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A LINGUAGEM E A ÉPOCA MODERNA EM BORGES

No documento Jorge Luis Borges: um crítico da linguagem (páginas 140-146)

tiene algún valor filosófico es el de nominalismo y realismo; el juicio es

2.3 A LINGUAGEM E A ÉPOCA MODERNA EM BORGES

Os filósofos e os princípios do racionalismo e do empirismo formam parte das correntes de pensamento da filosofia da linguagem da Época Moderna mais familiarizada com a obra do escritor argentino. Pensamentos e alusões a racionalistas como Spinoza e Leibniz, ou a empiristas como Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume se encontram espalhadas por toda a textualidade borgeana.

Sobre estas duas correntes de pensamento, resgatam-se as afirmações de Oswald Ducrot (2005, p.113-14) quando manifesta que dentro do âmbito da filosofia da linguagem é possível refletir tanto sobre uma filosofia a propósito da linguagem, e neste caso se realiza um estudo “externo” à linguagem (onde esta é objeto da filosofia e é comparada com outros objetos diversos), quanto sobre a atividade do filósofo que submete a linguagem a um estudo “interno” e a considera seu objeto de investigação. Assim, em um estudo externo podem ser abordadas, por exemplo, as vinculações entre pensamento e linguagem e em uma abordagem interna pode ser considerado qualquer estudo em que um filósofo analisa linguisticamente o sentido das palavras E é justamente nesta última postura onde repousa o trabalho de racionalistas e empiristas.

Os filósofos racionalistas79, segundo opina Mora (2006, p.216), seriam os que nesse estudo interno adotam uma postura de confiança e crença no poder lógico da linguagem, enquanto que os empiristas descreem da mesma e temem os abusos e as armadilhas que de sua utilização possam surgir80. É significativo observar, também sobre o racionalismo, que tal corrente já podia ser identificada na Idade Média, onde era vista como uma atitude de confiança na razão humana que era ajudada por Deus. Ou seja, neste período o racionalismo era uma posição na teoria do conhecimento contraposta ao empirismo, mas também uma tendência que podia ou não ser integrada ao sistema das verdades da fé (MORA, 2006, p.300).

Dos pensadores racionalistas que acompanham a textualidade borgeana, sobressaem o filósofo holandês Baruch Spinoza (1632- 1677) e o pensador alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-

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Em princípio, segundo Mora (2006, p.300), quando se faz referência aos postulados racionalistas se alude a uma corrente de pensamento na qual a razão (o pensar) é contraposta à emoção e à vontade (racionalismo psicológico), mas também a uma doutrina que vê a razão como a única forma adequada e completa para aceder ao conhecimento (racionalismo gnosiológico ou epistemológico) e como uma teoria que afirma que a realidade, em última instância, possui caráter racional (racionalismo metafísico).

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Sobre este ponto, Mora (2006, p.300) também alerta que grandes empiristas, como Locke e Hume, seriam também racionalistas porque seus métodos e raciocínios empregam a razão, motivo pelo qual alguns autores veem no racionalismo não o simples uso desta faculdade, mas a utilização abusiva da mesma.

1716). As referências a Spinoza81 podem ser observadas desde o “Prólogo” a El idioma de los argentinos, de 1928, até “Alguien sueña” em Los conjurados, de 1985, mas as referências borgeanas não aludem a problemáticas da linguagem, e sim, geralmente, a temáticas vinculadas ao tempo, ao espaço e à figura da divindade. Exemplos desta afirmação são os textos “La penúltima versión de la realidad” e “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”. No primeiro dos escritos, observa-se a descrença borgeana sobre a possibilidade de deslindar os termos “tempo” e “espaço”:

Creo delusoria la oposición entre los dos conceptos incontrastables de espacio y de tiempo. Me consta que la genealogía de esa equivocación es ilustre y que entre sus mayores está el nombre magistral de Spinoza, que dio a su indiferente divinidad —Deus sive Natura— los atributos de pensamiento (vale decir, de tiempo sentido) y de extensión, (vale decir, de espacio). (BORGES, 2004, p.204)

Já em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, contempla-se a ideia de Spinoza sobre a divindade, o espaço e o pensamento e da inaplicabilidade de tais conceitos em Tlön:

