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4.3 João de Deus Ramos e as Escolas Móveis

4.3.2 O 1º Jardim Escola João de Deus

Casimiro Freire, republicano desde 1862, foi fundador do primeiro Centro Republicano no nosso país, em 1876, de parceria com Oliveira Marreca, Sousa Brandão, Bernardino Pinheiro e Elias Garcia, entre outros, e desde sempre lutou pela instrução popular e pelos princípios republicanos. Em 1881 denunciou a incúria dos governos monárquicos para combater a analfabetismo no país, publicou em O Século os artigos denominados a ―A Instrução do Povo e A Monarquia, que deram origem às Escolas Móveis (Boletim Propaganda, 1918-1919: 1). Publicou no Século uma série de artigos sob o título João de Deus e a Gratidão Nacional. Dessa persistente e humana campanha resultou a apoteose ao imortal lírico português (Correio do Sul, 1958, Fevereiro 13: 2). As suas campanhas sobre a instrução continuaram nos jornais O Século, Vanguarda e O Mundo, entre outros. Propôs que fossem enviados aos mais recônditos lugares, missões de professores habilitados pelo método João de Deus, e ensinassem o povo a ler e escrever. Grande amigo e admirador de João de Deus, este homem, de espírito ativo e progressista, foi um incansável lutador contra o analfabetismo, contestou o estado lastimável em que se encontrava o país, em especial no campo da instrução.

Assente naquela convicção, resolve criar a Associação das Escolas Móveis, a qual, agindo pelo método João de Deus, tinha como escopo levar a instrução e o ensino das primeiras letras a todos os lugares carecidos, utilizando a Cartilha Maternal. Esta associação, seria alheia a fins políticos e religiosos, propondo-se levar o pão do espírito a milhares de famintos de luz que, de um extremo ao outro do país.

Para que aquele projeto se tornasse exequível é lançada em 1881, pelo jornal O Século, uma subscrição pública para a criação de uma Escola Nacional pelo Método João de Deus. A partir desta iniciativa, Casimiro Freire lança, a 18 de Maio de 1882, as bases da Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, cujos estatutos viriam a ser aprovados pelo governador civil de Lisboa, Caetano Alexandre de Almeida Albuquerque, por Alvará emitido a 16 de Agosto de 1882.

"(...) reuniram-se algumas dezenas de cidadãos e fundaram a Associação de Escolas Móveis, com o fim de ensinar a ler, escrever e contar pelo método de admirável rapidez, do Senhor Dr. João de Deus, os indivíduos que o solicitarem, até onde permitam os seus meios económicos, enviando nesse intuito às diversas povoações da nação portuguesa professores devidamente habilitados – não se envolvendo em assuntos políticos, nem quaisquer outros alheios ao seu fim". (Escritura de Constituição de Escolas Móveis pelo Método Educativo João de Deus, Maio de 1882)

Com o propósito de divulgar a Cartilha Maternal e de preparar os professores para a sua utilização, João de Deus Ramos colabora com Casimiro Freire na Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, realizando uma série de Conferências Pedagógicas de Norte a Sul do país e Ilhas, prontificando-se a ir às sedes dos Círculos Escolares ou de quaisquer conselhos, sempre que fosse convidado.

“…filho do poeta João de Deus presta-se ir, gratuitamente, dar explicações do método de seu pai a todas as partes onde a sua presença seja reclamada pelos professores e todas as cabeças do concelho que o chamem” (Soberania do Povo, 1905, Setembro 24: 1).

Sobre estas atividades pedagógicas realizadas por João de Deus Ramos, podemos ler: “E quem anda alegre e contente é o nosso Casimiro Freire, fundador das Escolas Móveis. O rapaz lá vai para Braga, o rapaz não descansa, diz ele enternecido. O rapaz é o Dr. João de Deus Ramos, que anda a fazer bem sem olhar a quem (p. 1).” Meneses (1905, Outubro 3)

João de Deus Ramos é filho do inimitável lírico e pedagogo que João de Deus foi provou a sua extraordinária atividade, na propaganda do método, esclarecendo sempre e expondo com brilhantismo a Cartilha, e fazendo impor pelo agrado inativo da sua palavra eloquente. O seu grande objetivo é completar de uma vez a obra grandiosa de seu pai, seguindo as linhas gerais por ele tracejadas. Do seu trabalho de propaganda tem resultado em grande parte a prosperidade da Associação, nestes últimos tempos.

