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4 POLÍTICAS PÚBLICAS EM REDE: IMPACTO DAS CONDIÇÕES DE VIDA NO PROCESSO

4.4 Subjetividade, Campo Social e suas Tessituras a Partir do Institucionalismo

Proponho colocar em relevo o entrelaçamento dos termos subjetividade e campo social por entender que se forjam no transcorrer das redes de conversação. O campo social é o espaço entre que construímos, ocupamos, que percorremos e que constitui os processos de subjetivação. Ao explicar como Foucault formulou o conceito de subjetividade, Deleuze (1992) define: “A subjetivação é a produção dos modos de existência ou estilos de vida” (p. 142).

Ainda quanto à subjetividade, Parente (2004) propõe pensar o sujeito não como uma essência ou uma natureza, mas processual, não havendo sujeito, porém processo de subjetivação. Este é o percurso pelo qual os indivíduos e as coletividades se constituem como sujeitos, principalmente quando resistem e ‘escapam’ dos poderes e saberes instituídos. Ao fazermos esta consideração, incluímos a possibilidade de análise destes modos de subjetivação. Para isto, Lourau (1975) postulou um conjunto de conceitos (os instrumentos) que se articulam como um sistema de referências da Análise Institucional que são, entre outros, “a segmentaridade, a transversalidade, a distância institucional, a implicação e a transferência institucional” (p. 264).

Nas décadas de 50 e 60, ocorreram diversas experiências que anunciavam o movimento institucionalista, que tem como fundadores Lapassade e Lourau. Compartilharei de um breve histórico destes precursores com o intuito de sinalizar a importância dada à liberdade, a novas formas de tratamento em saúde mental e a uma pedagogia menos centralizadora e burocrática. Estes argumentos remetem à questão em foco nesta tese. Ao propor desmontar as estruturas hierárquicas, podemos conceber um outro plano que é o das redes.

A Análise Institucional tem, como precursoras19, as propostas da Pedagogia Institucional e da Psicoterapia Institucional – termo criado por Dommenzon e Koechlin. O Movimento Instituinte, Análise Institucional ou Institucionalismo são denominações que prevêem como organizações teórico-práticas – em seus pressupostos e métodos – a análise das cristalizações ou, como podemos dizer, análise das alienações conscientes ou não que forjamos imersos em instituições. A Análise Institucional origina-se no final dos anos 60 e se desenvolve nos anos 70, com René Lourau, Georges Lapassade, Remi Hess e Jacques Ardoino. Seu propósito inicial, de acordo com suas experiências, era a socioanálise das instituições formadoras do homem, como as escolas, as universidades, a psicologia, a família, a igreja e demais organizações sociais.

Desta maneira, conforme Gallio e Constantino (1994), as áreas da saúde e da educação foram espaços de maior eloqüência e questionamento do período pós II Guerra, tornando-se terreno fértil para o nascimento dos ideais do Institucionalismo. Na década de 50, o hospital psiquiátrico de Saint Alban, em Lozère, na França, dirigido por François Tosquelles, representou um marco da crítica ao modelo médico hegemônico e patologizante. Ocorriam experiências que pretendiam revisar as relações instituídas ao buscar a ressocialização dos enfermos ao serem rompidas as hierarquias médico-

19 No texto “Os Caminhos de Lapassade”, Coimbra (1995) descreve os movimentos que confluíram para o surgimento do Institucionalismo.

paciente. Daí decorreram outras experiências no mesmo período, como a criação da Clínica La Borde, por Jean Oury, junto a Felix Guattari e colegas de Saint Alban igualmete na França. Os internos deveriam ter participação efetiva na organização local e em relação aos seus tratamentos, inaugurando a experiência autogestiva, tendo esta um significado terapêutico. A Psicoterapia Institucional objetivava uma radical abertura em relação à Psiquiatria, com a proposta de interrogar as rotinas, a alienação dos pacientes e as relações de poder.

Nesta direção, a pedagogia, desde a década de 20, também passou por revisões quanto à postura autoritária dos professores e a burocracia escolar com sua ênfase nos resultados quantitativos. O maior inspirador deste movimento como resgatam Lourau e Ardoino, (2003), foi Celestin Freinet, que propunha os diários, os conselhos de classe até hoje vigentes no meio escolar, a imprensa escolar e a ampla participação dos estudantes no planejamento de atividades. Cabe frisar o clima político em que estes movimentos de contestação eclodiram, que era de crise, incertezas e Guerra Fria entre as chamadas potências, ao mesmo tempo em que muitos conflitos e guerras ocorriam nos países pobres. O desejo de superar, questionar o que estava instituído, fazer diferente e criar estratégias constituiu mudanças nos modos de pensar e foram fundamentais como suporte para outros desdobramentos que se seguiram, com mais força, ou com maior visibilidade na Europa.

