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2.3 Comércio e Desenvolvimento

2.3.1 Noções introdutórias

Num momento em que o mundo está cada vez mais globalizado, considerando-o parte de um sistema aberto e em constante evolução, os elementos que o constituem, apesar de muitas vezes serem independentes, estão sempre interagindo. Assim, o que acontece num ponto repercute em outro, estabelecendo-se um novo ponto de equilíbrio e uma nova ordem. O mesmo ocorre em se tratando do comércio internacional, que promove o crescimento econômico e esse, por sua vez, repercute sobre o desenvolvimento de uma nação.

Tendo o comércio e o desenvolvimento econômico como alguns desses elementos, sabe-se que a decisão tomada em uma dimensão interfere na outra e, por fim, as alterações ocorridas estabelecem um novo equilíbrio das coisas, com maior ou menor desenvolvimento econômico. Apesar da ciência a muito tempo considerar que os recursos naturais e o meio ambiente são finitos, questões referentes a esses temas, a degradação ambiental, entre outras, começam a ser o foco das atenções e dos compromissos internacionais à pouco tempo – um intervalo de tempo curtíssimo se comparado ao tempo de existência da vida humana sobre a superfície da Terra.

No ano de 1955, na Indonésia, realizou-se a Conferência de Bandung. A partir dela surgiram iniciativas de políticas públicas destinadas e próprias para países pobres ou periféricos. Nesse momento, o conflito Leste-Oeste, existente durante o período de Guerra

Fria, dá lugar ao conflito norte-sul, para expressar a ideia de um mundo dividido entre os países ricos e industrializados, do norte, e os países pobres e exportadores de produtos primários, do sul. Considerava-se, também, que as políticas propostas nos anos anteriores pelos países chamados “desenvolvidos” – no âmbito econômico – aos “em desenvolvimento” não contemplavam a realidade local, prejudicando e, de certa forma, agravando ainda mais a sua situação de subdesenvolvimento e dependência externa (ONU, 2011).

A partir dessa conferência, ficou claro que os assuntos internacionais, bem como os tratados ou acordos derivados das reuniões realizadas, devem ser sempre condizentes com a realidade local para que a implementação e fiscalização das políticas negociadas sejam realizadas de forma efetiva, e não caiam em desuso. Portanto, ao se negociar tratativas de soluções para os problemas presentes, deve-se considerar cada caso um caso, e não uma política única a nível mundial (ONU, 2011).

Tendo em mente que cada país deve aplicar um modelo de desenvolvimento a sua realidade socioeconômica, é necessário conceituar o termo. Só assim, pode-se inferir se um país está no caminho certo e adotando políticas em prol do desenvolvimento econômico e se o comércio exterior está sendo benéfico para tal. Ademais, o fato de a economia, como ciência, se preocupar com questões tanto de cunho econômico como social e ambiental, pois o próprio conceito convencional de ciências econômicas já previa a administração eficiente dos recursos escassos da natureza para satisfazer as necessidades insaciáveis dos seres humanos, destaca-se a necessidade de conceituar não apenas desenvolvimento, mas também crescimento econômico e desenvolvimento sustentável.

Conceituar esses termos e elucidar as diferenças existentes entre eles é de extrema relevância num momento em que os mesmos estão em voga e, muitas vezes, são empregados de maneira equivocada, como sinônimos, gerando controvérsias. Durante muito tempo, o crescimento econômico foi tratado como sinônimo de desenvolvimento. Porém, com as crescentes demandas da sociedade por melhores condições de vida, na medida em que o crescimento não se traduzia em benefícios para a sociedade como um todo, com a publicação do primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano, em 1990, e, também, com a criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é que os termos passaram a ser considerados distintos. Tornou-se evidente que as “[...] políticas de desenvolvimento deveriam ser

estruturadas por valores que não seriam apenas os da dinâmica econômica” (VEIGA, 2010, p. 32).