Cumpridos os respetivos procedimentos de legalização, do alvará constava que o Governador Civil do Distrito de Lisboa determinava, como era de regra, que:

“A Associação fica sujeita nos termos de direito à fiscalização administrativa, e a ser-lhe retirada a aprovação logo que se desvie dos fins para que se constitua, ou deixe de cumprir os deveres que lhe são impostos pelos seus estatutos (Alvará, 1882).”

A Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, única do género em terras portuguesas, foi a entidade responsável pela organização de missões de professores habilitados a ensinar crianças e adultos pelos métodos de aprendizagem da leitura e da escrita propostos pela Cartilha Maternal. Esta instituição realizou as suas missões de alfabetização em Portugal Continental, nas Ilhas, nas Províncias Ultramarinas e no Brasil. Era sustentada por um grupo de beneméritos e correligionários políticos, que combatiam a ineficiência das instituições monárquicas no campo do ensino; sobrevivia também das quotas dos sócios. No artigo 2.º do Estatutos (1882:4) pode ler-se que: …”A cota mínima para os sócios de primeira classe é de 100 réis por mês, pagáveis ao semestre ou ao ano.”

Para além do valor das quotas, a Associação beneficiou de muitos donativos e legados, vindos de todo país e, também e principalmente, do Brasil, apesar do que nunca desfrutou de uma vida financeira desafogada. Embora com poucos recursos, nunca perdeu continuidade e foi a ― tenacidade e a dedicação do seu fundador que a fez vingar (Barros,1911).

Pode ler-se num dos jornais da época um agradecimento dirigido aos nossos compatriotas no Brasil, que na sua parte útil dizia:

“…A Direcção da Associação das Escolas Móveis pelo método João de Deus, não poderá deixar de agradecer-vos uma vez mais o valioso auxílio de um conto de reis fortes que acabais de enviar-lhe, por conta da subscrição aberta entre os nossos beneméritos compatriotas, o que prova não só o altruísmo e o patriotismo sempre vivo dos portugueses que residem no Brasil, como também as vossas superiores qualidades de homens intelectuais e amantes da instrução.

Nem sempre os governos portugueses têm dedicado à instrução pública o cuidado que ela deve merecer; as lutas partidárias e quiçá a preguiça têm permitido que o ensino não alcançasse ainda entre nós o desenvolvimento que tem em outras nações. (O Mundo, 1905, Setembro 29: 2)”

Muitos foram os professores e intelectuais da época que criticaram o método do poeta João de Deus, mas também, muitos foram os que o apoiaram.

”…Foi a compreensão da racionalidade e da facilidade da Cartilha Maternal que levou Casimiro Freire à fundação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus. Esta ideia foi baseada numa experiência desenvolvida na Suécia, que foi fervorosamente abraçada por destacadas personalidades do nosso país “ (Barros 1911: 120).

Ainda segundo João de Barros (1915, Janeiro, Fevereiro e Março), quando Casimiro Freire lança as bases da Associação das Escola Móveis pelo Método João de Deus, ela não representava apenas um esforço de ordem pedagógica. Politicamente, representavam a aspiração oculta do povo por uma era de liberdade e de moralidade governativa. Representavam também o desejo duma orientação pública nitidamente nacional e nacionalizadora.

Considera um jornalista, também ele republicano e patrocinador da Associação das Escolas Móveis, que:

“Ser analfabeto é não ter vida social; é viver por si e para si; é ignorar a grandeza como bem-estar da sociedade; é desconhecer os méritos dos seus semelhantes; é não saber utilizar-se do apoio e auxílio e produto dos seus compatrícios; é viver uma vida de retrógrado, uma vida estacionária, uma vida paralítica” (Neto, 1907: 18),

O poeta João de Deus criou um método para emancipar a criança da servidão escolar. E Casimiro Freire utilizou-a como elemento de emancipação política e social. Se um é o pensamento, o outro representa a ação. Ainda para aquele autor, por onde passaram as missões desta instituição, gerou-se um clima de liberdade, e a “Acção das Escolas Móveis foi eminentemente educativa e superiormente revolucionária” (Oliveira;191: 1). Porque no seu entender:

“Numa sociedade parca de dirigentes, eivada de vícios de lógica e carecida de orientação, João de Deus Ramos entendeu, e bem, que tudo estava por fazer em matéria de educação e ensino, e que era indispensável, para fazer trabalho de jeito começar- pelo começo…isto é: educar desde a infância, orientar desde o instante em que a criança desabrocha e, avida de abraçar e interpretar o mundo, recolhe e busca todo e qualquer alimento emocionante” (Barros,1915:8)

Casimiro Freire pretendeu abranger o país prosseguindo com persistência o ensino móvel, na tentativa de tirar Portugal do baixíssimo nível cultural em que este se encontrava. Assim o seu objetivo era alcançar os instrumentos necessários a uma educação popular.

