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Federalismo no Brasil pós Constituição de 1988: descentralização, autonomia e

3 FEDERALISMO E EDUCAÇÃO: o papel dos entes federados na trajetória

3.2 Federalismo no Brasil pós Constituição de 1988: descentralização, autonomia e

Para continuar discutindo o contexto e as especificidades que caracterizam o federalismo brasileiro, cabe lembrar que os elementos conceituais sobre a forma de organização federalista pressupõem a existência de arranjos institucionais e regras de decisão do governo central para incorporar interesses das unidades subnacionais, que variam de acordo com o grau em que fornecem poder de veto aos entes federados, além de um conjunto de atores com base territorial, cujas ideias e interesses variam muito em número e heterogeneidade. Ainda, implica a atribuição de responsabilidades políticas entre os diferentes níveis de governo, que se refletem tanto na formulação de políticas quanto na sua implementação (OBINGER; CASTLES; LEIBFRIED, 2005).

A redemocratização do país marcou um novo momento no federalismo brasileiro, erguido sob a atuação das elites regionais, que foram essenciais para o desfecho da transição democrática, desde as eleições estaduais de 1982, passando pela vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral até chegar à Nova República e à Constituinte (ABRUCIO, 2005). O período da Nova República inicia-se com o retorno da atuação dos governadores, nos âmbitos político e administrativo, pois consolida-se seu poder de influência, tanto em seus estados quanto junto ao Governo Federal. Costa (2003, p. 79) ressalta que “a força política de cada estado sempre dependeu da habilidade de suas elites políticas em formar alianças com outras forças estaduais e protagonistas nacionais na esfera federal”. Ainda segundo o autor, a tão desejada democratização não teve um grande impacto nas relações intergovernamentais, pois permaneceu a disputa entre elites políticas estaduais que são contra ou a favor do Governo Federal.

Para complexificar ainda mais esse cenário, durante os anos 1980, os municípios também passaram a exercer pressão em prol de mais autonomia. A descentralização da gestão pública “nasceu na esteira da redemocratização política, no início dos anos 1980, e se consolidou como um dos princípios fundamentais na discussão constituinte acerca do novo formato institucional que as políticas sociais deveriam ter” (CARDOSO JR., 2011, p. 32). É importante destacar que, conforme argumenta Abrucio (2002, p. 143;152), nos países em que houve alteração da organização político-territorial, a descentralização tornou-se ainda mais relevante, como é o caso do Brasil, pois “influenciou a redemocratização do país, o redesenho da rede de proteção social e a reforma do Estado”, especialmente porque, ao agregar uma ampla e heterogênea coalizão de interesses, “o discurso descentralizador teria suas principais qualidades associadas à democratização do Poder público e à melhora do desempenho governamental”.

A transição democrática teve como momento emblemático a Constituição de 1988, considerada um marco de descentralização federativa, fortalecendo-se a noção de associação entre descentralização e democratização (KUGELMAS, 2001). Aina segundo o autor, emergiu no Brasil um modelo singular, devido à peculiaridade de mencionar o município como ente federado no texto constitucional. O movimento municipalista, na visão de Affonso (1996), foi incentivado devido à descentralização tributária, que estabeleceu uma contradição entre a ampliação do espaço de liberdade política, incluindo a importância das eleições como forma de acesso e preservação do poder, e a dependência financeira de estados e municípios em relação ao Governo Federal. Ainda segundo o autor, a Constituição de 1988 não estabeleceu critérios para a criação de municípios, conferindo amplos poderes aos estados para legislarem sobre o assunto. Conforme explica Abrucio (2002), buscou-se, na história brasileira recente, democratizar o plano local mediante a descentralização que, embora enfrente um processo desigual na sua distribuição pelo país e tenha um longo caminho a percorrer, redundou em uma pressão sobre as antigas estruturas oligárquicas, conformando um fenômeno sem par na trajetória federativa brasileira.