Crescimento econômico, resumidamente, nada mais é do que a simples acumulação de capital. Ele é visto como uma simples variação numérica do que é produzido ou gerado em uma economia, ou seja, envolve variáveis quantitativas (SOUZA, 2005). O crescimento econômico pode ser medido através do PIB, que representa a geração de riqueza de uma economia. No ano de 2010, o PIB do Brasil obteve um crescimento de 7,5% segundo o Banco Mundial (2013b). É importante destacar que a variação do PIB é calculada de um ano para o outro. Em 2010, para o cálculo dessa variação, utilizou-se como base o ano de 2009, ano em que a economia estava estagnada. Isso repercutiu no crescimento acentuado previsto para o ano de 2010. Já em 2011, o crescimento registrado foi de 2,7% (BANCO MUNDIAL, 2013b).

Já o desenvolvimento parte do pressuposto de que o avanço de um país não pode ser medido apenas considerando a dimensão econômica, pois associado ao crescimento econômico podem estar ocorrendo efeitos perversos como corrupção, excesso de burocracia, aumento da concentração de renda, entre outros fatores que nem sempre beneficiam a economia como um todo. Dessa forma, o desenvolvimento engloba questões sociais, culturais, políticas e ambientais, ou seja, variáveis qualitativas, relacionadas à qualidade de vida da população em geral (SOUZA, 2005).

De acordo com a visão liberal, “[...] desenvolvimento é sinônimo de maior bem-estar e maior seguridade social [...], mais possibilidade de configuração e mais opções na vida cotidiana, uma maior participação das pessoas em processos sociais, em decisões políticas, bem como na economia e na cultura” (ERKENS, 2007, p. 09). Tendo isso como base, o mesmo autor salienta que a ajuda e subsídio ao desenvolvimento devem ser temporários, pois reprimem a liberdade dos seres humanos e criam relações de dependência, não condizentes com o conceito de desenvolvimento, que visa a emancipação e a autodeterminação.

De acordo com Erkens (2007, p. 09), existem estudos empíricos que demonstram que “[...] sem um crescimento econômico sustentável por um período mais prolongado não pode haver nenhum desenvolvimento. Por isso, o fomento do crescimento [...] também faz parte

[...] da política de desenvolvimento”. Assim, o autor mostra a necessidade das economias gerarem crescimento para adquirirem recursos para o desenvolvimento.

Para que haja desenvolvimento, as condições gerais devem ser dadas, ou seja, os seres humanos precisam de estímulos e oportunidades. Estímulos, no sentindo de que podem ter a certeza de que o fruto de seu trabalho será seu. O próprio indivíduo, como sujeito social, tem a liberdade de escolher aonde investir o resultado de seu trabalho. Oportunidades, no sentido de que todos, sem exceção, teriam as condições políticas, econômicas, jurídicas e culturais para melhorarem. É claro que nem todos teriam interesse e capacidade apesar de dados os estímulos e oportunidades. Sempre existiram aqueles que dependeram de assistencialismo, mas “[...] há certamente um número suficiente de pessoas que sob melhores condições trilhariam o caminho na direção da autonomia [...] em vez de remanescerem por mais tempo na miséria e na dependência” (ERKENS, 2007, p. 45).

Da mesma forma, segundo Amartya Sen (apud VEIGA, 2010), a premissa para o desenvolvimento é a liberdade individual, a qual se verifica através de estímulos e oportunidades para as pessoas. Apesar de o crescimento econômico ser um meio importante para se atingir essa liberdade, não é o único, sendo também necessário outros determinantes, tais como: educação, saúde, direitos, redução da pobreza e da ineficiência dos Estados, entre outros já destacados. A carência de certos serviços públicos, a violação de direitos, a pobreza, entre outros, devem ser sanados, pois privam a liberdade individual.

Ninguém duvida de que o crescimento é um fator muito importante para o desenvolvimento. Mas não se deve esquecer que no crescimento a mudança é quantitativa, enquanto no desenvolvimento ela é qualitativa. Os dois estão intimamente ligados, mas não são a mesma coisa (VEIGA, 2010, p. 56).

