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significado, um movimento semântico Também Patrick Charaudeau e

1.2 BORGES CRÍTICO

Primeiramente é preciso esclarecer que não existe um consenso sobre o fato de se considerar Borges como um crítico. Assim Arturo Echavarría (2006, p.31-32) opina que, embora Borges aprecie obras e escritores, analise tradições antigas e modernas ou examine recursos

poéticos, as apreciações fragmentárias e parciais e a preocupação por capturar a atenção do leitor sobre sua pessoa em detrimento do autor ou do texto que se analisa dificultam seu caráter de crítico literário. Neste sentido Echavarría (2006, p.33) acrescenta que a figura que aparece nos escritos borgeanos sobre obras, autores ou recursos literários, não seria a de um crítico no sentido estrito do termo, mas de alguém que tenta achar uma orientação no “labirinto do processo criador” e, nessa tentativa, explora a natureza e os limites da literatura e do literato. Posição que vem ao encontro do que Jaime Rest lembra sobre a opinião dos que veem em Borges mais um formulador de uma espécie de teoria da literatura que de um escritor dedicado ao exercício da crítica. Neste sentido, Rest (2009, p.128), aproximando Borges do que Todorov denominaria “poética”18

, diz que:

Si bien casi toda su producción es un conjunto de textos acerca de textos y revela un apreciable margen de cultura libresca, se ha subrayado que con muy escasa frecuencia sus comentarios apuntan a la evaluación de obras concretas. Sus indicaciones se encaminan más bien a deslindar lo que Todorov denomina una poética: una serie de coordenadas en las que puede ser insertado y comprendido el hecho literario, sin incurrir en la peligrosa costumbre de ofrecer estimaciones prefabricadas que muchas veces sustituyen la relación efectiva del presunto lector con la composición evaluada.

Mas se Borges não é considerado um crítico no sentido estrito da palavra, pode sê-lo em um sentido em que a definição de crítica seja abrangente do fragmentário, da parcialidade, da exploração da natureza e dos limites da literatura e do escritor e da intimidade da filosofia e da linguística na criação literária.

A respeito dessa ideia de crítico é pertinente lembrar as palavras de Foucault que em “Linguagem e literatura”, conferência de março de 1964, nas Facultés Universitaires Saint-Louis, de Bruxelas, alude ao

18

Em “Poética y lectura”, de seu livro Literatura y significación, Todorov (1971, p.10-11) define a poética como um tipo de aproximação ao fato literário que não tem como tarefa a interpretação correta das obras literárias do passado, mas o estudo das condições que tornaram possível a existência de tais obras.

fenômeno de que a crítica desses anos se aproxima mais da escrita. Fato que se dá, segundo Foucault, por dois motivos:

Em primeiro lugar, porque a crítica cada vez mais se interessa não pelo momento psicológico da criação da obra, mas pelo que é a escrita, pela própria densidade da escrita dos escritores, com suas formas, suas configurações. Em segundo lugar, porque a crítica deixa de querer ser uma leitura melhor, mais matinal, ou mais bem armada, e está se tornando, ela própria, um ato de escrita. Uma escrita, sem dúvida, segunda em relação a uma outra, mas, de qualquer modo, que forma com todas as outras um entrelaçado, um enredo, uma rede de pontos e linhas. Pontos e linhas da escrita que, em geral, se cruzam, se repetem, se superpõem, se defasam para finalmente formar, em uma neutralidade total, o que se poderia chamar o conjunto total da crítica e da literatura, isto é, o atual hieroglífico flutuante da escrita em geral. (FOUCAULT, 2000, p.156- 157)

Note-se que esta visão de crítica se aproxima da atividade realizada por Borges e afasta a impossibilidade de entender o escritor argentino como um crítico. E assim como os conceitos vertidos por Foucault nos aproximam a um Borges crítico, os posicionamentos que vão desde Rafael Girardot (1959) a Jorge Panesi (2005) e a Sergio Pastormerlo (2007) parecem confirmar tal condição borgeana.

