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2 REFLEXÕES SOBRE AS BASES CONCEITUAIS DO FEDERALISMO

2.2 Federalismo como pacto: aspectos conceituais da cooperação federativa

2.2.1 Elementos essenciais da competição federativa

O caminho adotado para a celebração do pacto federativo e consequente organização do Estado, mediante esse formato, pode conter traços de um enfoque mais cooperativo ou mais competitivo10. Segundo Watts (2006), a competição intergovernamental dentro de um sistema federal também é inevitável. É um resultado natural com diferentes governos dentro de um único sistema político, cada um com a tentativa de servir e ganhar o apoio dos mesmos cidadãos.

10 O progresso em direção a uma teoria competitiva das relações entre os poderes avançou na década de 1990 com

A interdependência dentro de sistemas políticos federais implica em relações de cooperação e competição (WATTS, 2006). Nesse sentido, com o intuito de contribuir para o aprofundamento da discussão teórica sobre a temática, faz-se necessário refletir se os elementos presentes na concepção de federalismo competitivo podem contribuir para o desenvolvimento do pacto federativo.

Franzese (2010, p. 64) observa que, dentro da lógica competitiva, “prevalecem os valores da autonomia e diversidade, sendo mais difícil a consolidação de padrões nacionais de cidadania” e que a cooperação é vista sob a perspectiva que privilegia a equidade ao longo do território. Os dois conceitos de federalismo cooperativo e federalismo competitivo podem ser entendidos como respostas intergovernamentais para a interdependência inevitável do governo dentro de sistemas políticos federais (WATTS, 2006).

De acordo com Watts (2006), alguns aspectos devem ser considerados no desenvolvimento do federalismo, levando à reflexão de três possíveis desdobramentos que podem ecoar no decorrer de uma atuação intensamente cooperativa. Em primeiro lugar, o autor defende que a intensa cooperação intergovernamental pode prejudicar a responsabilidade democrática. Equalizando elementos do federalismo cooperativo e competitivo, o argumento é que, assim como a concorrência econômica produz benefícios superiores em comparação com os monopólios e oligopólios, a competição entre os governos proporciona aos cidadãos um melhor serviço. A cooperação intergovernamental deve, nessa visão, ser mantida ao mínimo necessário, e a elaboração de políticas competitivas por parte dos governos, cada um responsável perante o seu próprio eleitorado, deve ser a ênfase principal.

O segundo aspecto importante a ser considerado é que a tomada de decisão conjunta excessiva causaria impacto sobre a eficácia do processo de decisão política, desencorajando a iniciativa governamental11. Embora o federalismo cooperativo possa contribuir para a redução de conflitos e permitir a coordenação, quando se torna intertravado, pode minar a iniciativa e a liberdade de ação dos governos em ambos os níveis, causando inflexibilidade (WATTS, 2006). Nesse sentido, Abrucio e Sano (2013, p.18) acrescentam que o princípio da autonomia depende de certa liberdade e, em certa medida, da competição entre os níveis de governo. Segundo os autores, “se um ente federativo precisa a todo momento da ajuda do governo central, provavelmente ele não esteja apto a se constituir enquanto tal”.

O terceiro desdobramento de uma atuação fortemente cooperativa está centrado no seu impacto potencial sobre a autonomia das unidades constituintes, em especial nos casos em que

o governo central, devido a sua superioridade de recursos financeiros, é capaz de dominar estes processos, resultando em um federalismo coercitivo12 (WATTS, 2006). Segundo o autor, esses acontecimentos tendem a minar a não subordinação, a essência do federalismo, por isso é necessário reduzir os processos que levam a estes resultados coercitivos. Nesse sentido, considera-se que “a competição enquanto controle é igualmente fundamental para aprender com os erros num sistema federal, incentivando a adoção de novas soluções. Além disso, a diversidade típica da situação federalista só se mantém com algum grau de competição” (ABRUCIO; SANO, 2013, p. 18).

Visando a demonstrar que existem pontos e contrapontos nessas abordagens, e considerando o que afirmam Abrucio e Sano (2013), as características do modelo competitivo reforçam pontos positivos importantes do federalismo, tais como a autonomia dos níveis de governos, a inovação e a elasticidade, elementos que auxiliam no tratamento de questões advindas da diversidade existente em um país federativo. Acrescenta-se também que “o modelo de federalismo competitivo se caracteriza por uma estrutura bastante descentralizada, tanto no que se refere à divisão de competências, quanto no que tange à capacidade de tributação” (FRANZESE, 2010, p. 65), ou seja, as unidades constitutivas irão, de forma descentralizada e autônoma, concorrer pela oferta dos serviços sociais e pelo fomento à economia.