Quanto ao adjetivo sustentável colocado ao lado do substantivo desenvolvimento, tem- se que a expressão foi consagrada no Relatório de Brundtland. Foi em 1987, com a emissão do referido relatório, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”, que o termo Desenvolvimento Sustentável foi conceituado da forma que é utilizado nos dias presentes, sendo aquele que “[...] satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, 1991, p. 46). Dessa forma, há necessidade de contemplar

não apenas a área econômica e social, mas também as questões ambientais, ecológicas, éticas, culturais, geográficas, territoriais e políticas.

Tendo esses termos discutidos, percebe-se a complexidade acerca dos mesmos e a fácil confusão que ocorre ao se analisar o que é progresso em virtude do crescimento econômico e o que realmente é o desenvolvimento que todos clamam. Que o crescimento econômico é necessário, é evidente. Porém, a questão não deveria recair sobre se o mesmo deve existir ou não. Diante de uma economia cujo sistema em vigor é o capitalismo, isso não é uma opção de escolha, mas o fator motriz e determinante de tal economia.

As questões deveriam ser até onde deve chegar esse crescimento. O mesmo deve ser incondicional ou tem um fator limitante? Seria esse limite os recursos naturais e a sobrevivência da vida no planeta? Essas questões seriam viáveis diante de um sistema capitalista? Haveria necessidade de mudanças ou alternativas de sistema econômico? Qual o papel dos indivíduos diante desses dilemas? Qual seria a solução plausível? Haveria uma solução ou o mundo está fadado a extinção?

Todas essas questões referentes ao crescimento e desenvolvimento são extremamente necessárias para as tratativas que dizem respeito ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. Porém, para determinar se um país é ou não desenvolvido de maneira sustentável, contemplando todas as esferas – econômica, social, ambiental, e outras –, utiliza-se indicadores de desenvolvimento.

Antes de abordar sobre os indicadores, suas contribuições e sua utilização, é necessário conceituar, de maneira geral, o que são indicadores. Segundo Hammond et. al. (1995 apud BELLEN, 2006, p. 41), “o termo indicador é originário do latim indicare, que significa descobrir, apontar, anunciar, estimar”. Assim sendo, os indicadores nada mais são do que ferramentas que visam analisar e mostrar os resultados de uma determinada variável ou variáveis no tempo. “Indicador é uma ferramenta que permite a obtenção de informações sobre uma dada realidade” (MITCHELL, 1996 apud SICHE et. al., 2007, p. 139).

Tendo a função de informar se determinadas variáveis estão se movimentando em direção a uma meta estabelecida ou não, os indicadores de desenvolvimento visam demonstrar

como os fatores estão se movimentando e se isso é sustentável ou não. Foram os Estados os grandes responsáveis pelo desenvolvimento de novos indicadores, visto que a mensuração desses era de grande valia para direcionar os investimentos públicos para onde eram efetivamente necessários. Novos indicadores, surgidos a partir da década de 1980, fazem com que os seus resultados extrapolem a esfera econômica e passem a considerar outras dimensões de grande relevância, como a esfera social e ambiental (SILVA; SOUZA-LIMA, 2010). Já na década de 1990, na iminência de uma crise ambiental mundial, começou, então, a ser defendida a ideia de desenvolvimento sustentável e a elaboração de indicadores que procurassem contemplar variáveis dessa dimensão.

Tendo em vista a complexidade dos processos de crescimento, desenvolvimento e desenvolvimento sustentável, e, ao mesmo tempo, as suas inter-relações, evidencia-se a dificuldade de elaborar um indicador único e que represente a verdadeira realidade de um país e do mundo. Ademais, existem diversas variáveis que não deveriam fazer parte de um único indicador, como dizem Jha e Bhanu Murthy (apud VEIGA, 2007, p. 27), “variáveis causais e variáveis de impacto não deveriam ser misturadas no mesmo índice”. Além disso, “[...] índices compostos por várias dimensões [...] costumam ser contraproducentes, para não dizer enganosos ou traiçoeiros” (VEIGA, 2007, p. 22).

