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Formas Tradicionales de la Poesía, La Poesía Narrativa, El Adjetivo, El Verbo”

No documento Jorge Luis Borges: um crítico da linguagem (páginas 113-121)

(BORGES, 1999a, p.56)

línguas se misturam no pampa e na metrópole e como essas línguas devem ser meditadas com novos elementos gerais e universais. Crítica também é assinalar que se uma somatória de sensações constitui um objeto, não importa se for caracterizado como arredondado ou como

cócegas na boca, essas peculiaridades sempre conformarão uma laranja,

independentemente de se fazerem presentes nas famílias tradicionais portenhas, nas lojas de imigrantes bem sucedidos, nas barracas de índios perseguidos ou no rancho de um gaúcho.

Também a língua dos imigrantes, uma das problemáticas que Borges encontra em seu retorno da Europa, em 1921, é refletida além das visões de-generadoras ou re-generadoras que os gringos representavam em um projeto de estado novo ou na construção de um estado nacional moderno. E assim também com a voz do bairro, onde a meditação linguística se posiciona em um patamar que supera a visão negativa ou positiva de um possível idioma dos argentinos que atenta contra um castelhano que marca seu meridiano na Espanha.

A voz, o bairro e a língua conformam na crítica de Borges um

corpus mestiço onde o aspecto colonial, o traço imigrante e as

particularidades do elemento autóctone resultam, em sua escrita, em uma grande reflexão “criollo-linguística” que, longe de assinalar as insuficiências da língua de um povo, tenta exibir as pobrezas que toda linguagem carrega como traço inevitável de sua natureza61.

E a operação que o escritor argentino realiza em “El Golem” não é muito diferente da que efetua com a língua de sua heterogênea, mítica e suburbana Buenos Aires. Em “El Golem”, uma lenda judia, bem delimitada, é pensada através de toda uma tradição na filosofia da linguagem que se arrasta até os tempos da própria criação de Meynrik para posicionar-se longe de uma postura naturalista não compartilhada pelo escritor argentino. E assim como na década de sessenta do século passado o poeta lembra que o nome não é um arquétipo da coisa, da mesma forma como na palavra rosa não estaria a rosa, algumas décadas antes Borges postula a mesma ideia dizendo, em “Crítica del paisaje” (1921), que a paisagem, como todas as coisas em si, não é

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Neste sentido, a crítica borgeana da linguagem pode ser considerada cética ou corrosiva, mas, de certa forma, as reflexões do escritor argentino que fundem o universal e o regional das línguas são mais ilustrativas que mordazes. Crítica que, no sentido que explica Roberto Ferro (2007, p.7), configura-se não por um revisionismo de autores e textos relevantes, mas por uma indagação reflexiva que não procura contradizer, mas aplicar uma necessária busca da ampliação do saber.

absolutamente nada, pois esta palavra “es la condecoración verbal que otorgamos a la visualidad que nos rodea”.

Existe uma paisagem para Borges que como coisa em si não tem existência, a não ser como uma mera denominação resultante de uma atividade contemplativa do homem. A paisagem, seguindo o raciocínio borgeano em “El Golem” não está nas letras que compõem o termo e não existe como algo que possua uma subsistência per se. A paisagem existe no ato de quem a contempla e, subsequentemente, de quem a nomeia. Ato revestido de um caráter arbitrário que se baseia na ação de quem condecora, dos que premiam com um termo o objeto observado.

Neste entendimento, é interessante pensar a importância das geografias borgeanas “criolla” e portenha na década de vinte do século passado sob o pensamento exibido em “Crítica del paisaje”. A paisagem borgeana do arrabalde seria, então, um “nada em si” ao qual se lhe obsequia um termo configurador de identidade, uma visualidade que nasce a partir do ato nomeador do escritor argentino. Desta forma, o subúrbio arbitrário de Borges chega até o leitor não como uma saudade dos tempos da Belgrano de arrabalde, não como uma sensível inclinação pelas histórias de faca e de coragem dos “compadres”, não como uma canção mitológica dos bairros das margens portenhas na memória de um escritor, mas como um ato arbitrário borgeano que nomeia uma paisagem diluída em tempos de modernidade. Neste entendimento, a capital argentina borgeana depende da vontade do escritor, e a paisagem é fundada e instituída pelo ato criador de um nomeador que escolhe, convencionalmente, a relação entre a paisagem estético-geográfica ou geoestética e o nome que lhe deverá ser outorgado. Assim, por exemplo, Borges escolhe sua cidade na operação nominativa que se observa em “Buenos Aires”, ensaio de outubro de 1921, onde diz essencialmente o que é a paisagem de Buenos Aires, ou seja, o que é essa cidade:

Para apresar íntegramente el alma -imaginaria- del paisaje, hay que elegir una de aquellas horas huérfanas que viven como asustadas por las demás y en las cuales nadie se fija. Por ejemplo: las dos y pico p.m. El cielo asume entonces cualquier color. Ningún director de orquesta nos impone su pauta. La cenestesia fluye por los ojos pueriles y la ciudad se adentra en nosotros. Así nos hemos empapado de Buenos Aires. (BORGES, 2007b, p.127)

Buenos Aires é a que convence pela contemplação de um céu das duas da tarde e não aquela do neon, do cimento, dos teatros, dos carros e do metrô que inunda a paisagem descrita por outros escritores argentinos. Borges cria porque nomeia sua Buenos Aires marginal, sua cidade “criolla” e universal, seu espaço babélico, mas sabe que a relação do nomeado e do termo é frágil para sustentar o grande edifício de uma mitologia. Não em vão o escritor tentará apagar de sua escrita os traços deste galardão que sua cidade ganhou na década de 1920.

A Buenos Aires borgeana dessa época, como o rouxinol de Keats, como seu “compadre” do arrabalde e seu gaúcho do pampa são modelos, arquétipos que Borges, como no caso do Golem, são como filhos da força da nomeação e da palavra. O aspecto convencional ou não dos nomes ou das palavras que configuram a linguagem é exibido por Borges durante toda sua escrita e aparece com especial ênfase quando se aproxima dos pensamentos platônicos do Crátilo.

As relações que se estabelecem entre os pensamentos borgeanos sobre a linguagem e as considerações da linguagem de Platão são muito significativas, pois o filósofo grego é considerado o pensador clássico que mais estimula a reflexão sobre a problemática da linguagem (BEUCHOT, 2005, p.14). E não é gratuita a inclusão de Crátilo na discussão borgeana, pois este livro configura, como bem afirma Gadamer (1997, p.525), o escrito essencial e mais completo da reflexão grega sobre a linguagem, pois todo o universo de problemas sobre a linguisticidade se encontra na obra e é muito pouco o que se acrescenta na discussão grega posterior.

Para o filosofo alemão a filosofia grega luta para não perceber a relação entre palavras e coisas, entre falar e pensar, pois assim consegue defender o pensamento da pobre vinculação que existe entre palavra e coisa no âmbito em que vivem os falantes62. A crítica sobre a correção dos nomes no Crátilo representa “o primeiro passo numa direção que

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Sobre este ponto, Gadamer (1997, p.524) explica que, quando começou a ser problematizada a unidade natural que, universalmente, existia entre palavra e coisa, os gregos não possuíam um termo para aquilo que hoje se chama “linguagem”. E estas dúvidas contrariavam o fato de que, em grego, palavra (“onoma”) significava tanto nome, como nome próprio ou apelativo, o que dava a entender que o nome e o ser do nomeado se encontravam em íntima relação. Por tal razão, para Gadamer (1997, p.524), a filosofia grega começa quando surge o conhecimento de que a palavra é somente nome e que não representa o verdadeiro ser, ou seja, quando surge o questionamento relativo a acreditar e duvidar das palavras.

desemboca na moderna teoria instrumentalista da linguagem e no ideal de um sistema de signos da razão” (GADAMER, 1997, p.540).

E já sobre a estrutura do Crátilo63, assinala-se que se inicia com

um diálogo ou discussão entre Hermógenes, defensor do

convencionalismo, e Crátilo, do naturalismo, no qual aparece a intervenção mediadora de Sócrates que, em um primeiro momento, duvidará da posição convencional e apresentará a teoria naturalista. Posturas que, segundo Gadamer (1997, p.525), procuram delimitar, de forma diversa, a vinculação existente entre as palavras e as coisas, vendo uma, a convencionalista, como “única fonte de significado das palavras a univocidade do uso da linguagem alcançada por convenção e exercício”, enquanto a outra, a naturalista, “defende uma coincidência natural entre palavra e coisa, designada pelo conceito da correção”64.

Coincidência natural que, no texto platônico, é proposta por Crátilo nos termos em que Hermógenes a lembra:

Aqui o Crátilo dizia, ó Sócrates, que cada um dos seres tem um nome correto que lhe pertence por natureza, e que não é nome aquilo a que alguns

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Segundo Santos, o texto platônico, basicamente, apoia seu argumento na pergunta que tenta determinar a causa ou poder pelo qual os nomes conseguem representar ou exibir as coisas. Essa dúvida é colocada a partir de duas possibilidades que, definitivamente, também resultam insuficientes para discernir a suficiência das teses sobre a linguagem contidas no Crátilo: “ou esse poder existe inteiramente nos falantes (Hermógenes), ou existe nos próprios nomes (Crátilo). O exame das duas teorias rivais -convencionalista e naturalista- mostra que nenhuma das possibilidades é por si bastante” (SANTOS, 2001, p.30).