O federalismo brasileiro é reafirmado no art. 1º da Constituição Federal de 1988, a partir da “União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” (BRASIL, 1988, n.p.), e a autonomia é garantida no art. 18, no qual se estabelece que a organização político- administrativa da República Federativa do Brasil é compreendida pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos (BRASIL, 1988, n.p.). Conforme afirma Losada (2008, p. 6),

a autonomia política municipal ficou assegurada constitucionalmente pela eleição direta de prefeito e de vereadores para todos os municípios, pelo poder de se auto- organizar na Lei Orgânica Municipal, pela capacidade de regulação e execução dos serviços públicos sob sua titularidade e pela competência de legislar sobre assuntos que lhe são reservados exclusivamente, em razão do interesse local, e ainda, nos demais casos, suplementarmente.

A adoção da forma cooperativa possui a finalidade principal de prestigiar a descentralização na organização político-administrativa, dotando os níveis de governo de certa autonomia. No plano das políticas públicas, Abrucio (2010, p. 45) afirma que há cinco grandes pilares presentes na Constituição de 1988:

a) busca da universalização das políticas, com o intuito de obter a garantia plena dos direitos sociais;

b) democratização da gestão estatal, tanto no que se refere à participação no plano deliberativo, como no campo do controle do poder público;

c) profissionalização da burocracia, por meio dos concursos e carreiras públicas, tomada como uma condição essencial para a qualidade na formulação e implementação das ações governamentais;

d) descentralização, preferencialmente em prol da municipalização das políticas; e) preocupação com a interdependência federativa, na forma de medidas de combate

à desigualdade, de preocupações em torno da cooperação intergovernamental e da definição de um raio importante de ações federais como agente nacional.

Esses pilares são substanciais para a compreensão do pacto federativo, pois remetem ao cerne da discussão proposta aqui, uma vez que a educação, como direito social, deve ser garantida por todos os níveis de governo, independente das normas e padrões que sejam estabelecidos para tanto, mas considerando um formato mais descentralizado e interdependente que deve ser adotado. Em contrapartida, é necessário ter em mente que princípios jurídicos novos não encerram, por si mesmos, fundamentos antigos, arraigados na cultura do país. Por isso, é a partir da ação e da prática dos novos fundamentos que haverá a concretização dos princípios explicitados na Constituição Federal de 1988, com a perspectiva de que se minimizem possíveis retrocessos político-institucionais na continuidade da trajetória brasileira. Considerando a consolidação do governo local enquanto ente federado, verifica-se que a Constituição está pautada em um regime normativo e político, plural e descentralizado, no qual se encontram novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões, exigindo um entendimento mútuo entre os entes federativos e a participação e supondo a abertura de novas arenas públicas de deliberação e mesmo de decisão (CURY, 2010). Essa concepção está de

acordo com o que Watts (2001) anuncia como sendo a característica definidora desse tipo de organização do Estado: nem o governo federal nem os entes subnacionais são constitucionalmente subordinados ao outro, pois cada nível de governo tem poderes definidos pela Constituição, e não por outro nível de governo, possuindo a capacidade de lidar diretamente com seus cidadãos no exercício dos seus poderes legislativos, executivo e tributário, e cada nível é eleito diretamente por seus cidadãos.

Sobre a conjuntura brasileira da redemocratização, Affonso (1996, p. 5) afirma que “ocorreu primeiro nos governos subnacionais, com a eleição para governadores e prefeitos no início dos anos 80, e somente em 1988 chegou ao núcleo central do Estado, com a Assembleia Nacional Constituinte e, em 1989, com a eleição direta para presidente da República”. Portanto, segundo o autor, com a redemocratização, adveio uma identificação entre a luta contra o autoritarismo e a luta pela descentralização, mas esta não aconteceu por intermédio de um plano nacional, ao contrário, o Governo Federal manteve-se oposto a isso o quanto pôde29. Como

consequência, a descentralização ocorreu de forma descoordenada, sem um projeto articulador. Em um estudo comparativo realizado no final da década de 1990, Stepan (1999) analisou em que medida diversas nações federalistas variam em um continuum que vai da alta restrição à ampliação do poder democrático (poder do demos30). O autor averiguou quatro variáveis:

a) Variável 1: o grau de super-representação da Câmara Territorial – quanto maior é a super-representação dos estados menos populosos (e, consequentemente, a sub- representação dos estados mais populosos), maior é o potencial restritivo do Senado.

b) Variável 2: a “abrangência das políticas” formuladas pela Câmara Territorial – quanto maior é a abrangência das políticas formuladas pela Câmara que representa o princípio territorial, maior é o seu potencial para limitar a competência legislativa da Câmara que representa o princípio da população.