Apesar de não existir nenhum indicador que expresse o desenvolvimento sustentável em sua totalidade, mas em partes, e dos mesmos não serem consensuais, eles não podem ser desconsiderados. Os mesmos, adotados de forma conjunta, servem para análise do caminho que os países estão seguindo e das suas tendências. Também, “[...] os indicadores existentes já exercem papel fundamental nas relações de fiscalização e pressão [...] sobre governos e organizações internacionais” (VEIGA, 2007, p. 27).

O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH é um indicador que varia de zero a um; sendo que quanto mais próximo de um, maior é considerado o desenvolvimento. Considera três aspectos: a renda – por meio do PIB per capita; a longevidade – com base na expectativa de vida ao nascer; e a educação – através do índice de analfabetismo e da taxa de matrícula. É claro que esse indicador não abrange todas as variáveis de desenvolvimento, nem é um indicativo da “felicidade” humana. Porém, é útil para confrontar com o PIB, que engloba apenas a dimensão econômica, como também para servir como meio de comparação do Brasil

com os demais países, no caso a Argentina, por se tratar de uma referência mundial e de um indicador padronizado de avaliação e medição do bem-estar de uma população (SOUZA, 2005). Segundo o PNUD (2013), o IDH do Brasil em 2011 foi de 0,719, deixando o país em 84º lugar no ranking mundial. Países como Argentina e Uruguai, por exemplo, ocupavam a 45º, com um IDH de 0,797, e 48º posição, com IDH de 0,783, respectivamente. Comparado a nossos vizinhos, fica evidente a necessidade de melhora.

Em relação ao Índice de Gini ou Coeficiente de Gini, pode-se dizer que o mesmo é um indicador que mede a concentração de renda nos países. Ele analisa os resultados encontrados em uma escala que vai de zero a cem, sendo “cem” representante de concentração total da renda, onde um elemento detém toda a renda de um país, e “zero” corresponde a distribuição total e igual dos recursos de uma nação (SOUZA, 2005). O índice de Gini não tem uma periodicidade pré-determinada e é calculado por cada país individualmente. No caso brasileiro, mais especificamente, o índice de Gini é calculado pelo IPEA. Em 2009, conforme tabela abaixo, era da ordem de, aproximadamente, 55% no Brasil e 46% Argentina (BANCO MUNDIAL, 2013a).

Tabela 2 – Índice de Gini de países selecionados

(%) Descrição 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Brasil 59,42 58,78 57,68 57,42 56,77 55,89 55,07 54,69 - Argentina 53,79 54,72 50,18 49,28 47,72 47,37 46,26 46,13 44,49 China 42,59 - - 42,48 - - - - - UE - - - - Índia - - - 33,38 - - - - - Paraguai 56,67 56,88 54,00 52,45 54,85 53,31 52,05 51,04 52,42 África do Sul - - - - 67,40 - - 63,14 - EUA - - - - Uruguai 46,66 46,22 47,13 45,87 47,20 47,63 46,27 46,28 45,32 Fonte: BANCO MUNDIAL, 2013a.

Pode-se inferir que uma análise criteriosa dos indicadores de desenvolvimento, não de apenas um único específico, mas de um conjunto deles, possibilita tirar conclusões mais fidedignas e assertivas sobre a realidade mundial e/ou local. Permite, portanto, estabelecer políticas direcionadas as necessidades do local onde serão implementadas, considerando todas as óticas – econômica, social, ambiental, entre outras.

Dessa forma, é possível analisar se estamos aptos e no caminho certo para apresentar um elevado crescimento econômico com desenvolvimento sustentável, lembrando que crescimento não pode ser confundido com desenvolvimento e que não adianta crescer sem se desenvolver. Ambos devem sustentar-se ao longo do tempo, de forma a gerar melhorias e benefícios na vida das pessoas, tanto no presente, como no futuro.