…”Ensinar a ler, escrever e contar, pelo método João de Deus os indivíduos que o solicitarem, até onde o permitam os seus meios económicos, enviando neste intuito às diversas povoações da nação portuguesa professores, devidamente habilitados” (Estatutos; 1882: 1).

A primeira missão da Associação foi organizada em Castanheira de Pera a 24 de Novembro de 1882, com dois cursos, um diurno e outro noturno, com a frequência global de cinquenta alunos, e foi a resposta a um pedido do Visconde de Castanheira de

Pera, um industrial abastado que, preocupado com a falta de instrução dos operários da sua fábrica, e dos seus conterrâneos em geral solicitou que ela ali se realizasse e para tanto

“…Forneceu, com notável generosidade, casa, mobília e a importância das despesas de expediente, tendo a Associação apenas sobre si o ordenado dos professores” (Relatório e Contas, 1882-1883: 1).

As missões de ensino das Escolas Móveis eram normalmente desencadeadas a partir de solicitações oriundas de entidades públicas ou particulares, tais como Câmaras Municipais ou Juntas de Paróquia. Por vezes, a Associação enviava espontaneamente, ou a pedido de uma ou outra comissão, um professor seu devidamente habilitado à localidade para onde fora requisitado ou onde a Associação entendesse por bem instalar uma escola.

“As Escolas Móveis podiam funcionar em escolas oficiais, em horários que não colidissem com os das ditas escolas, ou então em casas particulares que eram arrendadas para esse fim.” (Relatório e Contas, 1882-1883)

Devido às dificuldades em arranjar um lugar onde se ministrassem as aulas, e no intuito de melhorar o funcionamento das Escolas Móveis, houve uma nova orientação: a criação de pavilhões desmontáveis, que dentro de cada concelho percorriam os lugares onde havia mais necessidades.

Aliás, a falta de verbas, a carência de recursos necessários, parecem ter sido uma constante na vida da Associação, como nos testemunha o seguinte extrato:

“As Escolas Móveis apenas, modestamente, sem pompas e sem estourar de foguetes, se dispõe a ir por essas terras fora deste país de analfabetos levar um pouco do pão espiritual que faz cidadãos, da luz que faz almas. Apenas se dispõe a ensinar a ler, escrever e contar no intuito nobilíssimo de concorrer para que se ilumine um pouco o céu moral português até hoje e ainda hoje encoberto pelas trevas espessas e vergonhosas da ignorância mais criminosa. E sendo esta a sua missão, e sendo esta a missão mais alta, a mais bela e a mais nobre, ela não pode ser cumprida como devia de ser porque à Associação não

Foram apesar de tudo muitos os republicanos que apoiaram dedicadamente esta Associação.

Considera Lopes de Oliveira (1913, Outubro, Novembro e Dezembro) que Casimiro Freire foi um dos homens que mais defendeu a causa da República, emancipando o ensino popular com a criação das Escolas Móveis:

João de Deus criara um maravilhoso método, emancipando a infância da servidão escolar. Casimiro Freire utilizou-o como elemento de emancipação política e social. Nas terras onde passaram as Missões da Associação das Escolas Móveis o amor da instrução com o amor da liberdade se gerou.

João de Deus Ramos, contemporâneo de Decroly e Montessori foi o impulsionador em Portugal de um movimento de interesse pelas crianças e criou uma escola que cultivava o espirito da fraternidade humana e da solidariedade.

Em 1911, Ramos funda o 1º Jardim - Escola, ainda hoje uma das mais notáveis realizações pedagógicas.

A Associação das Escolas Móveis, pelo método João de Deus como afirma João de Barros impulsionou o aparecimento dos Jardins - Escolas.

Os traços fundamentais que caraterizavam o ensino nos Jardins - Escolas João de Deus são os que ainda hoje os sustem: a intenção social (preocupação pelo desenvolvimento das classes mais desfavorecidas); o culto pelos valores nacionais: a expressão gráfico- pictórica e verbal. A filosofia pedagógica pretende desenvolver a ligação da criança ao meio. A aprendizagem tem que ser feita pelo raciocínio e não por aquisições de noções verbalizastes.