Na França, a psicossociologia sofreu divisões nas décadas de 50 e 60 com a influência das teorias americanas, gerando dois enfoques além da psicanálise de grupo, que critica a noção de adaptação dos métodos americanos.

As relações entre as pessoas são vistas como facilitadas pelo grupo, cuja constituição é feita pelas escolhas dos sujeitos, através de características dos mesmos.

A teoria americana se modifica ao chegar na França, recebendo elementos de sua cultura, misturando a técnica à psicanálise – base de alguns profissionais no país. A técnica, todavia, começa a ser criticada, e o fato de não haver estudos da influência das instituições sobre os grupos e seu funcionamento leva alguns profissionais a se afastarem da psicossociologia americana.

Na socioanálise, a ação é enfatizada, e os socioanalistas criticam as teorias e técnicas da psicossociologia, apesar de inicialmente utilizarem este modelo em suas pesquisas. A intervenção e a análise institucional, como refere Benevides de Barros (2004), se desenvolvem na socioanálise, nascendo justamente deste questionamento. Entre 1950 e 1970, houve diversas publicações e movimentos nos quais este conceito se espalha; a instituição ocupa o espaço de objeto de investigação, sendo abordada como instância política e histórica, trazendo de volta a função de produzir novos significados.

Isto provocou mudanças profundas nos trabalhos com grupos, pensando o grupo nos movimentos e nas relações estabelecidas por ele, e não através de técnicas. Outras maneiras de trabalhar o grupo surgem para se adequar a esse raciocínio, assim como um novo modo de agir do “pesquisador-analista” (Benevides de Barros, 2004, p. 73), que queria afastar-se da imparcialidade dos psicanalistas e da falsa igualdade dos monitores dos grupos de formação – os grupos-T – gerando um conflito na atuação deste profissional.

O grupo não é mais considerado como natural; ele passa a ser tomado como um dispositivo, espaço para que se acionem processos. A relação dos profissionais em suas intervenções perde seu caráter de neutralidade, e o analista interage com o grupo, saindo do lugar reservado de gestor e deixando que o próprio grupo cumpra este papel, sem afastar-se. De alguma forma, neste período, autores argentinos “importam” tais

pressupostos, que são, pelas afinidades e vizinhança, difundidos também no Rio Grande do Sul.

Outros fatos e acontecimentos, como o citado maio de 68, o movimento feminista, o movimento hippie e outras vertentes surgem nesta época questionando a mentalidade vigente e contestando as normas e códigos instituídos. Com a publicação em 1966 de “Grupos, Organizações e Instituições”, Lapassade (1983) ainda atribui o termo

instituição vinculado diretamente ao Estado. Na década de 70, à concepção de instituição

é atribuída nova conotação: Como rede de códigos que perpassam e constituem não apenas formalmente, as formas de organização social como a divisão do trabalho, a linguagem, o parentesco e a religião, mencionados por Baremblitt (2003).

Afirma-se, nesta perspectiva, a dimensão inconsciente perpassando as organizações e que pode ser trabalhada pelos coletivos e pelos grupos através da explicitação, da reflexão. De outro modo, na América Latina, como referi no tópico sobre grupos, o período da ditadura marcou profundamente o processo de subjetivação, e os movimentos de contestação ganharam força em meio à repressão, ocorrendo importantes mobilizações no campo da Psicologia, emergindo no Brasil a Psicologia Social.

No campo de análise até aqui desenvolvido percebe-se a abrangência do termo

rede mostrando-se como ontologia do humano e concepção que se consolida como modo

de subjetivação tornando-se modelo hegemônico. A par disso, o conjunto de princípios e os componentes que formam o conceito são, em larga medida, consensuais aproximando- nos da construção deste como um paradigma. Trazendo consigo esta potência, deve ser colocado em análise para que produza novos sentidos, com forças instituintes. Com isso, proponho a seguir, uma articulação teórico-metodológica que permita trabalhar nos interstícios, percebendo-os engendrados no próprio contexto.