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4.3 As produções acadêmicas da BDTD

As produções destacadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – BDTD foram quatro, duas dissertações de mestrado e duas teses de doutorado. Estas foram as únicas produções que ressaltaram no contexto de discussão da pesquisa a obrigatoriedade da matrícula para as crianças a partir de quatros anos de idade. Uma nova realidade educacional que implica diretamente na oferta, no atendimento e nas práticas desenvolvidas na pré-escola da Educação Infantil brasileira, bem como no segmento da creche. Assim como poderemos visualizar nas apresentações das produções que seguem abaixo.

A Dissertação de Mestrado “A Educação Infantil a partir da Obrigatoriedade Escolar: concepções de currículo, infância e criança (e o desempenho do “ofício de aluno”) em documentos oficiais” de Feliponi (2013), do Programa de Pós-Graduação em Educação da FURB, sob a orientação da Professora Doutora Rita de Cássia Marchi, se insere nos estudos da Sociologia da Infância, das Teorias de Currículo e da História da Educação Infantil no Brasil. Neste sentido, a autora instiga-se a partir da nova lei que determina a frequência escolar obrigatória a partir dos quatro anos de idade a investigar que concepções de infância, criança e currículo apresentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI e a Proposta Curricular para a Educação Infantil do município catarinense.

Para tanto, buscou-se conhecer a história da Educação Infantil e os processos de escolarização da infância; analisar as concepções de infância e criança presentes nas DCNEI e na Proposta Curricular de um município catarinense; e discutir os sentidos de currículo para a Educação Infantil a partir da frequência escolar obrigatória para as crianças de quatro e cinco anos de idade e suas implicações na construção precoce do “ofício do aluno”. Dessa forma, o estudo se configurou com uma abordagem qualitativa e uma pesquisa documental, e para a leitura e interpretação dos dados, utilizou a análise de conteúdo.

Neste sentido, o estudo de Feliponi (2013) apontou que, é verdade que as crianças estão frequentando mais cedo as instituições de Educação Infantil, pois a frequência escolar obrigatória aos quatro anos de idade leva a criança a exercer, desde a pré-escola, o chamado “ofício de aluno”. Entretanto, as DCNEI defendem que as instituições de Educação Infantil devem promover o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças por meio de práticas educativas que valorizem o cuidado e a educação, mas que não antecipem práticas escolarizantes atreladas ao ensino fundamental.

A autora colocou que ao analisar a Proposta Curricular, verificou-se que este documento foi elaborado a partir das orientações dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e sua organização se configura com uma estrutura do ensino fundamental. Dessa forma, as discussões presentes sobre infância e criança em ambos os documentos analisados, reconhecem a criança como ator social e a infância como uma construção social e histórica. No entanto, um paradoxo se instala, tanto nas DCNEI, como na Proposta Curricular, pois “esperamos que as crianças, através de mais educação, deem continuidade à ordem social vigente e, ao mesmo tempo, transformem o mundo em um lugar melhor. Ou seja, atribui-se à futura geração de adultos uma significativa carga de responsabilidade” (FELIPONI, 2013, p. 106).

A partir da exposição desse estudo verificamos que a entrada da criança mais cedo na educação obrigatória corrobora para a precoce escolarização por meio de práticas desenvolvidas nas turmas do ensino fundamental, o que descaracteriza a Educação Infantil como etapa de educação e cuidado da criança pequena, como aponta a autora.

A Tese de Doutorado de Fernandes (2014), “A Identidade da Pré-Escola: a transição para o ensino fundamental e a obrigatoriedade de frequência”, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da UFRGS, sob a orientação da Professora Doutora Maria Carmen Silveira Barbosa, foi produzida a partir de uma pesquisa qualitativa, na qual se buscou investigar quais os significados presentes nas narrativas dos atores dos processos educativos (supervisores da Secretaria Municipal de Educação, equipe diretiva de escolas, professores, crianças e famílias) sobre a pré-escola, incluindo a concepção de transição para o ensino fundamental, bem como estes definem a identidade da pré-escola, diante da obrigatoriedade da frequência.

Esta pesquisa foi realizada em um município do interior do Rio Grande do Sul e contou com a participação de 17 adultos, profissionais da educação e representantes das famílias, e dois grupos de crianças que frequentavam o primeiro ano do ensino fundamental e a pré- escola. Onde foi realizadas entrevistas com estes participantes acompanhadas do diário de campo que serviu como instrumento para captar o contexto pesquisado, registro por meio de fotografias do espaço e documentos administrativos. Foram interpretados e analisados através

de categorias elencadas pela autora do presente estudo, partindo da configuração das entrevistas, organizada em dois eixos narrativos dos atores do processo educativo: as concepções e ações acerca da pré-escola; e as concepções de infância e criança, de transição entre a Educação Infantil e o ensino fundamental e de obrigatoriedade de frequência de crianças a partir dos quatro anos de idade, bem como a perspectiva das crianças e suas relações com a escola.

