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4 O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS NO HORIZONTE DO FEDERALISMO

4.2 O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e o Plano de Ações Articuladas

4.2.4 As relações intergovernamentais que regem o PAR

A discussão que se estabeleceu até aqui primou pela compreensão de como o Plano de Metas e PAR foram concebidos pela União, visando ao esclarecimento sobre a participação dos entes federados na formulação das políticas públicas. Em segundo lugar, analisou-se como dá a confecção do PAR pelo município, quais os procedimentos a seguir e como se configurou, novamente, a inter-relação entre os entes nesse momento. E, por conseguinte, foi preciso examinar os elementos que estão presentes nas estratégias de operacionalização do PAR, tendo em vista a interdependência entre as unidades constituintes.

Avaliam-se então, três fases que compreendem a discussão em torno do PAR: concepção, elaboração e execução. Um primeiro momento de centralização por parte do MEC, com a concepção do Plano de Metas e do PAR 2007-2010 e também com as mudanças promovidas no PAR 2011-2014, sendo pensadas exclusivamente por uma pequena equipe do MEC. Em um segundo momento, o MEC descentraliza para o município a fase de elaboração do PAR no SIMEC, dando a impressão de que, por meio dessa descentralização, o município estaria por exercer sua autonomia em termos do planejamento educacional, mas tal autonomia é regulada pela própria estrutura padrão que foi criada. Conforme afirmam Luce e Farenzena (2007, p. 11), no Plano de Metas CTE, “a política, como estratégia, metas e meios, foi concebida centralmente, mas sua execução é descentralizada. [...] contudo, conta com a intervenção direta do ‘centro’”.

E, em um terceiro momento, encontra-se a execução das ações, isto é, do conteúdo dos planos gerados a partir da elaboração do PAR, fase marcada por uma articulação federativa um pouco mais acentuada, ao menos em termos formais, devido à existência de ações com distribuição de competências tanto para a União quanto para o município. É necessário frisar que Arretche (2012) distingue a noção de execução da de autonomia, alertando que a descentralização de competências não equivale à autoridade decisória sobre a provisão de políticas: “atribuições de execução de políticas públicas podem ser totalmente descentralizadas ao mesmo tempo em que os governos subnacionais podem estar sujeitos a uma série de regulamentações nacionais que limitam sua autonomia” (ARRETCHE, 2012, p. 151). E

também, como já foi alertado, quando se trata de programas sociais que possuem grande popularidade, os governos estão mais preocupados com o lócus de controle das políticas do que com o conteúdo das políticas (PIERSON, 1995).

Por meio do Plano de Metas, o PAR se apresenta como instrumento que visa à superação das lacunas de articulação federativa, buscando, no horizonte das relações verticais, fundamentar e concretizar o alcance das metas nacionais. Ainda assim, avalia-se que as relações intergovernamentais estabelecidas com os procedimentos operacionais determinados para a elaboração dos planos de ação, estariam, dentro dos modelos delineados por Wright (1978), em um padrão que foge ao ideal de autoridade interdependente. Buscando uma aproximação com o modelo, se este estivesse em vigor, existiriam diversas arenas de interdependência para a concepção, a elaboração e a execução da política educacional no entorno do PAR, prevalecendo a barganha entre o Ministério da Educação (MEC), Secretaria Estadual de Educação (SEE) e Secretaria Municipal de Educação (SME) sobre o conteúdo dessa política educacional, conforme ilustra a Figura 12.

Figura 12 – Simulação de modelo de Autoridade Interdependente no âmbito do PAR

Fonte: adaptado pela autora (2015) com base em Wright (1978).

No entanto, tomando como base a exposição já realizada, acerca do modo pelo qual o PAR foi concebido e elaborado nos ciclos 2007-2010 e 2011-2014, bem como pela maneira como sua execução está pautada, verifica-se que, na prática, esse modelo de Autoridade Interdependente não está em vigor. Ademais, não se percebem arenas de negociação relacionadas à concepção do PAR que tenham envolvido os entes federados dos níveis estadual e local. Adicionalmente, tal entendimento também se dá pelo fato de que o MEC reuniu as

informações do PAR no SIMEC, concentrando os dados das três etapas que compõem a elaboração/execução do PAR: diagnóstico da realidade do município, elaboração dos planos de ação e monitoramento das ações planejadas. No entanto, o SIMEC incorporou um formato padrão elaborado pelo MEC, em uma estrutura que não permite levar em consideração as especificidades locais. Assim, não é o sistema aquele a se adequar às necessidades municipais, mas é o município que precisa se adaptar ao formato proposto, ou – por que não dizer? – imposto.

