• Nenhum resultado encontrado

4 POLÍTICAS PÚBLICAS EM REDE: IMPACTO DAS CONDIÇÕES DE VIDA NO PROCESSO

4.1 O Percurso das Políticas Públicas para a Infância e Adolescência

Em pesquisa15 realizada junto aos moradores da comunidade, foco desta tese, obtivemos o registro de precariedade que se estende às várias instâncias consideradas de direito ao acesso por parte das crianças/adolescentes, como educação, saúde, segurança e lazer. Concluímos que uma política pública e social da infância e adolescência não se

restringe ao atendimento direto e imediato, mas sim requer a implementação de uma rede de apoio capaz de contemplar a complexidade do exercício da cidadania.

O Estado, até o início do século XX, tinha um papel praticamente irrelevante na sociedade, apenas garantindo a “ordem e propriedade” (Cunha & Cunha, 2003, p. 11), enquanto as relações eram estabelecidas em função do trabalho e do acesso aos benefícios gerados por ele. Após o crack da bolsa em 1929, ingressamos na década de 30 com um Estado que passou a agir sob um capitalismo que privilegiava a União, intervindo fortemente nas relações entre capital e trabalho, sendo aceito pela sociedade como “natural”.

Segundo Frota (2003), caminhamos de uma legitimação da intervenção absoluta pelo Estado sobre as crianças e os adolescentes rotulados de menores, em todos os documentos legais de 1927 a 1979 – baseados na doutrina da situação irregular – para uma formulação de estado de direito para a infância e adolescência.

15 Pesquisa intitulada “Cartografia da Criança e do Adolescente no Município de São Leopoldo”, realizada pelo SAPECCA-UNISINOS, entre 1996 e 2000.

Igualmente o ECA, ao propor a municipalização organizando sistemas locais de proteção à infância e adolescência, remete à participação da sociedade civil, de forma paritária com o poder governamental. Através de novas instâncias como o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), os conselhos estaduais e municipais devem trabalhar articuladamente em rede, bem como todos os serviços e as entidades que prestam atendimento e assistência devem funcionar no sistema de referência e contra-referência que está constituído pela rede, salientando a importância deste fluxo, como foi exposto.

Os funcionamentos previstos em redes pretendem, além de oferecer mobilidade na busca de atendimento no território, evitar o afastamento da pessoa de seus vínculos para assim minimizar os processos de institucionalização.

Nos dois casos exemplificados – infância e adolescência, e saúde mental –, a política vigente a partir da Constituição de 1988, é de promoção da cidadania e

desinstitucionalização, tanto do portador de sofrimento psíquico, através de políticas de

atenção e assistência em saúde mental, como através de políticas de proteção e assistência a crianças e adolescentes. Há um posicionamento claro quanto a construir intervenções que evitem toda forma de exclusão por meio de internações e reclusões desnecessárias.

No plano das políticas públicas, está instalada juridicamente, no Brasil, uma nova forma não mais centralizada e unificadora (para todas as regiões a mesma política) para a área da infância e adolescência, mas que quer dar feição a formas mais regionalizadas e de co-responsabilidade entre os segmentos, ou seja, em redes.

Porém, iniciou-se uma disputa de interesses entre classes, já que se instalava no Estado uma política de privilégios. Muitos grupos se organizaram para assegurar direitos, garantindo atitudes do Estado.

As políticas públicas nascem como resultado de necessidades e demandas da população, e devem assegurar direitos e deveres do coletivo, através de ações que sejam permanentes e independentes dos interesses corporativistas de categorias, partidos, setores econômicos. Cabe diferenciar os termos público e social neste contexto de políticas. Público é que pode se caracterizar como o poder partilhado por todos, não é restrito ao Estado, como distingue Pereira (1994). Assim, políticas públicas reúnem as escolhas da sociedade transformadas em atos públicos, realizados pelo Estado. A política social é um modo de política pública, que indica as ações do Estado em um local com determinadas demandas, por meio de metas, regras e preceitos persistentes e inclusivos.

Com a grande interferência da economia no fim do século XX, a ordem social se exacerbou devido a várias mudanças, sendo que alguns países tomaram decisões diferentes, embora sempre com ações que dispensavam os governos de suas obrigações de garantir direitos mínimos e com políticas sociais que não incluíam a todos.

Houve grande mobilização da sociedade para acabar com a ditadura no país, levando ao funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte. Organizou-se outra forma de encaminhar essas mudanças de direitos para a Constituição como deveres a serem cumpridos pelo governo, com políticas públicas, com ênfase nas políticas sociais, como expressam Cunha e Cunha (2003).

A constituição de 1988 garantiu o sistema de seguridade social, respaldado no tripé saúde, previdência e assistência social, que seria custeado com os encargos trabalhistas e de empregadores, de concursos e loterias e também com a contribuição do

Governo federal, estadual e municipal. Porém, mesmo não contribuindo, era de responsabilidade da União amparar o cidadão, diferentemente do sistema anterior. Os anos seguintes à Constituição foram de trabalho para que se colocasse em prática os direitos já assegurados. Campos como o da criança e do adolescente foram regularizados, com grande participação da sociedade. No entanto, o funcionamento real dessas ações entrava em choque com a conjuntura econômica e política da época, que os limitava.

Para desenvolver uma política – mencionam Cunha e Cunha (2003) –, é preciso localizar os vários sujeitos e interesses que representem o que é indispensável a todos a partir do debate de opiniões dos que estão envolvidos, nos quais devem firmar compromisso tanto o Estado quanto a sociedade neste caminho da regularização como política pública. Houve participação ativa de importantes parcelas da sociedade na nova organização ao levantarem debates sobre o modo de se fazer política no país. Também foi relevante a luta pela inclusão, considerando as necessidades da sociedade e definindo – como fundamentais para a democracia – o fim da centralização e a participação.

Às cidades coube a responsabilidade pela execução destas, a partir do momento em que se tornaram autônomas com a Constituição de 1988, que estabeleceu, como pressuposto, repassar para estados e municípios grande parte dos deveres quanto às políticas. Percebe-se que o Estado ainda centraliza as ações sem levar em conta a imensa diversidade de nosso país e sem destinar a verba necessária para este processo de descentralização.

Com a abertura para uma maior participação da sociedade, a relação dos cidadãos com o governo ficou mais próxima, apropriando-se de dispositivos para fiscalizar os atos dos gestores. Contudo, ainda existem dificuldades, como o encaminhamento pelos conselhos de políticas públicas, dos assuntos importantes para constarem como

intervindo mais diretamente em ações voltadas para o coletivo. A administração das políticas pode ser pensada como a relação dinâmica entre a sociedade, o governo e os movimentos sociais representativos em seu funcionamento.