A pesquisa de Fernandes (2014) compreende que a pré-escola, ao se tornar obrigatória, passará por transformações não apenas quanto às questões político-administrativas, mas principalmente pedagógicas que provavelmente implicará em sua identidade. Dessa forma, a autora entende a identidade como algo que é formado e transformado continuadamente, pois não é possível considerar a existência de uma identidade totalmente unificada, completa, segura e coerente. Neste sentido, as práticas pedagógicas da pré-escola, não podem ser reduzidas ao sinônimo de ensino, muito menos como período preparatório para a vida e escolaridade das crianças pequenas.

Para tanto, a autora parte de uma leitura da Sociologia da Infância, a qual compreende a criança como ator social competente, e parte da perspectiva do construcionismo social, a qual compreende o conhecimento não como algo absoluto e imutável para ser transmitido, mas produzido pelas experiências que as crianças estabelecem com o mundo.

Para Fernandes (2014), a identidade da pré-escola foi formulada por diferentes discursos, históricos, políticos, econômicos e pedagógicos, na diversidade dos atores participantes da pesquisa, e que dentre tantas narrativas, foi possível perceber o predomínio de uma identidade da pré-escola como preparatória. Assim como podemos visualizar em sua fala abaixo:

Parece haver o entendimento literal de que, na pré-escola, apesar de seu nome somente identificá-la como etapa anterior à escola, o que ocorre é a legitimação de uma pré-escolarização, ou seja, ações pedagógicas que possuem sua ênfase em situações de preparação para a aprendizagem de leitura e escrita, como também de matemática e conhecimentos escolares pertencentes ao currículo do ensino fundamental (FERNANDES, 2014, p. 211).

A autora aponta que as ações pedagógicas realizadas nos espaços educativos da pré- escola são estreitamente voltadas ao controle do corpo e ao treino de habilidades para a escrita. Na verdade a pré-escola parece que realmente possui a tarefa de adaptação à futura escola, desconsiderando o fato das especificidades das idades das crianças que frequentam este segmento da Educação Básica. Assumindo uma identidade apontada pelos participantes como preparatória, o que significa dizer, “ser preparatória para a alfabetização e as etapas

posteriores da vida, o que, diante da obrigatoriedade de frequência tende a ser aprofundada” (FERNANDES, 2014, p. 216).

Através desse estudo, podemos perceber que a identidade prevalecente na pré-escola é de preparatória tanto para a vida, quanto para os anos posteriores da escolarização da criança que frequenta estes espaços de Educação Infantil, e o que tende a ser intensificado com o processo de obrigatoriedade da frequência e matrícula das crianças a partir dos quatro anos de idade. Identidade esta que descaracteriza o papel dessas instituições de cuidado e educação.

A Tese de Doutorado de D’Almeida (2014), “A Obrigatoriedade da Educação Infantil: governamentalidade e refinamento das técnicas de governo”, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, da UERJ, sob a orientação da Professora Doutora Estela Scheinvar, é fruto da articulação de seus estudos realizados no curso de mestrado com os trabalhos que a autora desenvolve em quanto profissional da educação. Para tanto, indagou-se acerca do que se busca produzir com a obrigatoriedade da Educação Infantil como política pública para a infância, colocando em análise essa obrigatoriedade no país, com foco na institucionalização da criança desde a terna idade, onde se buscou correlacionar infância, educação, governamentalidade e o refinamento das técnicas de governo.

Dessa forma, teve como objetivo discutir a governamentalidade dos corpos infantis por meio das técnicas de governo, com foco no processo de obrigatoriedade da Educação Infantil no Brasil. E, como objetivos específicos: colocar em análise os documentos que fundamentam a obrigatoriedade desta etapa da Educação Básica; e discutir esta modalidade educacional no contexto do Estado de Direito, embasando as análises na institucionalização da criança desde a terna idade. Assim sendo, a autora optou por utilizar as ferramentas da análise institucional, proposta por René Lourau (1993), buscando colocar na análise suas implicações, o que a une ao campo da Educação Infantil enquanto direito das crianças de zero a cinco anos de idade, problematizando como ela mesma ressalta “a própria condição dos especialismos que atravessam e são atravessados pelas práticas que se concretizam nos estabelecimentos do atendimento” (D’ALMEIDA, 2014, p. 16).