O padrão de relações intergovernamentais que sustenta a lógica do PAR está relacionado ao modelo de Autoridade Inclusiva, no qual os estados e municípios configuram- se como unidades administrativas, e o governo nacional, como centralizador das decisões. Tal modelo estaria desenhado da seguinte forma (Figura 13):

Figura 13 – Simulação de modelo de Autoridade Inclusiva no âmbito do PAR

Fonte: adaptado pela autora (2015) com base em Wright (1978).

As relações, nesse modelo, baseiam-se em um relacionamento cujo cerne está na dependência do ente local perante o ente nacional, ou seja, prevalece a autoridade hierárquica entre os entes. Os argumentos que sustentam que, no âmbito do PAR municipal, o Ministério da Educação estabelece uma relação com as Secretarias Municipais de Educação em que prevalece a hierarquia são:

a) os relatos da UNESCO demonstram que o PAR foi pensado e planejado para todo o território nacional a partir de um pequeno grupo de consultores do MEC;

b) criou-se uma estrutura padrão, sendo o PAR inserido em um formato de diagnóstico e análise que não contempla todas as especificidades regionais;

c) o papel desempenhado pelo entes estaduais (por meio das SEE) na concepção, elaboração e execução do PAR municipal é periférico, pois varia de acordo com os interesses de cada estado, podendo, inclusive, inexistir qualquer relação sobre esse tema, motivo pelo qual utilizou-se uma linha tracejada na Figura 13;

d) o segundo ciclo de planejamento foi iniciado (2011-2014) com alguns ajustes na metodologia, porém, não se tem relatos do envolvimento dos municípios nessa avaliação;

e) ao utilizar um sistema de informação como instrumento de operacionalização do PAR, evidenciou distanciamentos entre os municípios no quesito da competência técnica para manusear o sistema.

Refletir sobre como seria se o modelo de Autoridade Interdependente estivesse em vigor é importante porque fornece a base conceitual para ir além do que se apresenta no campo situacional, permitindo pensar sobre diferenças nas relações entre os entes federados, quando compartilham competências em termos de políticas educacionais. É preciso, portanto, pensar nas dificuldades de concretização desse desenho. As relações baseadas em autoridade interdependente requerem um processo decisório de negociação, ou seja, um processo de tomada de decisão que difere de uma abordagem hierárquica ou independente. No entanto, conforme alertam Agranoff e Radin (2014), os requisitos legais e formais ligados à implementação de programas federais tendem a se reverter para essas duas abordagens tradicionais, pois as regras e regulamentos estabelecidos raramente criam um método adequado para conceber espaços e processos de relações de barganha. Ademais, quanto maior o número de atores envolvidos no processo de implementação de políticas, mais complexo é esse processo.

Ainda que o modelo de Autoridade Interdependente possua limites a sua implementação, as seis características originais propostas por Wright (1978) não só permanecem atuais, como também têm crescido, conforme constatam Agranoff e Radin (2014): a) o poder está cada vez mais disperso – pode variar do governo federal para os estados, para os governos locais, ONGs, empresas subcontratadas; b) a autonomia continua sendo limitada, mas defini-la é cada vez mais difícil, com tantos atores e interesses; c) a interdependência é mais facilmente reconhecida, mas cada vez mais problemática em termos práticos; d) embora a cooperação seja bastante procurada, a natureza competitiva das diversas organizações envolvidas é latente; e) a barganha e a negociação permanecem, mas agora estende-se para além das preocupações sobre a responsabilidade dos programas, pois incluem informação, conhecimento, recursos e uma série de questões legais; f) e, por último, a negociação continua

sendo a principal ferramenta interativa, mas segue, frequentemente, outros processos de relações intergovernamentais, que vão desde parâmetros regulamentares de dois níveis de governo a processos pluripartidários organizados em rede.

Assim, para que o PAR possa ser considerado como uma política em que prevalece a negociação, será necessário superar a configuração hierárquica vigente, pois, atualmente, a política educacional planejada pelo ente federado nacional, o MEC, é apenas executada pelo ente local, o município. E, apesar do esforço em retratar alguma relação entre o ente estadual e o municipal no âmbito do PAR, sabe-se que o PAR municipal sequer considera a existência de ações de envolvam alguma assistência estadual. Se assim o fosse, não existiria apenas “assistência técnica do MEC”, “assistência financeira do MEC” e “executada pelo município” como formas de execução, ou seja, existiria alguma forma de “assistência do estado”, mas não há. Ainda, não foi possível constatar, na análise dos documentos normativos e instrucionais relacionados ao PAR, menção formal sobre o papel a ser exercido pelos governos estaduais na assistência à elaboração do PAR, ou seja, na fase de diagnóstico e construção dos planos de ação.