29 “O avanço da descentralização encontrou a União numa postura defensiva. Ao perder recursos tributários na

Constituição e se responsabilizar integralmente, num primeiro momento, pela estabilidade econômica, o Governo Federal procurou transformar a descentralização num jogo de mero repasse de funções, intitulado à época de ‘operação desmonte’” (ABRUCIO, 2002, p. 193).

30 O demos constraining e demos enabling são formas de federalismo democrático que restringem (constraining)

ou ampliam (enabling) o poder do conjunto dos cidadãos da sociedade política (a dificuldade/facilidade em aprovar projetos e governar, respectivamente). O Brasil pode ser considerado um país no extremo da ponta do demos constraining, por se tratar de um federalismo altamente restritivo ao poder central; caracteriza-se por uma Câmara Alta (Senado) de baixíssima proporcionalidade e por uma Câmara Baixa (Câmara dos Deputados) igualmente desproporcional. Os eleitorados e os governadores que ajudam a enviar membros para a Câmara Alta têm suas próprias agendas e controlam recursos valorizados pelos senadores, os quais podem obstruir a aprovação de importantes reformas legislativas.

c) Variável 3: o grau em que a Constituição confere poder de elaborar políticas às unidades da federação – quanto maior é a extensão da competência para elaborar políticas que a Constituição retira da alçada legislativa do governo central, mais restrito fica o demos.

d) Variável 4: o grau de nacionalização do sistema partidário em suas orientações e sistemas de incentivos – quanto mais disciplinados são os partidos políticos cujos sistemas de incentivos privilegiam os interesses do conjunto da sociedade em relação aos interesses locais e provinciais (principalmente no que diz respeito à indicação de candidatos), mais os partidos nacionais têm condições de atenuar as características inerentemente limitadoras do federalismo.

Com base na avaliação de cada variável, Stepan (1999) teceu reflexões sobre diversos países, tais como Brasil, Estados Unidos, Áustria, Alemanha, Espanha, Bélgica, Índia, dentre outros. Buscando sistematizar a exposição das considerações trazidas pelo autor sobre o Brasil, optou-se por reuni-las em um quadro, incluindo mais alguns comentários após a ilustração (Quadro 7).

Quadro 7 – Síntese das principais abordagens sobre Federalismo

Variável Considerações sobre o Brasil

Variável 1: O grau de super-representação da

Câmara Territorial.

Cada estado, independentemente de sua população, recebe um número igual de cadeiras no Senado (três no Brasil).

Cada estado, independentemente de seu pequeno tamanho, recebe um “piso” de oito representantes na Câmara dos Deputados e nenhum estado, a despeito da extensão de sua população, pode receber mais do que o “teto” de setenta deputados.

Variável 2: A “abrangência das políticas” formuladas pela Câmara Territorial.

O Brasil possui simetria de poderes entre as duas casas do Legislativo. A Câmara Baixa tem mais poder na formulação de projetos que dispõem sobre matéria financeira; e a não ser que o Senado rejeite um projeto em sua totalidade, a Câmara dos Deputados pode modificar qualquer mudança introduzida pelo Senado, sem discussão. Não há nenhuma área de política que esteja fora da competência do Senado, e muitas das áreas-chave são de sua exclusiva prerrogativa (art. 52 da CF de 1988)31. Variável 3: O grau em que a Constituição confere poder de elaborar políticas às unidades da federação.

O federalismo brasileiro é bastante restritivo. Uma quantidade grande de questões, tais como sistemas de aposentadoria, programas de desenvolvimento regional, fixação de percentuais da alocação de impostos à União, estados e municípios, e inúmeros outros itens estão definidos na Constituição de 1988. Assim, esses temas ficam excluídos do âmbito da legislação ordinária de decisão por maioria.

Quanto à competência legislativa, presume-se que se a Constituição é omissa em relação a um assunto, a competência legislativa residual cabe às unidades da federação.

31 Stepan (1999) cita como exemplos: o Senado indica diretamente dois terços dos juízes responsáveis pela

verificação das contas federais e tem o direito de rejeitar ou confirmar o terço restante. Cabe também exclusivamente ao Senado autorizar empréstimos externos tomados pelo governo federal e derrubar um parecer negativo do Banco Central. O Senado dispõe de competência exclusiva para aprovar os níveis de endividamento externo da administração federal.

