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2 REDES: UM LEQUE DE CONCEPÇÕES

2.1 As Redes Sociotécnicas

Enfoques pertencentes a outros domínios de conhecimento são considerados importantes para o estudo das redes. Eles colocam em relação diferentes atividades a partir de complexas relações estabelecidas entre agentes humanos e não humanos, como a biotecnologia que envolve especificidades tecnológicas, técnicas, socioeconômicas,

10 Com esta expressão, refiro que tanto proposições mais conservadoras, como mais críticas, utilizam o termo Rede.

marcadas por disputas de mercados, necessariamente colocando em jogo uma rede complexa de dimensões que não são puramente humanas ou materiais11.

Para melhor compreensão desta perspectiva, Callon (2001) utiliza-se da Sociologia para explicar como os atores se definem a partir das relações que estabelecem, e da Economia para definir a interação através da circulação do que chama de intermediários, dispostos em quatro categorias: Primeiro, todo tipo de texto, desde os literários até os científicos, e os suportes necessários para a sua permanência como papel, disquetes, compact disk’s, fitas; segundo, os artefatos técnicos, como robôs, máquinas e produtos de consumo; terceiro, os seres humanos e suas capacidades; por fim, o dinheiro e suas diversas formas de representação.

Cada intermediário citado comportaria uma rede que, de algum modo, ela ordena ou sustenta. As redes sociotécnicas são definidas como as relações produzidas entre indivíduos, grupos sociais, elétrons, bactérias, empresas, destinadas a determinados objetivos, interações e ligações diversas. Como exemplos, as redes de produção de máquinas como automóveis, que envolvem, na elaboração e na utilização, habilidades humanas, componentes técnicos, químicos, mecânicos, ao mesmo tempo em que constituem meio de transporte que interfere na vida das cidades. A organização universitária quando produz pesquisa e conhecimentos e os repassa através da extensão e da formação de profissionais, assim como é perpassada, ocasiona interesses econômicos e políticos, encontrando-se na conjunção destas diferentes redes. As redes de narcotráfico empregam mão-de-obra para plantações, utilizam laboratórios, acionam consumidores, políticos e movimentam uma economia ilegal.

Compartilho da proposta do autor que reside em não privilegiar um organismo, artefato ou estabelecimento e sim enfatizar nas redes a crescente complexidade que envolve humanos e não-humanos: Atores, ambientes e processos os mais diversos, outorgando-lhe o hibridismo. Sobre a utilização do termo ator, podemos inferir que se refere às várias possibilidades de conceber um investimento – individual, coletivo, de pessoas, organismos e não humanos, como já foi explicitado – e não à idéia de representar um papel ou de um faz-de-conta.

Seguindo a concepção de redes sociotécnicas, Trigueiros (2005), em texto voltado para a prática biotecnológica, descreve termos atribuindo uma dinâmica e estrutura ao funcionamento das redes – que veremos a seguir – contribuindo para situar como estes vêm sendo empregados em nosso cotidiano, dando consistência a várias definições sobre redes.

Nas redes, há um pressuposto de comunicação que implica trocas e intercâmbios permanentes que prescindem de variadas condições e contam com equipamentos, resistências, bloqueios e distúrbios em seu fluxo. Estas trocas são processadas por meios físicos e entre pessoas, estabelecendo-se ligações. Aspectos como afeto, cumplicidade e confiança, são veiculados por gestos, linguagens e sinais que requerem um exercício de simbolização e são vividos por atores, compreendidos tanto como indivíduos, grupos, organizações e países, quanto como animais, bactérias ou elétrons.

A aglutinação forma os nós representados por conjuntos de atores reunidos por interesses e objetivos, em geral por proximidade, mas, principalmente pela intensidade de trocas entre si. As malhas compreendem uma reunião de nós e ligações de uma rede sociotécnica, formando subconjuntos que atuam em função de um campo específico de interesses. Como breve exemplo, temos na indústria uma malha de produção de insumos, uma malha de comercialização destes produtos, e assim por diante, visualizando-se as

trocas entre determinados atores, formando nós pela aglutinação de interesses enquanto estabelecem relações de ligação em uma hierarquia interna e uma hierarquia externa.