Girardot em “La crítica del lenguaje” de seu livro Jorge Luis

Borges Ensayo de interpretación, já alerta, em 1956, a respeito das

apreciações que o jovem escritor argentino realiza acerca do idioma castelhano e assinala que as mesmas não devem ser entendidas só como uma análise de uma língua em particular, mas como a busca de um caminho até uma crítica mais ampla, a crítica da própria linguagem:

La crítica a la lengua española tiene en Borges, pues, dos aspectos: es una crítica a la tradición de que se nutre esa lengua y es una crítica a la lengua misma, como preparación a una crítica al lenguaje en cuanto tal. En las contraposiciones de que Borges se sirve para hacer ver la pobreza del castellano y en la crítica misma, emergen ya otros

motivos que apuntan a la crítica del lenguaje en cuanto tal. La base de esta crítica no está asentada en antipatía parcial, sino que tiene la función de ejemplificar; es, si se quiere, una caricatura del lenguaje visto en el espejo de la lengua española. (GIRARDOT, 1959, p.28)

E assim como Girardot expõe seus argumentos para considerar Borges como um crítico da linguagem que parte da análise particular das insuficiências e contradições da língua espanhola para atingir a conseguinte reflexão sobre a linguagem em geral, Panesi o faz desde as particularidades do aspecto funcional da crítica. O argumento de Panesi radica nas funções que historicamente desenvolveu a crítica literária e que vieram ao encontro da vacilação e da perplexidade que a leitura da obra de Borges provoca:

Una de las funciones intencionales o no intencionales de la crítica literaria siempre ha sido el desarreglo de las convenciones con las cuales se lee, la demolición de lo aceptado sin razones, y a la larga, y muy a pesar de su esforzada seriedad, la provocación de una incomodidad. La crítica es incómoda por naturaleza y tiende a producir incomodidad, a dejar a sus lectores en la maravilla intelectual de la perplejidad; ni siquiera los protocolos de la lectura académica pueden acallar este cuño borgeano implícito en cualquier crítica literaria que se precie de sus efectos. (PANESI, 2005, p.3)

Além dessa atividade reflexiva borgeana abrangente de um idioma em particular e da linguagem em geral que postula Girardot e do incômodo e da perplexidade que a crítica ocasiona nas normas ou convenções com as quais se regem a leitura que Panesi lembra para apoiar seu comentário, Pastormerlo traz novos elementos que apoiam a ideia de que, em Borges, podem ser observadas as particularidades que definem um crítico literário. E para Pastormerlo (1997, p.23-24), essa condição borgeana se dá, especialmente, no reconhecimento do papel que desempenha o escritor no âmbito da literatura argentina19:

19

Sobre este ponto em particular, Pastormerlo opina que a literatura argentina atual, de certa forma, é o resultado de uma intervenção essencial de Borges na mesma: “Cuando se lo lee a partir de la pregunta ¿qué hizo Borges, al escribir

No es posible explicar el lugar que ocupa Borges en la historia de la literatura argentina sin considerar sus apropiaciones, sus manifiestos, sus polémicas literarias, los efectos de sus textos críticos y de sus trabajos editoriales en la formación de un nuevo público, su reordenamiento de las tradiciones y las jerarquías, su participación en debates fundamentales para nuestra literatura como los de “El idioma de los argentinos” o “El escritor argentino y la tradición”.

E nessa intensa atividade borgeana na história da literatura argentina, é preciso assinalar a relação fundamental que existe entre sua textualidade e a extensa produção crítica que a compõe. Nesse sentido, Pastormerlo (2007, p.17-18) afirma que a crítica foi o único gênero que acompanhou todas as etapas da produção literária borgeana, pois o autor argentino nem sempre foi narrador, como na década de 1920, nem poeta, como nas de 1920 e 1930, mas sempre foi um crítico20.

Ante estas contundentes afirmações sobre as peculiaridades de Borges que o definem como um crítico, cabem certos questionamentos, aos quais Pastormerlo (2007, p.19) responde dizendo que, primeiramente este gênero, na obra borgeana, recebe o nome de ensaio, sendo o próprio Borges quem contribui para debilitar tal imagem (por exemplo, negando a reedição de muitos de seus textos críticos ou através da atitude negativa que muitas vezes demonstrava contra a crítica). Imagem modificada em décadas posteriores pela profunda revalorização da crítica borgeana, a qual produz admiração pela antecipação de alguns caminhos percorridos muitos anos depois pela crítica e pela teoria literária, mas que não chega a ser suficiente para evitar que sua condição de crítico se debilite ante o prestigio do gênero ensaio (PASTORMERLO, 2007, p.21-22).

No documento Jorge Luis Borges: um crítico da linguagem (páginas 51-55)