Variável Considerações sobre o Brasil Variável 4: O grau de nacionalização do sistema partidário em suas orientações e sistemas de incentivos.

Não há a nacionalização do sistema. Como o sistema político não tem um sistema de representação proporcional por lista aberta nem um distrito uninominal com eleições primárias, os candidatos financiam independentemente suas campanhas, e o sistema é presidencialista, então há muito poucos incentivos estruturais, ou de escolha racional, para se criar uma unidade partidária no plano nacional. Fonte: Stepan (1999).

Sobre a variável 1, Stepan (1999) explicita que o menor estado brasileiro, em 1991, era Roraima, e o maior era São Paulo. Se houvesse uma perfeita proporcionalidade no Brasil, Roraima teria um deputado, e São Paulo teria perto de 115, mas Roraima elege oito deputados, e São Paulo, apenas 70. O autor afirma que a interação das variáveis 1 e 2 implica que os estados que representam apenas 13% de todo o eleitorado têm 51% dos votos no Senado. Essa discussão estabelecida por Stepan (1999) sobre a super-representação da Câmara Territorial, embora coerente, não indica haver um posicionamento firmado no sentido de que deveria prevalecer a proporção numérica entre densidade populacional e quantidade de representantes, pois, utilizando o exemplo do autor, se Roraima tivesse apenas um deputado, certamente sua força política estaria enfraquecida face ao poder que seria conferido a São Paulo, conduzindo as relações intergovernamentais a possíveis inflexões que agravariam ainda mais as assimetrias regionais brasileiras. Nesse sentido, Oliveira, R. e Sousa (2010, p. 19) afirmam:

Temos um arranjo federativo que permite disponibilizar a um cidadão de São Paulo, na forma de impostos, mais recursos do que para um cidadão da região Nordeste, mas o voto deste último na composição das casas legislativas nacionais vale mais do que o daquele. O arranjo confere a supremacia econômica a São Paulo e, em alguma medida, ao Sudeste, e a supremacia legislativa aos estados menores e mais pobres. Se a troca é justa, não se perguntou ao cidadão brasileiro a respeito. Foi um arranjo das elites nacionais. Corrigir a distorção, ainda que defensável, é complexa tarefa política, até o momento sem qualquer perspectiva de sucesso.

No caso da variável 2, Rocha (2013) acrescenta que, como a Constituição é mais explícita sobre a distribuição de poderes e funções, o potencial de disputas entre os entes é menor. Assim, o Supremo Tribunal Federal, que arbrita sobre os conflitos federativos, intervém menos sobre estas matérias, tendo em vista que há um consenso inicial significativamente maior sobre a distribuição territorial de poder.

Com relação à variável 3, Stepan (1999) alerta que é uma variável muito complexa, pois se constitui de três elementos analiticamente distintos, mas com estreita relação entre si. O primeiro refere-se ao volume das questões legislativas definidas na Constituição dos países, que exige maiorias excepcionais para sua aprovação. O segundo diz respeito aos poderes que a Constituição confere às unidades e ao centro da federação. O terceiro está relacionado com a possibilidade de se presumir, na eventualidade de a Constituição ser omissa quanto a uma

determinada questão, que o poder residual para legislar deve competir ao centro ou às unidades da federação.

Conforme determina a Constituição brasileira de 1988, a quantidade mínima de votos necessários para obstruir a votação de qualquer lei corresponde ao número de votos contra por parte dos senadores, representando 8% do eleitorado brasileiro (STEPAN, 1999). Ainda segundo o autor, a situação brasileira é um “equilíbrio induzido pela estrutura”: dado que todos os jogadores conhecem o potencial de obstrução de uma pequena minoria, muitas medidas que poderiam contar com o apoio de uma maioria do Congresso e da opinião pública são retiradas da agenda.

A interação das variáveis 1, 2 e 3, no Brasil, cria um potencial de obstrução das preferências da maioria e coloca o Brasil na extremidade final do continuum, ou seja, mais restritivo do poder da maioria. Sobre a variável 4, Stepan (1999) argumenta que, no Brasil, o fato de que, durante o processo de transição democrática, as eleições diretas para governador foram realizadas em 1982, mas apenas em 1989 para presidente da República, contribuiu para a natureza restritiva do poder democrático e do poder central da Constituição de 1988, bem como para o aumento da descentralização dos recursos fiscais brasileiros, mas não colocou em perigo a unidade territorial do país.