A autora ainda fez opção pela perspectiva genealógica de Michel Foucault (1993), para análise dos objetivos traçados em sua tese, acreditando que não há “nascedouros” e sim uma série de movimentos, situações que vão ajudar a entender a produção da realidade posta. Uma vez que tendo como base essa perspectiva, ela compreende que qualquer que seja a história da infância, ou as histórias das infâncias, será possível encontrar diversos enunciados acerca da criança e das práticas pedagógicas que se configuram como do universo infantil, conformando paradigmas e paradoxos tendo a infância como fenômeno da modernidade. Pois, como a

autora ressalta, “a história não é concebida por uma linearidade dos fatos, mas para ligar fatos às relações produzidas por eles e para eles” (D’ALMEIDA, 2014, p. 18).

A análise documental produzida pela autora no presente estudo teve como foco duas leis sobre o processo de regulamentação e normatização da obrigatoriedade da Educação Infantil, a Emenda Constitucional n° 59/09, a qual tornou compulsória a matrícula na primeira etapa da Educação Básica a partir dos quatro anos de idade, e o Plano Nacional de Educação 2011- 2020, o qual considera a obrigatoriedade da Educação Infantil como um avanço, avaliando-a como investimento e desenvolvimento de força de trabalho futuro. Deste modo, também abarcou em sua análise outros cinco documentos complementares, os quais foram: “Dúvidas frequentes sobre Educação Infantil”, (BRASIL, 2013); “Ages & Stages Questionnaires ASQ- 3”, (RIO DE JANEIRO, 2010); “Aprendizagem Infantil: uma abordagem da neurociência, economia e psicologia cognitiva”, (ARAÚJO, 2011); “Plano Nacional da Primeira Infância”, (BRASIL, 2010); e as “Orientações do Fundo das Nações Unidas para a Infância” (UNICEF, 2005).

D’Almeida (2014) utilizou como estratégia metodológica a cartografia, acreditando possibilitar questionamentos, deslocamentos, estranhamentos, análises e desestabilizações, necessários para seu estudo, como ela pontua, “a cartografia abarca dentro de si um fazer múltiplo, desenhando representações heterogêneas com intermináveis conexões, tratando-se, sobretudo, de uma prática” (p. 24). Dessa forma, ela considera emergente colocar em discussão as normatizações e normalizações imbricadas no processo de escolarização da infância no contexto da Educação Infantil obrigatória.

A partir do seu estudo, a autora pôde constatar que atualmente as intervenções legais para a Educação Infantil continuam instituindo um processo de distanciamento e enfraquecimento relacional familiar, resultante da intensiva necessidade de intermediação dos especialistas responsáveis pelo cuidado das crianças, e consequentemente, de suas famílias. Pois, como ela mesma ressalta, as normatizações são impostas verticalmente, o que muitas vezes, não levam em conta o conhecimento que as famílias poderiam e podem ter em relação à educação e aos cuidados infantis, ou mesmo outras formas de saber e modos de vida. (D’ALMEIDA, 2014).

Diante dos muitos ponderamentos realizados pela autora neste estudo, foi possível pensar de modo diferente o que está posto como natural, inquestionável e normativo, como ela mesma se propôs. Para D’Almeida (2014), se faz preciso pensar a Educação Infantil sobre outra perspectiva, não a pensando “sobre”, mas, sobretudo, “com” própria Educação Infantil. Como ela ressalta:

É tentar buscar outras lógicas outras formas de fazer. É buscar fios condutores para discutir seu cotidiano e a judicialização entendida como necessária, saindo da visão de educação infantil como espaço estratégico do governo da infância, que inviabiliza e é lugar de trabalho e aprendizagem, entendendo-a como lugar onde afetos transbordam, no qual é possível abrir fendas e encontrar diferentes rotas que permitam desviar-se da manutenção da ordem, da regulação, da disciplina, da inconformidade, do cotidiano movido pela falta, da rigidez (D’ALMEIDA, 2014, p. 178).

Em suma, é preciso reconhecer os espaços de Educação Infantil como espaço outro, que compreenda novos e diversos modos de vida como provável e potentes, onde as resistências infantis não sejam silenciadas como correção do que é mal e transformadas em comportamentos resilientes (D’ALMEIDA, 2014). Dessa forma, o estudo da presente autora, nos permite verificar o quão se faz preciso enxergar a Educação Infantil não só como a primeira etapa da Educação Básica, espaço de desenvolvimento e aprendizagem infantil, é necessário sim, ir além, concebendo estes espaços como lugares de vivência e convivência infantil, de sujeitos ativos que não devem ser sujeitados ao silenciamento de suas necessidades e seus modos de vida.

