexo existente entre palavras e coisas. Assim, por exemplo, Protágoras47 (1980, p.26) exibe sua postura convencional lembrando que os nomes, vinculados à coisa que designam, não são como uma imagem ou uma cópia, e que tampouco existe afinidade de natureza entre eles. Por sua vez, Górgias48 (1980, p.114) manifesta sua posição de negação no que respeita à relação natural entre a palavra (e a impossibilidade de comunicar o pensamento usando a linguagem) e a coisa quando diz que nada existe, e que se existisse não seria cognoscível, assim como se algo fosse cognoscível não poderia ser comunicado em virtude de que as coisas não são as palavras e ninguém pode pensar o mesmo que pensa outra pessoa.

Se bem que pensadores como os pitagóricos e os sofistas já possuíssem uma profunda preocupação com o caráter arbitrário ou natural da relação existente entre os nomes e as palavras que conformam a linguagem, é o filósofo grego Platão (428-347) quem estimula singularmente o pensamento sobre a linguagem partindo da filosofia, com a leitura que realiza em seu livro Crátilo, sobre a tese naturalista e a convencionalista. É evidente que tanto o filósofo como seu texto merecem um espaço especial na obra borgeana, mas antes de adentrar o estudo dos conceitos platônicos sobre a linguagem utilizados por Borges, é interessante observar a decisiva influência da doutrina do pensador grego durante todos os anos da escrita borgeana. Neste

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A importância protagórica na discussão sobre a linguagem também se observa na sua divisão do discurso. Assim, segundo Kerferd (2003, p.120), Protágoras teria sido “o primeiro a dividir o discurso (logos) em desejo, questão, resposta e ordem” ou em “narração, questão, resposta, ordem, narrativa indireta, desejo e apelo”.

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Lynch (2007, p.42) sugere, sobre a paralisia que propõe Górgias como seus três tropos (não há nada; se há alguma coisa não posso conhecê-la; se a conheço não posso comunicá-la), um paralelismo com o impasse atual originado na impossibilidade de sustentar a existência de uma referência nos jogos da linguagem.

sentido, deve assinalar-se que são abundantes os fragmentos em que as ideias de Platão são resgatadas nos textos do escritor argentino49.

Na poética borgeana os conceitos platônicos sobre os arquétipos e a doutrina dos ciclos são observados, por exemplo, nos textos “La rosa” de Fervor de Buenos Aires (1923), “A mi padre” em La moneda de

hierro (1976) e “Las dos catedrales” em La cifra (1981).

Em “La rosa” o eu poético coloca, através da exposição do arquétipo platônico, a problemática da abstração linguística que os homens fazem ao apontar um ente determinado50. A rosa invocada pelo poeta é um objeto ideal utilizado para dar forma à composição lírica, pois a outra, a “rosa-realidade”, a rosa que não é possível cantar, essa é inalcançável. Parece evidente que, desde a primeira leitura do poema, a tese arbitrária ou convencional da linguagem é apresentada para, solapada nos versos borgeanos, apontar essa relação forçada que existe entre palavras e coisas:

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Sobre este ponto, assinala-se que uma leitura não sistemática nem aprofundada da obra borgeana permite conjeturar que a doutrina dos universais, a problemática do tempo e a preocupação com a linguagem são pautas platônicas que se encontram em quase todos os livros que compõem as Obras Completas de Borges. De acordo com Juan Nuño seria presunçoso e desnecessário procurar ideias filosóficas em Borges, pois a existência das mesmas não significaria que o propósito de Borges foi filosofar ou que sua obra possui senhas metafísicas esperando serem descobertas (NUÑO, 1986, p.12-13). Claro que, também para Nuño (1986, p.87), no caso de ser aceita a possibilidade de falar de filosofia em Borges, esta pode ser reduzida a um platonismo extremo. Por sua vez, Echavarría (2006, p.28) observa que existem outras leituras sobre Borges que o definem como um metafísico, que o assinalam como um panteísta e que o indicam como um idealista radical e que o autor argentino, de certo modo, alimentou essas classificações com seus argumentos em favor de diversas teorias filosóficas. Mas uma leitura profunda e geral da obra borgeana exibiria que um dos traços mais persistentes de seus escritos e, especialmente dos ensaios, é aquele que enuncia seu perfectível ceticismo (ECHAVARRÍA, 2006, p.28).

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Note-se que, embora exista uma ênfase borgeana em denunciar as falências da linguagem para indicar os inumeráveis matizes da realidade, o escritor argentino não ignora a utilidade dos processos de abstração no âmbito do pensamento e da comunicação humana. Assim, Barrenechea (2000, p.90) lembra que: “Aunque en general predomine en su obra la visión negativa del lenguaje, no deja de reconocer que no sería posible el pensamiento sin la simplificación que las ideas imponen”.