Além disto, são descritas cinco características estruturais das redes: A

complexidade, que é maior ou menor dependendo da variabilidade dos atores, nós e

relações; a centralização, que indica o grau de informação, trocas em geral e de concentração de poder nas redes; a coesão, que remete a laços de solidariedade, podendo ligar-se a valores religiosos, ideológicos ou morais que impõem maior ou menor resistência às ameaças à malha; a normatização, que regula o funcionamento das redes com normas tanto formais como informais; e por último, os recursos e a infra-estrutura, que englobam pessoas, equipamentos, bases financeiras e agências de fomento.

Um outro termo que Trigueiros (2005) emprega é plug ou conectivo, por significar aquilo que coloca os atores em contato com as informações e, com isto, permite as trocas. O plug não é constitutivo da rede; é transitório e móvel, pode ser material ou simbólico, ou seja, o meio que torna possível a conexão nas redes, como os telefones, uma ação ou um modem para conexão na informática.

O efeito de sinergia e o efeito de encadeamento são mencionados como fundamentos que colocam em marcha a busca pela realização de objetivos. A sinergia, termo largamente utilizado no meio empresarial hoje, significa a ampliação de capacidades obtido pela concentração de esforços, o que, em geral é fruto de um comando. O efeito de encadeamento trata das repercussões e dos desdobramentos em diversos campos como o político, econômico, simbólico, religioso, científico, nem sempre conhecidos pelos próprios atores. Este tem sido mais relevante por demandar cuidados com a divulgação, aplicação e a compreensão das possíveis conseqüências sobre a vida de pessoas e países, como se pode acompanhar em relação às pesquisas com

Na saúde mental, tem-se o exemplo da Reforma Psiquiátrica que repercute nas políticas de saúde, nas pesquisas científicas, no posicionamento de pacientes e de suas famílias, na imprensa, na indústria de psicofármacos, e na ideologia conservadora e excludente que estabelece linhas de força contrárias à Reforma Psiquiátrica.

A descrição de Trigueiros (2005) dirige-se para referenciais mais estruturalistas, inclusive denominando a estrutura das redes. Ela demonstra quanto o conhecimento destas está amparado nas construções explicativas ou recursos teóricos classsificatórios que obtivemos até aqui. Tendo em vista isto, a proposta não é descartar termos ou modos de compreender as redes, e sim abrir, com e a partir destes, novas possibilidades que possivelmente exigirão a radicalização para um pensamento mais construtivista.

Neste sentido, já estamos vivendo, em parte, os desdobramentos vindos do século XX, de extenso e rápido avanço tecnológico e científico que vem acompanhado da concepção de redes, impulsionado pelas novas condições que a informática oferece para propagá-los.

Conciliado com esta efervescência, Lévy (1998) propõe a inteligência coletiva, publicando um livro com este título em 1994, em que ressalta a possibilidade de difusão democrática da informação. De modo enfático, o autor divulgou a idéia de compartilhar os conhecimentos para indicá-los uns para os outros, isto visto como peça fundamental para enfrentar os desafios que vivemos com a aceleração das modificações.

De tal modo sugeria que, ao ter uma linguagem articulada, contando com a infra- estrutura do apoio digital, as soluções poderiam ser construídas conjuntamente em uma cibercultura. Para ele, a cibercultura é a abertura de um espaço novo de comunicação que pode ser usufruído de maneira positiva, ou seja, ela surge como solução parcial para os problemas avistados anteriormente, sendo que as relações com o saber, o trabalho, a

economia, democracia e o Estado necessitam ser recriadas, pois já vêm sendo radicalmente afetadas. Em parte, penso que se confirma este desdobramento em direção a uma agilização da comunicação, do controle e da informatização com a sofisticação de recursos tecnológicos que incidem positivamente sobre alguns setores da sociedade. Isto, porém, não reverteu o curso também veloz de uma lógica de exclusão social e conseqüente empobrecimento da população, que impede a democratização e o maior acesso aos benefícios que as ferramentas tecnológicas podem dispor.