Ao mesmo tempo, discutir as implicações do planejamento estratégico como eixo do modelo gerencial no âmbito da educação torna-se essencial para entender as interações que se colocam entre o PAR e o propósito de modernização da gestão pública, defendido pelo Governo Federal. Assim, é possível se deparar com ao menos três possibilidades de análise. No cerne do modelo gerencial, encontram-se medidas que foram norteadoras das políticas educacionais brasileiras, dentre as quais pode-se destacar: primeiro, a separação entre a formulação de políticas públicas e a sua execução. No campo da educação básica, a ênfase das políticas públicas recaiu sobre o PAR, o qual foi lançado como um plano de cooperação entre municípios, estados e União, sendo, em todas as suas dimensões, pensado e concebido pelo poder central, o qual delineou um formato padrão em termos de planejamento, encarregando os municípios de sua execução, embora tenha deixado a impressão de que a elaboração também estaria a cargo dos municípios.

A segunda medida gerencialista, a descentralização, materializa-se por meio do PAR como desconcentração administrativa, buscando, através da delegação de autoridade, definir os objetivos de cada esfera administrativa, os quais devem ser cumpridos sob o controle do poder central. O PAR intenciona aproximar as ferramentas de planejamento estratégico da gestão educacional, transferindo aos municípios a tarefa de elaborar um plano plurianual da educação, com base em uma metodologia pré-formatada, de modo que os dirigentes municipais de educação possam gerenciar os processos educacionais de forma mais eficaz. A crítica que cabe

ser destacada aqui é que as equipes locais dos municípios têm a sua disposição um verdadeiro “cardápio” de opções para elaborar o PAR, mas estão presos a uma estrutura pensada pelo MEC e não conseguem considerar suas especificidades nos planos de ação, pois não foi concebido espaço, no plano operacional, para contemplar ações idealizadas localmente. Assim, encontram-se todos ligados por um pacto contratual que traz, em seu arcabouço, o princípio da responsabilização, mas o que houve foi uma desconcentração geográfica do que está planejado pelo poder central.

Terceiro, nos pressupostos do gerencialismo, o controle social é entendido como o mecanismo de controle mais democrático e difuso, dado que, por meio dele, a sociedade se organiza formal e informalmente para controlar as organizações públicas. Está contemplada no PAR a ideia de que o andamento das ações será acompanhado por um comitê local, que aparece na 28ª diretriz do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação – organizar um comitê local do Compromisso, com representantes das associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da mobilização da sociedade e do acompanhamento das metas de evolução do Ideb (BRASIL, 2007a). No entanto, o que se percebe na prática é que essa articulação não se concretiza em muitos casos, não havendo, portanto, controle social por parte desse comitê, ou, quando há, se faz de forma deficitária.

Conclui-se que o município não tem desempenhado um papel central no que concerne à concepção, elaboração e execução do PAR. Se se discutiu, no capítulo dois, que a imagem de camada de bolo (layer-cake), com cada nível de governo com pouca oportunidade ou necessidade de interação está ultrapassada (OPESKIN, 2001), sendo a realidade atual mais parecida com um bolo-mármore (marble cake), ou seja, com uma mistura de atividades e de relações de cooperação entre os diferentes níveis de governo, então, percebe-se que o PAR está sustentado na visão tradicional da camada de bolo no federalismo (layer-cake), com os três níveis de governo quase totalmente separados (SHAFRITZ; RUSSELL; BORICK, 2013). Isso está em contraste com o que propõe o regime de colaboração, pois esse tipo de descentralização de ações não atua com interdependência, não é garantidora de autonomia para o município nem fortalece a ideia de cooperação do pacto federativo. A autonomia do município é ferida ao não permitir que possa participar da concepção do PAR, tampouco possa decidir, na fase de elaboração, sobre o conteúdo dos planos, restando apenas executá-los.

Isso posto, somente é possível deduzir que as relações intergovernamentais entre os entes desembocaram, no dilema do shared decision making, em uma tomada de decisão conjunta que levou a arranjos políticos por vezes insatisfatórios. Com base nas ideias de Fritz

Scharpf (1988), Pierson (1995) argumenta que a formulação de políticas compartilhadas está propensa a armadilhas de decisões conjuntas (joint-decision traps). Dentre elas, segundo o autor, está a incorporação de proteções institucionais. Causada pelo desejo de garantir que os interesses institucionais sejam protegidos, promove-se o desenvolvimento de um desenho mais rígido para as políticas públicas, pois os diversos atores institucionais envolvidos na elaboração de políticas conjuntas procurarão proteger não somente suas metas políticas, mas também as suas posições institucionais. É isso que se verifica no caso no PAR, pois o MEC, buscando proteger os interesses federais, desenvolveu um desenho que dificultou sua adaptação às peculiaridades dos governos municipais. Significa dizer que, em termos de interdependência, predomina a atuação do governo central no processo decisório inerente à cooperação para a implementação do PAR, em detrimento de uma construção em que prevaleça a colaboração entre os entes federados.

5 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO EXERCÍCIO DO PAR: redes