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Cabe a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) coordenar as políticas industriais brasileiras com as políticas do comércio exterior de acordo com a lei federal n.11.080 de 2004. Ambas devem andar em consonância para que o desenvolvimento

econômico seja atingido através dos processos de integração (ABDI, 2011). Portanto, torna-se pertinente conhecer as políticas nacionais de ambos os países envolvidos no MERCOSUL para, posteriormente, verificar se as mesmas não são conflitantes com as diretrizes desse bloco regional, impactando no comércio internacional intrabloco e no desenvolvimento dessas nações.

Miyamoto (2011, p. 8) enfatiza que “[...] deve-se estar atento às variáveis políticas, econômicas, tecnológicas, militares e psicossociais, porque quase tudo que diz respeito às condições domésticas pode influenciar a política externa do país”. Portanto, em se tratando do comércio através do bloco econômico MERCOSUL é pertinente o entendimento das políticas públicas nacionais, sejam elas comercial, industrial ou de desenvolvimento, implementadas tanto pelo Brasil como pela Argentina, pois as mesmas ditaram os caminhos do bloco até o momento e permitem uma melhor compreensão daquilo que se passa no âmbito internacional.

Evidências históricas demonstram que as políticas nacionais adotadas por ambos os países foram, na sua maior parte, baseadas no modelo nacional-desenvolvimentista, com suas modificações necessárias diante da conjuntura apresentada por cada país. De acordo com Miyamoto (2011), os países adotam políticas externas revisionistas, e não revolucionárias, pelo fato de ajustarem suas políticas externas às mudanças conjunturais tanto internas como externas, mas não de forma brusca, de modo a atender as necessidades do mercado e dos demais atores internacionais.

Apesar dessas políticas serem elaboradas com grande ênfase nos ditames internos de cada país, sendo na maior parte das vezes permeadas por questões políticas, os países não podem negar a existência de acordos internacionais dos quais são signatários. É importante frisar que as preferências e tratativas comerciais intrabloco devem ser respeitadas para a consolidação de qualquer integração econômica, em especial o MERCOSUL, não podendo ser apenas processos embasados em vontade política (VILOSIO, 2010).

Em ambos os países estudados, apesar da abertura econômica intensificada na década de 1990, características do modelo nacional-desenvolvimentista ainda perduram. Ademais, no período vigente, políticas nacionais de incentivo a indústria local, como práticas

protecionistas adotadas em especial pela Argentina, corroboram a tese de que diante de crises e dificuldades, sejam elas internas ou internacionais, os países se fecham. Também, ambos países adotam políticas nacionais de controle a inflação. Essas práticas discricionárias, na maior parte das vezes, não mostram-se convergentes com as diretrizes e metas acordadas internacionalmente, desrespeitando o tratado firmado.

Tudo leva a crer que os interesses nacionais se sobrepõe aos acordos realizados no âmbito externo, sendo tais práticas justificadas em prol do desenvolvimento nacional. Particularmente no caso do MERCOSUL, isso é exacerbado pelo fato de não existirem autoridades supranacionais para fiscalizar o bloco em si, dificultando a sua consolidação, pois depende apenas de vontade política dos países membros.

Analisando especificamente o Brasil, no período de 1985 a 1990, a liberalização comercial ganha espaço dentro das políticas industriais devido as crises que o país vivia. Com a liberalização, a política industrial, que era de substituição de importações, passou a englobar questões de competição dos produtos importados e proteção do mercado doméstico. Ademais, iniciam-se os processos de aproximação com outras nações através de acordos unilaterais e, posteriormente, da associação a blocos regionais. Também, posteriormente, o aumento das exportações torna-se pauta da política industrial do país.

O principal instrumento de política comercial brasileiro são as tarifas ad valorem, consideradas menos danosas às economias em relação às quotas. Apesar disso, devido a política industrial praticada pelo país, os setores relacionados às indústrias são os mais protegidos, possuindo uma tarifa diferenciada. Porém, como o setor industrial tornou-se mais intensivo em tecnologia e capital, o fator de produção necessário é mão de obra qualificada. Dessa forma, os trabalhadores menos qualificados e de baixa escolaridade são prejudicados com o processo de liberalização econômica, enfatizando a necessidade de políticas públicas eficientes para que os ganhos sejam distribuídos equitativamente. Tais políticas devem beneficiar não apenas essa camada de trabalhadores marginalizados, mas também aqueles produtores, em sua maior parte pequenos, que foram sucumbidos com o processo. A adoção de políticas de apoio ao produtores aumentando sua inserção no mercado, seus canais de comercialização, financiamentos e capacitação técnica são algumas medidas (VENTURA- DIAS, 2005).