La rosa,

la inmarcesible rosa que no canto, la que es peso y fragancia, la del negro jardín en la alta noche, la de cualquier jardín y cualquier tarde, la rosa que resurge de la tenue

ceniza por el arte de la alquimia, la rosa de los persas y de Ariosto, la que siempre está sola,

la que siempre es la rosa de las rosas, la joven flor platónica,

la ardiente y ciega rosa que no canto, la rosa inalcanzable. (BORGES, 2004, p.25)

Em “A mi padre” e em “Las dos catedrales” existe uma relação não mais com conceitos vinculados à linguagem, mas com as ideias platônicas sobre os arquétipos. Assim, no primeiro poema, o poeta lembra os ensinamentos que seu pai deixou-lhe antes de morrer:

Te hemos visto morir sonriente y ciego. Nada esperabas ver del otro lado, pero tu sombra acaso ha divisado los arquetipos últimos que el griego soñó y que me explicabas. Nadie sabe

de qué mañana el mármol es la llave. (BORGES, 2003a, p.141)

Já no caso do segundo poema, há uma referência à filosofia e à teologia, segundo explica o autor argentino nas “Notas”51

de seu livro

La cifra. Assim, em “Las dos catedrales” pode-se ler:

Desde el cielo platónico habrás mirado con sonriente piedad

la clara catedral de erguida piedra

51

Em “Notas” do livro La cifra, Borges explica que, em seu poema, a filosofia e a religião são abordadas como duas espécies “esplêndidas” da literatura fantástica e se pergunta sobre esse caráter fabuloso das mesmas: “¿qué son las noches de Sharazad o el hombre invisible, al lado de la infinita sustancia, dotada de infinitos atributos, de Baruch Spinoza o de los arquetipos platónicos?” (BORGES, 2003a, p.338).

y tu secreta catedral tipográfica y sabrás que las dos,

la que erigieron las generaciones de Francia y la que urdió tu sombra,

son copias temporales y mortales

de un arquetipo inconcebible” (BORGES, 2003a, p.294).

Quiçá na prosa borgeana a figura do filósofo grego seja uma das mais preponderantes, considerando-se que a reiteração de conceitos platônicos acompanha cada um dos livros das Obras Completas do escritor argentino. Desde “Historia del tango” em Evaristo Carriego (1930) até “El Tótem” em Atlas (1984) os pensamentos de Platão sobre o tempo, sobre os arquétipos e sobre a linguagem aparecem de forma sistemática na prosa borgeana, conformando os argumentos e as tramas filosóficas que funcionam como alicerce de sua obra. Alguns escritos indicam outras temáticas platônicas ou aludem ao filósofo sem menção a arquétipos, linguagem ou tempo, mas esses textos são menos numerosos. Assim, em “Delia Helena San Marco”, em El hacedor (1960) nota-se uma observação sobre a alma: “Anoche no salí después de comer y releí, para comprender estas cosas, la última enseñanza que Platón pone en boca de su maestro. Leí que el alma puede huir cuando muere la carne.” (BORGES, 2002b, p.168); no “Prólogo” de El informe

de Brodie (1970) se percebe uma alusão à ideia platônica de que o

poema não é fruto da inteligência:

El ejercicio de las letras es misterioso; lo que opinamos es efímero y apto por la tesis platónica de la Musa y no por la de Poe, que razonó, o fingió razonar, que la escritura de un poema es una operación de la inteligencia. No deja de admirarme que los clásicos profesaran una tesis romántica, y un poeta romántico, una tesis clásica (BORGES, 2002b, p.399).

Já em “La divina comedia”, em Siete noches (1980), só se alude à figura do grego na escolha de Dante, que em sua obra mais expressiva se inclina à tragédia de dois amantes, Paolo e Francesca, privilegiando- os entre grandes personalidades da história da literatura e do pensamento filosófico: “ahí están Homero, Platón, otros grandes hombres ilustres. Pero Dante ve a dos que él no conoce, menos ilustres, y que pertenecen al mundo contemporáneo: Paolo y Francesca. Sabe

cómo han muerto ambos adúlteros, los llama y ellos acuden” (BORGES, 2003a, p.214).

No que concerne à aplicação das ideias platônicas sobre a doutrina dos ciclos na textualidade borgeana, “Los teólogos” e “Deutsches Réquiem” em El Aleph (1949) podem ser considerados como fortes fontes de referências das mesmas. Em “Los teólogos”, observa-se como na descrição de um ataque dos hunos a uma biblioteca e da destruição de suas obras pelo fogo só não ardeu o livro duodécimo de De Civitas Dei de Santo Agostinho, texto que justamente relata “que Platón enseñó en Atenas que, al cabo de los siglos, todas las cosas recuperarán su estado anterior, y él, en Atenas, ante el mismo auditorio, de nuevo enseñará esa doctrina” (BORGES, 2004, p.550). No mesmo sentido, “Deutsches Réquiem” aponta a possibilidade de uma contínua discussão aristotélico-platônica que se dá através dos tempos, só mudando as personagens e os contextos:

Se ha dicho que todos los hombres nacen aristotélicos o platónicos. Ello equivale a declarar que no hay debate de carácter abstracto que no sea un momento de la polémica de Aristóteles y Platón; a través de los siglos y latitudes, cambian los nombres, los dialectos, las caras, pero no los

No documento Jorge Luis Borges: um crítico da linguagem (páginas 92-113)