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4.5 As bibliotecas móveis da Gulbenkian

4.5.2 As primeiras bibliotecas rolantes

Após a implantação da República, em 1911, proclama-se o propósito de as bibliotecas tornarem os livros úteis aos cidadãos, permitindo o acesso aos livros e a leitura domiciliária. Surge, como já vimos a primeira referência a coleções e a bibliotecas móveis.

Em 1953 o primeiro “carro biblioteca” começou a circulação nas escolas e lugares centrais de Cascais, devido às tertúlias entre Aquilino Ribeiro, Leão Penedo, Assis Esperança e António Barquinho da Fonseca, do qual partiu a ideia e foi encarregue de a pôr de pé, este processo. Em 1958 foi criado o serviço de bibliotecas móveis pela Fundação Calouste Gulbenkian (F.C.G.) sob a sua direção. O seu objetivo foi não ensinar a ler os Portugueses, mas sim de lhes dar que ler, o que era talvez mais importante, bem como desenvolver e promover o prazer pela leitura e elevar o nível cultural dos cidadãos através do livre acesso às estantes, empréstimo domiciliário e serviços gratuitos. Pois tratava-se de um problema com incidências sociológicas, psicológicas e educativas e económicas que era necessário eliminar através de uma função dinamizadora e diplomática junto da população.

fim facilitar o acesso ao livro, e leva-lo o mais possível à intimidade do leitor onde quer que ele se encontre, fornecendo elementos de cultura contribuindo para a sua formação

O objetivo inicial das bibliotecas itinerantes foi motivado sobretudo pelo facto de grande parte das populações não terem tido antes contato com este tipo de serviço, tornando-se essencial que a biblioteca se deslocasse até elas.

O objetivo deste serviço era o leitor e as suas efetivas necessidades, desde a falta de tempos livres à escassez de meios de deslocação. Por outro lado, devido ao valor material do livro, este era acessível, na época, apenas às classes mais favorecidas. Estas surgiram com os objetivos da difusão da leitura pela ação de livrarias ambulantes, mobilização da leitura domiciliária. As bibliotecas itinerantes ou carros-biblioteca levavam a bordo cerca de dois mil volumes arrumados nas estantes. Nas prateleiras de baixo, encontram-se os livros para crianças, nas prateleiras do meio a literatura de ficção, de viagens e biografias e, por fim, nas de cima os livros menos procurados, de filosofia, poesia, ciência e técnica.

Circulavam por territórios que abrangiam mais do que um concelho, permitindo, após o cumprimento das formalidades de inscrição e requisição, o empréstimo dos livros por períodos de um mês, prorrogáveis, sendo até possível efetuar reservas.

Em 1961 a população que sabia ler e que gostava de ler, vivia do alimento precário de influências mal definidas e por vezes contraditórias, da leitura nem sempre instrutiva dos jornais e do saber tradicional. Este mais respeitável porque era fundado num bom senso e na experiencia acumulada pelas gerações e transmitida pela tradição oral. Mas na verdade, é que eles eram, só por si, insuficientes.

O pessoal que assegurava o funcionamento destas unidades móveis, era constituído por dois elementos: o auxiliar e o encarregado, este último responsável pela biblioteca, a quem competia orientarem o leitor nas suas escolhas de leitura. O encarregado não necessitava de qualquer curso específico, apenas precisando de ser alfabetizado, evidenciar alguma cultura geral, gosto pelo livro e predisposição para o contacto com o público. Entre eles incluíram-se grande número de intelectuais reconhecidos como Alexandre O’Neil ou Herberto Hélder.

“Lembro-me ainda da inauguração da Biblioteca Itinerante n.º 49, em São Roque, Funchal, com a presença das autoridades do Distrito e Senhor Bispo da Diocese. A viatura-biblioteca chegou ali pelas 14 horas e dali só pode regressar por volta das 4 horas da manhã seguinte. Tivemos de comer por turnos. Era a curiosidade. Tratava-se de um acontecimento novo e inédito. Era ao mesmo tempo o contraste cidade/campo.” (Campanário,

1984: 48)

As bibliotecas itinerantes, com os pontos de apoio as bibliotecas fixas, vieram de certa forma, tentar solucionar esse problema, pois uns nação vale mais pela importância e variedade dos seus valores morais, mentais e espirituais do que propriamente pela riqueza material. Desta forma, a tarefa que se impunha consiste em alargar o mais possível essa riqueza, até agora apenas beneficiada pelas que podiam ter uma educação oficial de grau superior. As bibliotecas itinerantes surgem como um complemento das escolas que pela variedade da leitura muitas vezes permitiram a descoberta de vocações, facilitando critérios de opção de escolha das profissões ou o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos.

O povo português reconheceu a magnitude da sua obra e do que ela representava para a sua valorização e por isso a recebeu de braços abertos.