Um exemplo de prática competitiva é oferecer subsídios para incentivar as empresas a se localizarem em determinada região, apresentando menores taxas de tributação ou fornecimento de infraestrutura para a indústria (OPESKIN, 2001). Outras questões importantes residem no papel da mobilidade e da informação, defendidas por Thomas R. Dye. A mobilidade espacial é importante porque as famílias consomem bens e serviços públicos e pagam impostos. Assim, elas podem se mover de uma região para outra, de uma comunidade para outra, em resposta às políticas dos governos regionais ou locais. A informação também é valiosa, pois permite que se compare o desempenho de governos e de empresas. E, com base nessas informações, as famílias e as empresas podem decidir onde se estabelecer (DYE, 1990 apud LÓPEZ-ARANGUREN, 1999).

Partindo de uma visão econômica da política, “o pressuposto de Dye é que a competição entre os entes federativos [...] tem como preocupação primeira o aumento do controle sobre o poder e, como consequência, melhora na prestação dos serviços públicos” (ABRUCIO; SANO, 2013, p. 19). Essas melhorias seriam percebidas especialmente pelas

12 Para maiores informações sobre o tema, ver Kincaid, 1990. No federalismo coercitivo, a relação entre as esferas

do governo é de dependência das unidades subnacionais em relação ao governo central, sendo o hierárquico o padrão de autoridade que predomina.

unidades subnacionais, mediante o incentivo à inovação nas políticas públicas e, por conseguinte, à ampliação da responsividade do sistema. Isso se daria porque, além de consumidores e contribuintes, os cidadãos são eleitores e, como tal, podem influenciar os governos regionais e locais a melhorar o desempenho de outros governos (LÓPEZ- ARANGUREN, 1999).

Nesse ponto, questiona-se: o federalismo competitivo pode produzir soluções economicamente eficientes, por meio da concorrência, para o estabelecimento de leis, práticas e procedimentos das jurisdições? (OPESKIN, 2001). Deixando de considerar os possíveis avanços econômicos alcançados por meio de instrumentos competitivos agressivos no âmbito da indústria, López-Aranguren (1999) indaga: podem ser competitivos os estados mais pobres, com as comunidades mais pobres, os grupos mais pobres da população?

Se o foco aqui fosse apenas levantar os aspectos positivos e negativos de cada concepção, essa discussão estaria longe de ser esgotada, pois haveria duas correntes de pensamento: federalismo cooperativo versus competitivo. Portanto, o que se considera não é recomendar a adoção do federalismo competitivo, dado que o mesmo significa certa ruptura com a abordagem cooperativa, mas compreender que também não há um padrão puramente cooperativo. Considera-se que não se está em uma corrida para ver qual o melhor tipo de federalismo, mas compreende-se que, tal como acontece com todas as parcerias – que seria, em essência, o que o pacto federativo representa – a longo prazo, o que ocorre é uma mistura equilibrada entre cooperação intergovernamental e concorrência. Nas palavras de Abrucio e Sano (2013, p. 19), “o que se percebe na realidade das federações, ademais, é que elas precisam de mais coordenação e cooperação do que normalmente têm”.

Em última análise, verifica-se que cada idealização, se levada a uma prática excessiva, torna-se indesejável (WATTS, 2006). Abrucio e Sano (2013, p. 19) corroboram essa posição quando afirmam que “a adoção de um paradigma de pura competição entre os entes seria um desastre [...], porque tenderia a aumentar a desigualdade entre os entes federativos”13. Mas também Watts (2006) argumenta que, quando levado ao extremo, o federalismo cooperativo resulta no enfraquecimento da responsabilidade democrática, na redução da iniciativa governamental e em limites à autonomia dos governos. E Wright (1978) conclui que a presença da cooperação não significa a ausência da competição, e vice-versa.

Assim, Elazar (2011) defende que, para ser bem-sucedido, o sistema federal deve desenvolver um equilíbrio adequado entre cooperação e competição, e entre o governo central

13 Paul Peterson, no livro The Price of Federalism (1995), anuncia as consequências da adoção extrema do

e suas unidades constituintes. O equilíbrio é um objetivo-chave aqui, originando-se a partir do movimento que congrega circunstâncias locais específicas com a necessidade de coordenação das políticas. Para concluir, entende-se que, na busca por incorporar elementos como autonomia e interdependência na gestão das relações entre os governos nacionais e locais, estes acabarão por utilizar, em maior ou menor medida, os instrumentos disponíveis para governar, os quais não serão puramente cooperativos ou competitivos, mas sim aqueles que melhor representem soluções para contemplar as prioridades da população.