A Dissertação de Mestrado de Marchetti (2015), “Obrigatoriedade da Educação Infantil a partir de Quatro Anos de Idade: percepções de educadores e familiares”, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da UFSCar, sob a orientação da Professora Doutora Maria Cecília Luiz, na área de Educação, Cultura e Subjetividade, é fruto das indagações surgidas ao longo do percurso da autora enquanto professora da Educação Infantil. Assim sendo, teve como problema de pesquisa: quais seriam as percepções de gestores, professores, pais, funcionários em relação à Educação Infantil, no contexto da implementação de uma lei que torna a matrícula obrigatória da criança com quatro anos de idade? Para tanto, teve como objetivo identificar, na visão desses profissionais e familiares de escolas municipais da Educação Infantil no interior de São Paulo, as concepções teóricas e práticas no contexto da Lei n° 12.796/13, que trata da obrigatoriedade escolar de crianças com quatro anos de idade.

A autora trouxe em sua produção acadêmica discussões importantes acerca das políticas públicas da Educação Infantil sobre o direito e a obrigatoriedade, buscando traçar a constituição destas no país. Pontuou reflexões sobre concepções a respeito de infância e criança, com o intuito de compreender como a sociedade contemporânea a conceitua. E finaliza seu arcabouço teórico, expondo, como se deu o processo de discussão, elaboração e promulgação da Lei n° 12.796/13, que proclama a obrigatoriedade de crianças a partir dos quatro anos de idade, evidenciando a discussão acerca do direito e dessa obrigatoriedade.

Para tanto, ela apresentou a caracterização das três escolas participantes da pesquisa, envolvendo aspectos físicos, pedagógicos que contribuíram para a constituição da identidade

de cada instituição, bem como também, a caracterização dos participantes que contribuíram para realização desse estudo, pontuando os critérios de seleção acerca de cada segmento que participou das entrevistas. Desta feita, sua análise se estrutura em duas categorias que tratam das visões de profissionais da educação e familiares com relação à Educação Infantil depois da Lei n° 12.796/13, conceitos teóricos, dividida em duas subcategorias: concepções de infância e criança; e políticas públicas para a Educação Infantil: direito e obrigatoriedade. E, a segunda categoria com a mesma temática, no entanto, para o tratamento acerca dos aspectos práticos, que também foi dividida em duas subcategorias: trabalho pedagógico: ensino e aprendizagem; e relações entre escola e família.

Assim sendo, o estudo permitiu refletir várias questões que abarcam a Educação Infantil, tanto no que se refere às políticas públicas e legislações educacionais, quanto nas teorias e práticas que envolvem as escolas, e consequentemente as crianças e seus familiares que frequentam as instituições de Educação Infantil. Neste sentido, Marchetti (2015), apontou que a obrigatoriedade implica em ter a criança cada vez mais cedo na escola. Uma vez que em seus dados ficou evidente a ideia de que com a lei, os familiares serão obrigados a matricular seus filhos na Educação Infantil a partir de quatro anos de idade, parecendo agradá-los, com a perspectiva de boa aceitação, pelo menos por enquanto. E, para este segmento, a família, esta continua depositando na escola suas esperanças na educação como algo que muda o futuro. Para a autora foi possível concluir que existe uma grande complexidade em relação às concepções referentes à Educação Infantil, em meio ao processo de elaboração e promulgação da lei que a torna obrigatória mais cedo.

Marchetti (2015) finaliza seu estudo revelando um ponto que lhes chamou bastante atenção, o fato da omissão dos participantes em relação às crianças de zero a três anos de idade, isto é, os bebês não foram lembrados, e muito menos foram citados, como se a Educação Infantil começasse apenas aos quatro anos de idade, talvez pela questão da obrigatoriedade e a preocupação estivesse depositada, principalmente, naquelas que completariam seis anos de idade, devido à aproximação com o ensino fundamental.

Assim sendo, este estudo nos permitiu refletir sobre como a Educação Infantil é vista imersa neste contexto da obrigatoriedade da matrícula e frequência das crianças a partir dos quatro anos de idade, uma realidade que perpassa todos os municípios brasileiros. Uma relação de mistura de concordância com as mudanças ocorridas na sociedade, em virtude da legislação implementada, com uma alienação e falta de reflexões mais aprofundadas acerca desse contexto, como ressaltou a autora.