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Para Gadamer (1997, p.525-526) a discussão se coloca a partir de duas posições extremas que não necessariamente precisam se excluir. Exclusão que careceria de sentido, porque o falante não conhece sobre a correção ou a incorreção das palavras que se debatem nas teses sobre a linguagem ou porque o ser da linguagem, ou seja, seu uso geral, limita ambas as posições. Assim, por exemplo, um limite da posição convencionalista radicaria no fato de que não pode ser alterado arbitrariamente o significado das palavras. No mesmo sentido, um limite da teoria da semelhança radica em que não é possível criticar a nossa linguisticidade só dizendo que as palavras não reproduzem as coisas corretamente, pois a linguagem não é uma simples ferramenta que temos à mão e que utilizamos ou que construímos para nos comunicar ou pensar. Assim, para Gadamer (1997, p.526), o problema destas interpretações sobre as palavras é que “partem da sua existência e do fato de estarem à mão, deixando as coisas existirem por si como já sendo conhecidas de antemão”.

chamam nome, acordando em chamar-lhes assim, e enunciando uma parcela da sua voz, mas que pertence aos nomes uma certa correção, que é a mesma para todos, sejam Gregos ou bárbaros. Por isso eu perguntei-lhe se o seu nome é verdadeiramente “Crátilo”. E ele assentiu. ‘E o de Sócrates?’ perguntei-lhe. ‘É Sócrates’, disse ele. ‘Quer dizer que, relativamente a todos os outros homens, aquilo que lhes chamamos é o nome de cada um deles, e esse é, para cada um, o seu nome?’ disse eu. ‘Bem, o teu não é ‘Hermógenes’’, respondeu ele, ‘apesar de todos os homens te chamarem assim’. [...] Ora, se tu [Sócrates] puderes interpretar o oráculo de Crátilo, ouvir-te-ei com prazer; mas ainda com mais prazer ouviria aquilo que pensas sobre a correção dos nomes, se quiseres me dizer-mo. (Platão, 2001, p.43)

É interessante observar que uma teoria tal não é aplicável em termos de pensamento borgeano ou mauthnereano, mas, ainda assim, existem algumas reflexões que apontam a perseguição dessa estreita relação entre o dizer e as coisas. Assim, sobre a aplicabilidade da teoria naturalista, citam-se algumas reflexões de Barthes (1978, p.22-23) referentes ao fato de que, através da literatura, continua-se buscando ir além da impossibilidade de representar a realidade pela linguagem:

A segunda força da literatura é sua força de representação. Desde os tempos antigos até as tentativas da vanguarda, a literatura se afaina na representação de uma coisa. O quê? Direi brutalmente: o real. O real não é representável, e é porque os homens querem constantemente representá-lo por palavras que há uma história da literatura. Que o real não seja representável -mas somente demonstrável- pode ser dito de vários modos: quer o definamos, como o Lacan, como o impossível, o que não pode ser atingido e escapa ao discurso, quer se verifique em termos topológicos, que não se pode fazer coincidir com uma ordem pluridimensional (o real) e uma ordem unidimensional (a linguagem). Ora, é precisamente a essa impossibilidade topológica que a literatura não quer, nunca render-se. Que

não haja paralelismo entre o real e a linguagem, com isso os homens não se conformam, e é uma recusa, talvez tão velha quanto a própria linguagem, que produz, numa faina incessante, a literatura.

Neste mesmo sentido, Barthes também afirma que o escritor sempre mantém a crença de que os signos não são arbitrários e de que os nomes são propriedade natural das coisas e, por tal motivo, identifica-se com Crátilo. Assim, Barthes (1970, p.214) diz que a literatura é exploração do nome e que, em última instância, “o escritor tem sempre em si a crença de que os signos não são arbitrários e que o nome é uma propriedade natural da coisa: os escritores estão ao lado de Crátilo, não de Hermógenes”. Também Barthes (2006, p.189), sobre esta particular posição, afirma que a função poética, entendida em sentido amplo, estaria definida por uma consciência cratileana dos signos, sendo o escritor o encarregado de relatar o mito secular que propõe que a linguagem imita às ideias e que os signos são motivados.