A obra das Escolas Móveis não se limita ao ensino que ministrou a alguns milhares de portugueses. Ela foi sobretudo um grande exemplo cívico que, desprezado pelos dirigentes monárquicos, tornou-se um incentivo para todos os patriotas que pela república combatiam. A ação das Escolas Móveis foi eminentemente educativa e superiormente revolucionária.

João de Barros (1916) reconhece a obra das Escolas Móveis e considera-a como uma bela tentativa de educação republicana (p. 118). Concordando com João de Barros,

Proença (1998) vê nesta instituição um importante veículo da propaganda republicana, e apelida de:

”…Injusta a crítica que lhes era movida pela organização associativa de professores primários sobre a deficiente preparação dos seus docentes” (Barros, 1916:60).

A larga experiência e o sucesso obtidos pelas Escolas Móveis pelo Método de João de Deus tiveram um grande significado nas décadas da viragem do século, influenciando a politica republicana, referente ao plano da educação popular, tendo sido criadas as escolas moveis oficiais.

Meses após a implantação da República, de 1911, é publicado um decreto emanado da Direcção-Geral da Instrução Pública, em cujo preâmbulo pode ler- se que o homem vale, pela educação que possui, pois só ela é capaz de desenvolver as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhes ao máximo em proveito dele e dos outros.

Este decreto, atende ao êxito das Escolas Móveis criadas por Casimiro Freire e institui as escolas móveis oficiais, como se prevê na parte final do seu artigo 31º:

“…Não podendo, por quaisquer motivos, estabelecer-se, em determinadas freguesias, escolas primárias fixas, nos termos do artigo antecedente, criar-se- ão cursos temporários ou escolas móveis, que funcionarão, pelo menos, dez meses consecutivos.

Segundo Carvalho (1986), a criação das Escolas Móveis Oficiais veio ―enfraquecer a atividade das Escolas Móveis particulares”(p. 672).

As Escolas Móveis oficiais, que no início da sua implantação foram apoiadas pela Maçonaria e pelos republicanos conservadores, passam, a partir de 1915, a ser fortemente criticadas pelos professores dos ensinos primário e normal e por alguns pedagogos, entre os quais Álvaro de Lemos e João da Silva Correia. O professorado advogava que os professores que lecionavam nas escolas móveis não tinham formação suficiente e insurgia-se contra a forma como tais escolas foram organizadas. Entretanto, as controvérsias provocadas pela criação destas Escolas Móveis Oficiais

“…Tiveram o mérito de alertar a população para o pavoroso cancro do analfabetismo, contribuindo para o aumento da procura da educação” (Nóvoa, 1988: 33).

António Nóvoa (1988) considera que a criação das Escolas Móveis Oficiais foi uma das realizações mais notáveis da obra educativa republicana no combate ao analfabetismo. Como se disse, embora a Associação das Escolas Móveis fosse sustentada pelos sócios e por donativos de origem vária, sempre lutou com dificuldades financeiras, agravadas estas pela crise que abalou o país após a Primeira Guerra Mundial. Com a implantação da República, os cidadãos achavam que era da responsabilidade do governo acabar com o analfabetismo. Esta ideia fez com que a Associação fosse perdendo sócios e outros apoiantes, pelo que a crescente diminuição de recursos acabou por paralisar a ação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, cuja última missão teve lugar no ano escolar de 1920-1921.

“João de Deus Ramos lançou as bases de uma escola Nacional Moderna. Nela se praticam grandes virtudes das democracias: o respeito pela personalidade humana, desde o seu vago início na criança que é a liberdade; o culto da pátria; que é o civismo; o mútuo auxílio e assistência na vida, que é a solidariedade.” (Carvalho,2001:669)

Muitos foram os que reconheceram a João de Deus Ramos capacidades intelectuais, cívicas e políticas de elevado nível. Júlio Dantas, em 1896, afirmava: “ João de Deus e João de Deus Ramos são dois grandes nomes da história da pedagogia portuguesa: um o pensamento, o outro a ação; um criou o método, outro a escola”.

João de Deus faleceu a 15 de novembro de 1953.0 Diário Popular deu a notícia com as seguintes palavras:

“Embora à custa de grandes sacrifícios e canseiras, realizou o seu sonho ( ... ) defendendo com amor e com ternura, um ide de pureza e de solidariedade humana - os Jardins-Escolas, onde as crianças a brincar, aprendem a ler”.

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