As primeiras bibliotecas itinerantes começaram a invadir o país, como uma epidemia imparável, no entanto surgiram como verdadeiras expedições e sempre para localidades previstas como centros de uma região a ser servida por uma biblioteca itinerante e ai junto das autarquias, dos professores encontrar apoios, instituições, ajudantes e estabelecer itinerários.

Era contudo um projeto ambicioso utópico pois seria quase impossível deslocar para pequenas cidades e vilas distantes dos grandes centros. Mas a solução encontrada – recorrer a pessoas da própria vila, cidade ou região – segundo um perfil o mais adequado acabou por corresponder ao que era pretendido. Desta forma depois de ter dado início ao serviço das bibliotecas móveis, a fundação criou uma rede de bibliotecas fixas em edifícios municipais que cobria o país inteiro deixando de fora os grandes centros, onde havia já bibliotecas, universidades, livrarias e liceus.

A Fundação Calouste Gulbenkian estabeleceu parcerias com as autarquias, através das quais estas últimas cediam instalações para depósito dos livros e pontualmente contribuíam no pagamento de despesas, ao passo que a Fundação arcava com o grande ónus das expensas (fornecer o acervo de obras, o biblio-carro, pagar os honorário do pessoal, o combustível, despesas de manutenção e conservação, etc.) A Gulbenkian substituía-se assim ao Estado ao criar uma rede de bibliotecas, até porque o Estado não estava muito interessado na formação de cidadãos plenamente esclarecidos e informados.

Durante a ditadura salazarista, que assentava a sua ação na manutenção da censura e do obscurantismo da sociedade portuguesa, o livro e a leitura eram um luxo e também, uma atividade arriscada. Foi, no entanto, a ação levada a cabo pela F.C.G. que dotou o país de uma rede de bibliotecas coerente, com o objetivo principal de alcançar a promover o gosto pela leitura.

A partir do início da década de 70 o projeto Serviço de Bibliotecas Itinerantes vê a sua sustentação fragilizada no seio da Gulbenkian, pois esta pretendia que as despesas fossem repartidas com o poder central e local. Em 1974 chegou mesmo a haver uma reunião onde se discutiu a extinção do serviço. Contudo, com a eclosão do 25 de Abril, a situação mudou radicalmente e o serviço manteve-se, sofrendo algumas reestruturações. No período de 1981 a 1996 em que Vergílio Ferreira foi diretor do Serviço de Bibliotecas Itinerantes, foram enfatizadas a animação da leitura e a difusão literária e cultural e reforçadas as atividades de promoção da leitura e dos livros (exposições, debates, encontros com autores, leitura de contos e poesia, etc.) nas bibliotecas Gulbenkian. Em 1983 o S.B.I. foi renomeado Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian (S.B.I.F.). Vergílio Ferreira foi um defensor da manutenção do projeto das bibliotecas Gulbenkian, pois entendia que a proposta lançada pelo I.P.L.L. não era uma alternativa completa, dado não cobrir então todo o país (excluía as regiões autónomas) e por não ter um serviço de unidades itinerantes.”

Em 1983, a obsolescência e o declínio da rede de bibliotecas itinerantes e fixas da F.C.G. os baixos índices de leitura, aliados à elevada taxa de analfabetismo; a ausência da questão das bibliotecas públicas no discurso político, conduziu alguns profissionais

Leitura Pública em Portugal. Neste documento apelou-se à sensibilização das autoridades nacionais e locais, assim como à opinião pública em geral para a inexistência de uma prática de leitura pública e de espaços adequados em Portugal. Deste modo, em 1987 deu-se início à prática do Programa Nacional de Leitura Pública (P.N.L.P.) que emanava de uma estratégia claramente definida, explicitada no relatório Leitura pública: rede de bibliotecas municipais, da então Secretaria de Estado da Cultura, de dotar o território continental português de modernas bibliotecas públicas. O P.N.P.L. consiste na edificação de uma biblioteca pública municipal, através da partilha dos custos entre a administração central e a administração local.

A implementação gradual do Programa Nacional de Leitura Pública, a partir de 1987, que visava a construção de bibliotecas de feição mais moderna de acordo com os princípios de Manifesto da UNESCO contribuiu para o decréscimo progressivo do número de efetivos da SBIF que se vinha registando desde o início da década. Por outro lado muitas das nova biblioteca da Rede Nacional de Leitura Pública começaram a integrar o serviço de biblioteca itinerante. Contudo em muitos dos casos a gradual ausência das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian das povoações, não foi colmatada pelos novos serviços móveis, sobretudo nos povoados mais periféricos. Em 1993 o S.B.I.F. passava a Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura (S.B.A.L.) e em 19 de Dezembro de 2002 era definitivamente extinto.

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