A análise de Stepan (1999) sobre o caso brasileiro torna-se oportuna para a discussão do federalismo no Brasil, pois permite perceber que ainda há muito a avançar na construção de uma nação em que prevaleça uma soberania compartilhada, que garanta a combinação entre autonomia e interdependência dos entes. De um lado, Elazar (2011) defende que o pacto federativo representa a composição de uma parceria em que se procede um compartilhamento matricial de poderes entre os governos subnacionais e a esfera central e não a concentração da soberania em apenas um ente. Por outro lado, Stepan (1999) alerta que os sistemas democráticos federativos podem variar significativamente em uma grande quantidade de práticas e regras decisórias contidas na Constituição que contrariam o princípio democrático de “uma pessoa,

um voto”. Sobre essa perspectiva, cabe destacar o que Arretche (2012, p. 151) argumenta: “a autonomia decisória dos governos subnacionais pode ser fortemente restringida, mesmo em

estados federativos, por diferentes mecanismos institucionais, tais como obrigações constitucionais e a legislação nacional”.

Deve-se acrescentar que o regime republicano no Brasil – exceto durante os períodos autoritários – tem sido marcado por duas características gerais: primeiro, por um sistema presidencialista forte, com interferência direta no funcionamento do Poder Legislativo, sistema eleitoral proporcional com lista aberta e multipartidarismo, intensa participação da coalizão

parlamentar na composição do governo (ministérios, secretarias, autarquias e empresas públicas); e segundo, um sistema federativo que confere autonomia constitucional para os estados e municípios, com forte presença de interesses regionais e estaduais no processo decisório, tanto no Poder Executivo como no Legislativo (COSTA, 2005).

A Constituição Federal de 1988 optou por um federalismo cooperativo. De fato, no terreno das políticas sociais, a Constituição foi pensada para ultrapassar o sistema hierárquico ou dualista, comumente centralizado, e as representações de federalismo centrífugo e centrípeto (CURY, 2010), por isso propôs uma idealização de federalismo cooperativo, com um sistema marcadamente descentralizado, caracterizado pela existência de funções compartilhadas entre as esferas de governo, dentro de limites expressos, reconhecendo a dignidade e a sua autonomia própria, e também pelo fim de padrões de autoridade e responsabilidade claramente delimitados (ALMEIDA, 2001; CURY, 2010). Argumenta-se que a descentralização, ao aproximar os formuladores de políticas públicas de seus implementadores, e, sobretudo, estes dois dos cidadãos, melhoraria o fluxo de informações e a possibilidade de avaliação da qualidade da gestão pública (ABRUCIO, 2002).

A descentralização política refere-se à “dispersão do poder decisório, ou seja, à efetiva capacidade das instâncias políticas subnacionais e de seus eleitores de tomarem decisões sobre seus governantes, suas políticas públicas e sobre a alocação de recursos tributários” (SOUZA, C., 2008, p. 39). Ainda segundo a autora, as dimensões mais importantes são assumidas em três frentes: a política, que transfere autoridade para atores subnacionais; a fiscal, que implica o aumento dos recursos e da capacidade decisória sobre sua aplicação, e a administrativa, que se refere ao deslocamento do eixo de responsabilidade pela elaboração e/ou implementação de políticas, sejam elas financiadas ou não por outras esferas.

Especialmente no âmbito administrativo, um dos efeitos da descentralização é percebido por meio da desconcentração, a qual consiste na transferência da responsabilidade de execução dos serviços públicos para unidades fisicamente descentralizadas (ARRETCHE, 2012). Problematizando que a desconcentração de funções ocorre em diversas áreas, em decorrência da peculiaridade de cada política pública, Abrucio (2002, p. 155) argumenta que

Os possíveis ganhos de eficiência resultantes da desconcentração das atribuições não são alcançados caso faltem recursos suficientes às administrações locais, ou se estas deixarem de exercer sua autoridade tributária. O repasse das funções antes centralizadas só alcança plenamente seus objetivos quando acoplado à existência ou