Muitas vezes, o uso de políticas em prol do desenvolvimento sustentável pode servir de barreira comercial no âmbito internacional. Tanto durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), como o de Luís Inácio Lula da Silva (Lula), em se tratando de política comercial, ambos defendiam a comercialização sem dar grande destaque às normas ambientais e sociais. Deve-se salientar que o setor industrial exerce grande influência para a adoção de políticas comerciais de caráter defensivo. A ideia central era que exigências que elevassem os custos acabariam inviabilizando a concorrência externa, além do que “[...] para determinados setores exportadores, a elevação de custos poderia determinar perdas significativas nos volumes de exportação: os casos mais importantes são a fabricação de calçados, a metalurgia de não ferrosos e outros metalúrgicos” (YOUNG et. all. apud VEIGA, 2009, p. 6).

A adoção de práticas unilaterais de desenvolvimento sustentável se deu com maior ênfase no setor privado e provinha não de pressões governamentais, mais sim de exigência dos principais consumidores de produtos brasileiros, como os Estados Unidos e a Europa. Certas práticas devem ser implementadas pelas empresas como pré-condição para o acesso ao mercado externo (VEIGA; RIOS, 2009).

A posição refratária do Estado brasileiro — sob governos de diferentes orientações — à incorporação desses temas nas agendas de negociações comerciais foi capaz de evitar compromissos formais em acordos de comércio até o momento. A evolução recente e as perspectivas do ambiente econômico internacional e da inserção internacional do Brasil tendem a aumentar a pressão sobre as empresas e sobre o governo brasileiro para um maior engajamento em negociações internacionais que envolvam a relação entre comércio/investimentos e temas ambientais (incluindo mudança climática) e sociais. [...] Ainda que o governo brasileiro mantenha com sucesso a estratégia de evitar compromissos formais nessas áreas, medidas unilaterais de governos dos países desenvolvidos, relacionadas a questões ambientais e mudança climática, por exemplo, ou exigências de caráter ambiental e/ou social vindas de consumidores e importadores impõem, crescentemente, custos de adaptação para as empresas brasileiras (VEIGA; RIOS, 2009, p. 15).

O processo de liberalização econômica culminou em ganhos de produtividade e aumento da competitividade da indústria brasileira, pontos necessários para a sua inserção internacional e permanência no mercado. Aqui, percebe-se os benefícios gerados pela comércio exterior sobre a evolução da indústria nacional: mais competitiva, ganhos de produtividade, redução de margens e custos. Em 2004, o país implementou a Política

Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), que, juntamente com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), contribuíram para que a política industrial se mantivesse ativa. Ademais, essas políticas implementadas pelo governo do país foram fundamentais para o posterior desenvolvimento da indústria brasileira (BAHIA; ARAÚJO, 2007).

Dentre os fatores que dificultam a inserção competitiva do Brasil no âmbito internacional e oneram a atividade industrial pode-se destacar os provenientes de questões tributárias, como a tributação em cascata e a elevada alíquota tributária; questões trabalhistas, como os elevados custos de demissão e amplos direitos trabalhistas legalmente definidos, ampliando o poder da força de trabalho sobre o empresariado; e questões referente às privatizações, que apesar de fortemente incentivada, é estabelecida mediante a permanência do controle estatal (VELASCO E CRUZ, 2010). Esses fatores, além de outros não contemplados, desestimulam o investimento direto estrangeiro e a consequente abertura da conta de capital, essenciais para o estímulo do desenvolvimento de um país, pois proporcionam, dentre outros, tecnologia e recursos humanos qualificados, carentes nas economias em desenvolvimento (VELASCO E CRUZ, 2010).

A respeito da política externa brasileira, destaca-se que as relações com as nações industrializadas – EUA, Europa e Japão – sempre fizeram parte da pauta dessa política (MIYAMOTO, 2011). Porém, diante às transformações no cenário internacional a cooperação inter-regional ganhou força. As integrações regionais, como o MERCOSUL, passam a ser prioridade crescente na pauta da política externa, vistas como uma forma de concorrer no cenário mundial e aumentar o poder de barganha junto a organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e nações influentes, como os EUA. Porém, nos últimos anos, ao invés do MERCOSUL ter se intensificado e se dirigido a um mercado comum, o mesmo ainda não se firmou como uma União Aduaneira.

Em relação a Argentina, após a crise no período de 2001-2002, as políticas econômicas adotadas pelo governo tiveram caráter defensivo, com o objetivo de estimular a reindustrialização, o emprego e o crescimento econômico. Medidas protecionistas e em defesa do comércio nacional foram implementadas pelas autoridades daquele país. Apesar da crise eminente, esse tipo de prática não é recente, e sempre foi adotada pela Argentina, perdurando nos dias atuais.

