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As raízes históricas da educação como política pública no país

FUNDAMENTOS HISTÓRICOS ACERCA DO DIREITO À EDUCAÇÃO PÚBLICA E DA ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR

1.2 As raízes históricas da educação como política pública no país

Para o estudo do subcampo da gestão, a identificação das raízes históricas que influenciaram a instituição da educação pública como direito social no país faz-se necessária. O exame das influências da administração patrimonialista portuguesa pode constituir-se em um ponto de partida para o estudo no que se refere à maneira de pensar e fazer política educacional, considerando a complexidade regional e social no país. Segundo Mendonça (2000), considerar a categoria Estado patrimonial11, no exame da gestão democrática do ensino público, pode explicar as formas como se realizam as políticas de gestão na administração pública no país e, em específico, as de gestão da educação.

[...] o afastamento e o enfraquecimento da sociedade, em detrimento do fortalecimento dos estamentos que dominam o Estado são características que configuram um campo pouco fértil para a adoção de políticas participativas como a da gestão democrática do ensino público. (MENDONÇA, 2000, p. 52).

Desse modo, herdeiro do patrimonialismo português, o país, no processo de composição e construção do Estado brasileiro, convive com um aparato administrativo burocrático estatal e de um aparato paralelo controlado patrimonialmente pelas oligarquias, pois a obtenção de recursos econômicos e administrativos depende do poder soberano ou do poder público que atua por meio de concessões, estímulos, subsídios e autorizações. Nesse sentido, o conteúdo patrimonialista do estamento burocrático subverte o sentido da burocracia porque freia a sua tendência modernizadora e, ao contrário, mantém o Estado tutelador e alheio ao povo. O estamento burocrático, de acordo com estudos de Mendonça (2000, p. 59) “comanda e governa por meio da apropriação do Estado e de seus mecanismos burocráticos e permanece dependente do poder central.”

11 A noção de Estado patrimonial tem suas bases conceituais em Max Weber, criador da ordem tríplice de

dominação (tradicional, carismática e racional) em que figura o patrimonialimo como um sub-tipo da dominação tradicional. Em sua tipologia, um tipo pode desfigurar-se com a presença de um outro tipo, de forma que com a dominação racional-burocrática pode existir também a dominação tradicional. (FAORO, 1993).

A dominação patrimonial, [...], por incompatível com a igualdade jurídica e as garantias institucionais contra ao arbítrio, tornam o indivíduo dependente do poder que lhe dita pelas definições de valores, a conduta. Aponta, em conseqüência, para um sistema autocrático, que, em lugar de se desenvolver segundo uma ordem em que a sociedade é autônoma, afirma a dependência ao poder da autoridade. Nessas circunstâncias, não é a sociedade civil a base da sociedade, mas uma ordem política em que os indivíduos ou são basicamente governantes ou são governados. O soberano e o seu quadro administrativo controlam diretamente os recursos econômicos e militares do seu domínio – que é também seu patrimônio. (FAORO, 1993, p. 16).

Com raízes patrimonialistas, a burocratização da administração pública brasileira se realizou junto ao centro do poder, ou seja, uma das especificidades do desenvolvimento da burocracia estatal brasileira foi que a aristocracia agrária, apropriando-se dos principais cargos públicos, criou uma simbiose entre o público e o privado. Assim, as camadas dominantes se burocratizaram e o Estado passou a ser compreendido como “propriedade” e usado em seu benefício e perpetuação das elites por meio dos órgãos de decisão e poder.

Dessa forma, com a consideração da raiz patrimonialista na administração pública brasileira, pode-se indagar, no subcampo da gestão do ensino público, como a gestão democrática da educação convive com as formas tradicionais de educação escolar. E, conforme Mendonça (2000), havia muitas resistências aos processos de democratização de gestão educacional, em decorrência de haver existido práticas de delegação de poder compreendida como prebenda e a posse de cargos públicos, compreendida como patrimônio pessoal. Assim, essa raiz patrimonialista influencia a maneira de pensar e fazer política educacional no campo da gestão em constantes disputas com os processos de democratização da escola e dos sistemas de ensino públicos.

Daí a importância do estudo da gestão democrática da educação e da instituição de conselhos (escolares, municipais e estaduais de educação) como política pública. A gestão democrática como política pública de educação e a instituição de conselhos, dado seu caráter democratizante, “são indicações de um novo funcionamento das instituições do Estado pautado por princípios democráticos e cívicos sob pressão e controle da sociedade”. (PEREIRA, 2005b, p.7).

Por seu turno, os conselhos gestores são mecanismos de democracia direta ou participativa e inauguram um padrão de atividade política que passou a funcionar menos como substituto e mais como contraponto à tradicional prática da representação dos cidadãos nos assuntos públicos, de forma a alargar e aprofundar a democracia, conferindo ao cidadão comum o direito de participar da vida política nacional e atuar em processos de decisão e de controle político de assuntos que lhes dizem respeito. (PEREIRA, 2005a, p. 12 e 13).