No es exagerado afirmar que la cultura clásica de Tlön comprende una sola disciplina: la psicología. Las otras están subordinadas a ella. He dicho que los hombres de ese planeta conciben el universo como una serie de procesos mentales, que no se desenvuelven en el espacio sino de modo sucesivo en el tiempo. Spinoza atribuye a su inagotable divinidad los atributos de la extensión y del pensamiento; nadie comprendería en Tlön la yuxtaposición del primero (que sólo es típico de

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Entre os textos borgeanos que mencionam Spinoza, encontram-se, entre outros, “Avatares de la tortuga”, “Notas”, “La muerte y la brújula”, “La muralla y los libros”, “De las alegorías a las novelas”, “Borges y yo”. Em um mesmo sentido, indicam-se especialmente as duas composições poéticas que levem como título o nome do filósofo holandês, “Spinoza”, em El otro, el mismo e “Baruch Spinoza”, em La moneda de hierro.

ciertos estados) y del segundo -que es un sinónimo perfecto del cosmos-. Dicho sea con otras palabras: no conciben que lo espacial perdure en el tiempo. La percepción de una humareda en el horizonte y después del campo incendiado y después del cigarro a medio apagar que produjo la quemazón es considerada un ejemplo de asociación de ideas. (BORGES, 2004, p.440).

E assim como o caso de Spinoza, as referências a Leibniz82 também acompanham a obra borgeana desde escritos de juventude como “Avatares de la tortuga”, em Discusión, de 1932, até “Ars Magna”, em Atlas, de 1984, sendo, quiçá, o de maior mérito para a discussão sobre a linguagem “El idioma analítico de John Wilkins”. Neste escrito observa-se uma nota de rodapé83 onde Leibniz é assinalado como o inventor de um sistema de signos matemáticos que, considerando a totalidade do relato, resulta essencial no entendimento do singular idioma ideado pelo bispo inglês:

Teóricamente, el número de sistemas de numeración es ilimitado. El más complejo (para usó de las divinidades y de los ángeles) registraría un número infinito de símbolos, uno para cada número entero; el más simple sólo requiere dos. Cero se escribe 0, uno 1, dos 10, tres 11, cuatro 100, cinco 101, seis 110, siete 111, ocho 1000...

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Entre outros escritos borgeanos que retomam as idéias de Leibniz assinalam-se “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, “Pierre Menard, autor del Quijote”, “Tema del traidor y del héroe”, “Pascal”, “Nueva refutación del tiempo”, “La cábala”, etc.

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A nota citada pertence ao seguinte fragmento do texto: “En el idioma universal que ideó Wilkins al promediar el siglo XVII, cada palabra se define a sí misma. Descartes, en una epístola fechada en noviembre de 1629, ya había anotado que mediante el sistema decimal de numeración, podemos aprender en un solo día a nombrar todas las cantidades hasta el infinito y a escribirlas en un idioma nuevo que es el de los guarismos1; también había propuesto la formación de un idioma análogo, general, que organizara y abarcara todos los pensamientos humanos. John Wilkins, hacia 1664, acometió esa empresa” (BORGES, 2002b, p.84-85).

Es invención de Leibniz, a quien estimularon (parece), los hexagramas enigmáticos del I King. (BORGES, 2002b, p.85)

Diversamente do racionalismo, o empirismo84, corrente filosófica e gnosiológica que funda o conhecimento na experiência85, parece ser a linha de pensamento que se encontra mais familiarizada com as noções borgeanas sobre a linguagem. Neste sentido, é possível citar os textos borgeanos que se aproximam não só das noções do empirismo inglês de Francis Bacon (1561-1626), mas também das de Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632- 1704), George Berkeley (1685-1704) e David Hume (1711-1776).

Para entender alguns conceitos borgeanos sobre a linguagem, vinculados aos postulados dos empiristas ingleses, apontam-se alguns fundamentos que tal corrente de pensamento postula. No empirismo, o espírito ou sujeito cognoscente é visto como um recipiente para onde confluem os “dados” (que Locke e Berkeley chamam de “ideias” e Hume de “sensações”) que provêm do mundo exterior e que são captados por intermédio dos órgãos dos sentidos. Esses dados, base de todo conhecimento, são acumulados no espírito e são chamados a serem enlaçados com outras percepções, possibilitando operações como a lembrança ou o pensamento (MORA, 2006, p.111). Esta acumulação e este enlace de ideias ou percepções configuram o processo cognoscitivo que convive com outros dois processos vinculados à experiência e à reflexão. No primeiro vinculam-se as ideias ou sensações primitivas a outras denominadas complexas, permitindo-se assim alcançar noções referentes a objetos (substâncias) compostos de várias ideias elementares (objetos com qualidades). Esta formação dos objetos compostos deve ser confirmada pela experiência (MORA, 2006, p.112). O segundo processo, a “reflexão”, proporciona o reconhecimento de