Atualmente, o governo argentino tem fixado cotas a certos produtos brasileiros, além de adotar algumas medidas unilaterais, dificultando ainda mais a consolidação do bloco (MIYAMOTO, 2011). A política nacional da Argentina entra em constante conflito com a consolidação do MERCOSUL. Seu projeto de desenvolvimento atual visa nada mais do que o nacionalismo econômico e a reindustrialização do país. Como a Argentina exporta, em sua grande parte, commodities para o Brasil, e importa produtos industrializados, essa situação gera deterioração nos termos de troca, sendo alvo de ataque da política nacional e palco de conflitos bilaterais existentes entre os dois principais países do bloco (VEIGA, 2009).

As atuais políticas da Argentina concentram esforços no incentivo a reindustrialização e a defesa dos setores domésticos contra a concorrência das importações. Para isso, a Argentina tem adotado sucessivas medidas de contenção às importações de produtos brasileiros, tais como acordos voluntários de exportação e implementação de cotas, reduzindo a comercialização intrabloco. Em 2006, destaca-se a concessão do Brasil para com a Argentina de um mecanismo de salvaguarda a sua indústria local, conhecido como Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC). Dessa forma, conforme destaca Bouzas (2008), o MERCOSUL permanece como estratégia de política exterior do país apenas retoricamente.

Tanto a Argentina como o Brasil são membros da OMC. Perante essa organização, a Argentina possui 18 (dezoito) casos no qual é pleiteante, sendo um com Brasil (DS 355); um perante a Hungria e Peru; cinco contra os EUA, quatro em relação a UE, e seis contra o Chile. Nos casos em que a Argentina se defende, há 22 (vinte e dois) no total, sendo um diante do Japão, México, Panamá, Chile, Peru, Indonésia e Índia; cinco frente aos EUA; oito com a UE; e dois com o Brasil (DS 190 e DS 241) (OMC, 2013c).

Em relação ao Brasil, além do caso como respondente perante a Argentina (DS 355) e dos outros dois como pleiteante (DS 190 e DS 241), o país participa em 13 (treze) casos como respondente (um perante Filipinas, Siri Lanka, Canadá, Japão e Índia; e quatro frente aos EUA e UE) e 24 (vinte e quatro) casos como pleiteante (um frente a Turquia, Peru, México e África do Sul; três frente ao Canadá; sete para com a UE; e dez contra os EUA) (OMC, 2013c).

No caso DS 355, a Argentina protesta medidas antidumping adotadas pelo Brasil a certos produtos de resina importados do país vizinho. Já no DS 241, o Brasil questiona as medidas antidumping definitivas impostas pela Argentina ao Brasil por um período de três anos sobre aves domésticas importadas pela Argentina (OMC, 2013c).

Através da Tabela 24, visualiza-se essas informações de uma forma mais consolidada.

Tabela 24 – Informações sobre as relações internacionais do Brasil e da Argentina, em 2011

DISCRIMINAÇÃO ARGENTINA Notas BRASIL

Política Comercial (Trade Policy)

Adesão OMC Janeiro, 1995 Janeiro, 1995

Revisão Política Comercial Fevereiro, 2007 Março, 2009

Número de disputas na OMC 18 Pleiteante 26

21 Respondente 14

Tarifas (MFN tariffs Simple average of import duties)

Todas as mercadorias 13,6

Média simples

13,7

Mercadorias agrícolas 10,4 10,3

Mercadorias não agrícolas 14,1 14,2

Comércio Exterior

Exportação de mercadorias (FOB) 83.951 US$ Milhões 256.040 Importação de mercadorias (CIF) 73.938 US$ Milhões 236.870

Participação nas X totais mundiais 0,46 % 1,40

Participação nas M totais mundiais 0,40 % 1,28

PIB a preços correntes US$ 445.989 Em milhões US$ 2.476.652

Comércio em relação ao PIB (%) 40,1 2009-2011 22,7

X, principal grupo de commodities

Agrícolas 53,9

%

33,8

Combustíveis e Minérios 9,7 30,4

Manufaturados 31,4 32,8

X, principal país destino

Brasil / Argentina 20,7 % 8,9 União Europeia 16,9 20,7 China 7,4 17,3 Chile / Japão 5,8 3,7 EUA 5,1 10,1

M, principal grupo de commodities

Agrícolas 3,5 % 6 Combustíveis e Minérios 15,6 22 Manufaturados 79,4 72 (continua)

(continuação) M, principal país de origem

Brasil / Argentina 28,4 % 7,5 União Europeia 16,1 20,5 China 15,1 14,5 EUA 10,7 15,1

México / República da Cor 3,4 4,5

Fonte: OMC, 2013a.

Com base nas políticas nacionais aplicadas pelo Brasil e pela Argentina e nos dados econômicos e sociais, com ênfase no comércio exterior, analisados nos subcapítulos 3.2 e 3.1, respectivamente, é possível avaliar, a seguir, o impacto das primeiras sobre as relações internacionais do Brasil e da Argentina através do MERCOSUL e seus reflexos no desenvolvimento regional.

3.3 A Interferência das Políticas Nacionais sobre as Negociações Internacionais no