E assim como a tese naturalista defendida por Crátilo e colocada como crença ou utopia de escritores por Barthes postula esse poder do nome de exibir a coisa, a tese de Hermógenes propõe que são os homens os que funcionam como mediadores nessa relação. Os nomes são exatos para Hermógenes, mas não por uma relação natural e sim por convenções ou por costumes:

Quanto a mim, ó Sócrates, muitas vezes conversei com eles e com muitos outros, e não sou capaz de me deixar persuadir de que a correção dos nomes seja outra coisa para além da convenção e do acordo. Parece-me que aquele nome que alguém puser a uma coisa, esse será o nome correto; e se de novo o mudar, e já não lhe chamar aquele, o segundo em nada será menos correto do que o primeiro, como nós mudamos os nomes dos nossos criados domésticos, sem que o nome para que mudamos seja menos correto do que aquele que primeiramente lhes fora posto. De fato, nenhum nome pertence por natureza a nenhuma coisa, mas é estabelecido pela lei e pelo costume daqueles que o usam, chamando as coisas. (PLATÃO, 2001, p.44)

Sobre a tese convencionalista, Wahnon (1995, p.22) afirma que para Sócrates, como posteriormente para Nietzsche e Saussure, entre outros, teriam sido os homens os que, de maneira arbitrária e sem procurar uma exata correspondência ou semelhança entre nomes e coisas, estabeleceram os nomes primitivos. Neste sentido, o Sócrates platônico afirma que “resulta manifesto que aquele que primeiro estabeleceu os nomes, os estabeleceu segundo aquilo que pensava serem as coisas, conforme dissemos” (PLATÃO, 2001, p.119). Argumento que, ante a possibilidade de engano desse primeiro nomeador, possibilita a seguinte dúvida platônica:

Pois se aquele que estabeleceu os nomes se tiver enganado ao princípio, e depois disso tiver forçado todos os outros, obrigando-os a concordar com ele, nada haverá de estranho nisso; pois o mesmo acontece com os diagramas em que, sendo o primeiro errado, por ser pequeno e pouco visível, todos os restantes o seguem e, embora sejam errados, concordam um com ou outros. É por essa razão que é necessário que os mais numerosos argumentos e as maiores investigações de todos os homens sejam sobre o principio de todas as coisas, para saber se foi ou não corretamente estabelecido; e, quando isso tiver sido suficientemente examinado, as restantes coisas pareceram seguir-se-lhe. (PLATÃO, 2001, p.119-120)

Para Wanhon (1995, p.22), estes fragmentos do Crátilo são os que exibem a desconfiança platônica na linguagem como meio de conhecimento da verdade das coisas, pois, como argumenta Sócrates, uma ideia injusta do legislador sobre a coisa faria com que o nome da mesma levasse ao engano. E desta possibilidade nasce a conclusão sobre a necessidade de conhecer ou investigar a coisa partindo dela e não dos nomes. Vê-se assim como a partir do enfrentamento das posturas que são trazidas à discussão pelo Crátilo, surgem as particularidades que conformam uma das grandes problemáticas sobre a qual se debruçam os pensamentos linguístico-filosóficos sobre os limites da linguagem65.

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Para Nascimento (2001, p.127), a grande operação do Sócrates platônico, no Crátilo, é justapor “uma teoria de conhecimento (das coisas) a uma teoria dos nomes [e a] grande questão que atravessa o diálogo resume-se em saber se as

Pensamentos que, basicamente, podem ter como ponto de partida a reflexão sobre a possibilidade ou a impossibilidade das palavras ou dos nomes darem conta da realidade, e da qual surge diretamente a preocupação com a possibilidade da linguagem dizer a realidade.

E é justamente essa reflexão sobre as possibilidades e as impossibilidades da linguagem o âmbito onde opera a revisão66 e a refutação socrática da teoria que postula que os nomes são exatos por natureza e que seriam uma espécie de cópia, mimese ou duplicação das coisas às quais se vinculam. Sobre esta refutação socrática do naturalismo, Claudia Mársico (2005, p.22) afirma que:

Cuando todavía el naturalismo parece incólume, Sócrates procede a conversar con Crátilo, en un diálogo que se extenderá hasta el final de la obra. Es al interlocutor naturalista al que le tocará asistir directamente al naufragio de la teoría, que se dispone en dos momentos: la síntesis de la teoría en un breve y llamativo pasaje y la demostración de la incompatibilidad de las teorías que conviven en las propuestas de adecuación de los nombres.

Mas tal refutação, como diz Mársico, deve ser observada com especial atenção, pois não parece ter um caráter definitivo que feche a questão sobre a correção dos nomes e a vinculação destes com a realidade. Assim, na parte final do diálogo67, embora pareça ser

No documento Jorge Luis Borges: um crítico da linguagem (páginas 113-121)