Então, algumas questões são centrais no estudo do subcampo da gestão educacional, dizem respeito à dimensão histórica desse objeto de estudo. Quando e como a educação pública passou a se constituir como uma questão nacional? Como a educação tornou-se uma política pública? Como e quando a educação pública tornou-se um direito social reconhecido pelo poder público e pela sociedade brasileira? A partir de 1930,

[...] percebe-se que a tarefa de fixar diretrizes e bases da educação nacional, isto é, estabelecer metas e parâmetros de organização da educação a serem seguidos pela totalidade de uma nação determinada, implica compreender como a educação se constituiu e se desenvolveu historicamente de modo a se colocar como um problema de caráter nacional. (SAVIANI, 2003b, p.1).

Nos anos 1930/32 a educação pública passou a ser estruturada como setor e as ações sistematizadas do Estado visaram à sua regulação, institucionalização e estruturação consoante com a consolidação e afirmação da ordem capitalista no país.

Contudo, as características da economia agro-exportadora, tal como os padrões autoritários de dominação do neopatrimoniais, implantados durante o período colonial e imperial, conservaram-se e incorporaram-se à dinâmica da República. Desta forma, o Estado oligárquico consolidou-se, mantendo-se prisioneiro dos interesses agrários dominantes. Assim, o exercício do poder pessoal e o mandonismo ganham vigores por meio de novas faces, relações e práticas políticas, clientelísticas, de apadrinhamento político que têm por veículo o controle dos empregos públicos. (AZEVEDO, 2001).

A característica patrimonial do Estado brasileiro se mantém apesar dos avanços da modernização e dos processos de burocratização. Mendonça (2001; 2000) identifica alguns elementos12 da burocracia que convivem com as formas estruturais de dominação não racionais, camuflados no universo capitalista brasileiro. Assim “os traços, as atitudes e os valores da dominação tradicional [que] subsistiram no Estado brasileiro, criando um modelo híbrido de burocracia patrimonial.” (MENDONÇA, 2001, p.95).

Com o processo de industrialização e urbanização, os ordenamentos neopatrimoniais se aperfeiçoam e as pressões sociais acerca da questão da instrução pública se intensificam no

12 São exemplos de fatores do esforço modernizador no campo da educação: “estabelecimento de um

funcionalismo moderno, com competências oficiais fixas, ordenadas mediante regras; a fixação de uma hierarquia de cargos, como um sistema regulamentado de mando e subordinação das autoridades e fiscalização dos inferiores pelos superiores; adoção de uma administração baseada em documentos e em um quadro de funcionários, separando o ambiente de trabalho da moradia; a especialização do funcionário na atividade oficial; a administração funcional a partir de ordenamentos fixos e abrangentes que podem ser aprendidos, constituindo- se o seu conhecimento posse dos funcionários.” (MENDONÇA, 2001, p. 95).

país. O analfabetismo13 passa a ser percebido como um atraso nacional e que, portanto, deveria ser erradicado, posto que seus índices atingiam, de acordo com Azevedo (2001), cerca de 80% do total da população no início do século XX.

[...] Para as elites dominantes, “os outros não contavam”. Mas esses outros que “não contavam” teimavam em aparecer na estrutura social que se torna complexa com a evolução das atividades econômicas. Nos centros urbanos mais desenvolvidos, o operariado se constituía como classe. Nascido do seio da imigração européia diferenciava-se das massas dominadas pelas velhas oligarquias por orientar suas práticas pelo anarco-sindicalismo, e, em seguida, pelo ideário socialista. Reivindicações e lutas pelos direitos do trabalho vão mobilizar e organizar o nascente operariado.

As classes médias já se delineavam com maior clareza. Sobre elas também incidiu o ônus da política econômica do Estado oligárquico, levando-as a mobilizações em busca de espaços que permitissem sua participação no poder, clamando pela derrubada da ordem política vigente. (AZEVEDO, 2001, p. 24).

As lutas pela escolarização das massas surgem mediante campanhas de alfabetização e pela universalização do ensino primário e representam cobranças por ações do Estado no sentido de prover fundos14 quanto de estabelecer uma política nacional de educação. Para Azevedo (2001), este foi o contexto em que a educação passou a ser problematizada como questão nacional.

Esse processo de instituição da educação pública como um direito social resulta dos confrontos de concepções e de práticas políticas fincadas em privilégios para alguns. Esses confrontos e lutas aconteceram em uma sociedade destituída das noções de direitos elementares políticos, sociais (educação, saúde, habitação) com uma população distante dos códigos de linguagem e bens culturais essenciais. Desse modo, as condições históricas da década de 1930 trarão ao país as primeiras formulações da educação como direito, analisadas a seguir. Essas condições, contudo, foram forjadas com base nas raízes neopatrimonialistas da administração portuguesa, nas ideias de racionalização do trabalho oriundas da escola de administração clássica e nas pressões dos movimentos sociais com suas lutas em termos de direitos civis, políticos e sociais.

13 O número de analfabetos no Brasil, em 1890, segundo estatística oficial, era, em uma população de 14.333.915

habitantes, de 12.213.356, isto é, sabiam ler apenas 16 ou 17 em 100 brasileiros ou habitantes do Brasil. (LEMME, 2005, p. 166)

14

O requerimento de fundos para educação esteve presente no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) ao se propor a criação de fundos escolares ou especiais destinados à “manutenção e desenvolvimento da educação, em todos os graus, e constituídos, além de outras rendas e recursos especiais, de uma porcentagem das rendas arrecadadas pela União, pelos Estados e pelos Municípios.” (LEMME, 2005, p. 174)

1.3 Marcos históricos e formulações institucionais do direito à educação e da

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