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Segundo Mora (2006, p.111) este pensamento, além de se opor ao racionalismo, declara-se contrário ao inatismo, pois este último afirma que o sujeito cognoscente possui ideias inatas (anteriores a toda aquisição de dados) e que tais sujeitos são tábuas rasas onde podem ser depositadas suas impressões do mundo externo.

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Mora (2006, p.136) define a experiência como a confirmação ou possibilidade de confirmação empírica de dados, mas também como o fato de vivenciar algo que já foi dado à reflexão ou predicado anteriormente.

conceitos e, em geral, daquilo que se conhece como o “universal”86

(as “noções genéricas”, “ideias” ou “entidades abstratas”), ou seja, o oposto ao que é particular ou concreto (MORA, 2006, p.358). Universal que para os nominalistas87, por exemplo, não configura uma realidade anterior às coisas (como opina o realismo), nem uma realidade nas coisas (como opina o conceitualismo).

Para a corrente nominalista, os “universais” são vocábulos ou simples nomes com a função de designar coleções de indivíduos, e por isso só possuem existência as entidades individuais. O universal dos nominalistas definitivamente é uma entidade inexistente que pode ser definida como um simples termo da linguagem88(MORA, 2006, p.258). Assim, para o nominalismo, esses conceitos, ideias ou essências comuns a todas as coisas apontados pelo mesmo termo não passam de nomes, de simples emissões da voz. O conceito aqui não é coisa, é palavra.

E esta discussão sobre universais, assim como os debates que versam sobre as sensações, as ideias ou a percepção da realidade, são identificáveis e centrais na construção de relatos como, por exemplo, “Avatares de la tortuga”, “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” e “Nueva refutación del tiempo”, quando se pensa no idealismo89, e “El

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Os autores que são empiristas e também nominalistas desconfiam de todo tipo de conceitos resultantes de um processo de “abstração” (MORA, 2006, p.112).

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Segundo Mateos (1998, p.55), no universo do nominalismo só são possíveis os indivíduos: “Desde el punto de vista ontológico solamente son admitidas entidades concretas, individuos y no entidades abstractas o universales, las cuales son sólo ficciones de la inteligencia sin una existencia real. El universo del realista, en cambio, admite la existencia real de los universales e incluso son ellos el fundamento ontológico de lo individual, del mundo material. En pocas palabras, la diferencia está en reconocer o no la existencia real de entidades abstractas por supuesto obviando aquí todas las implicaciones filosóficas que cualquiera de estas concepciones importa”. 88

Os realistas, contrapondo-se aos postulados nominalistas, negam a possibilidade de considerar os “universais” como vocábulos e como simples sopros ou sons proferidos, pois tal postura permite pensar que o “universal” possui uma realidade física (MORA, 2006, p.259).

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Em “De las alegorías a las novelas”, observa-se a seguinte afirmação vinculada ao pensamento nominalista: “El nominalismo, antes la novedad de unos pocos, hoy abarca a toda la gente; su victoria es tan vasta y fundamental

ruiseñor de Keats” ou “De las alegorías a las novelas” quando se repara nos conceitos do nominalismo.

Claro que em Borges a discussão sobre a linguagem não se reduz a uma análise enfática de ideias idealistas ou nominalistas. Em Borges as discussões sobre a capacidade da linguagem para “descrever o mundo” através dos sentidos, para discorrer sobre seu poder descritivo, para questionar seus alcances como meio de “expressão da realidade” convivem com correntes de pensamento racionalistas, empiristas, nominalistas90 e com postulados de pensadores como Schopenhauer91, Nietzsche ou Fritz Mauthner. Todas as discussões e as teorias que se aplicam à mesma conformam a sólida base que sustenta a particular visão de linguagem nas letras borgeanas. Visão que, longe de pactuar com correntes ou teses que postulam uma natural relação entre as palavras e as coisas, situa-se no aspecto convencional da linguagem com uma enfática e cética

No documento Jorge Luis Borges: um crítico da linguagem (páginas 140-146)