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Notas sobre a evolução do federalismo no Brasil: da Proclamação da República à

3 FEDERALISMO E EDUCAÇÃO: o papel dos entes federados na trajetória

3.1 Notas sobre a evolução do federalismo no Brasil: da Proclamação da República à

A compreensão da trajetória do federalismo brasileiro passa, necessariamente, por um exame das condições históricas sob as quais o Brasil concebeu e organizou sua concepção de Estado. Sem tender a um esgotamento do tema, cabe aqui pontuar e analisar esses períodos e mudanças na trajetória do federalismo brasileiro, pois os fatos históricos que marcaram as fases da Primeira República (1889-1930), governo provisório de Vargas (1930-1934), governo constitucional de Vargas (1934-1937), Estado Novo (1937-1945), República Populista (1945- 1964), regime militar (1964-1985) e redemocratização (1985-dias atuais), demonstram diversos processos de reestruturação do Estado caracterizados por movimentos pendulares com tendências de (re)centralização e descentralização. O esforço maior no entorno desse texto é o de apresentar a sequência dos eventos, enfatizando elementos que permitam compreender os diferentes modos como foram coordenados os arranjos federativos instaurados a partir de seus traços históricos definidores.

Desde a independência, proclamada em 1822, até o final do século XIX, o Brasil adotou a monarquia como regime político, a partir de uma formação unitária criada pela Constituição do Império, de 1824. Esse período caracterizou-se pela centralização política e administrativa, com um governo unitarista que possuía amplos poderes sobre as províncias e municipalidades (ABRUCIO, 2010), mas foi também um momento de consolidação do poder das elites regionais, cujo sucesso econômico não foi acompanhado pela participação política (COSTA, 2005)15.Considerando os tipos de formação das federações (confederação, federação e Estado unitário), observa-se que, nesse momento, o Brasil ainda não se caracteriza como uma nação federalista, mas como um Estado unitário, nos termos do que caracterizam Soares (1998) e Rocha (2013), como sendo um poder concentrado, que se coloca como autoridade exclusiva de uma sociedade política, cujas divisõesadministrativas, chamadas de regiões ou províncias, não possuem autonomia e são diretamente subordinadas à autoridade do poder central, mediante delegação (exclui-se a existência de focos parciais de poder). Sendo assim, nesse período, o imperador escolhia os presidentes de Províncias.

O período imperial, no entanto, pode ser dividido em duas fases: na primeira, observa- se uma centralização absoluta do poder político, e na segunda fase, a partir do Ato Adicional

15Estabeleceu-se que o regime monárquico seria o regime político que poderia preservar os dois elementos básicos

do sistema colonial, considerados necessários para a manutenção da aristocracia fundiária: a escravidão e uma administração política unitária (COSTA, 2005).

de 1834, que converteu o Império em monarquia, um processo de desconcentração administrativa (SANTOS; ANDRADE, P., 2012). Ainda segundo os autores, diversos problemas ocorreram com as províncias brasileiras, porque havia, de um lado, um governo central que assumiu a maioria das atribuições e responsabilidades perante os governados, tomando decisões que vão de encontro ao interesse público devido ao distanciamento da realidade socioeconômica e cultural em que vive a população; e, de outro lado, havia a manifestação da indignação das primeiras províncias com tal situação, com a consequente busca por maior autonomia diante do governo de Portugal. Abrucio (2010) relata que o modelo centralizador não se sustentou porque as elites políticas brasileiras eram basicamente localistas e com padrões políticos oligarquizados.

O Brasil é marcado por duas heterogeneidades que justificam a adoção da forma federativa de Estado: as desigualdades regionais e a diversidade de formação das elites locais (ABRUCIO, 2001). Sobre as desigualdades regionais, Abrucio (2010) argumenta que o território brasileiro foi colonizado de formas diferentes, produzindo um movimento de regionalismo, com costumes diversos, especificidades de linguagem e elites com formas de reprodução e projetos de poder particulares. No que se refere à diversidade de formação das elites locais, foi causada pela desigualdade e pela diversidade entre as regiões e províncias, que criou a necessidade de uma política de integração nacional compatível com a autonomia pleiteada, em maior ou menor medida, pelas elites e as sociedades locais.

Devido à extensão territorial brasileira e suas diversas formas de colonização, ocorreu no país uma heterogeneidade caracterizada como “regionalismo”: costumes diversos, especificidades de linguagem e elites com formas de reprodução e projetos de poder particulares. Portanto, a desigualdade e a diversidade entre as regiões e províncias criaram a necessidade de autonomia, pleiteada pelas elites e as sociedades locais, as quais só mantiveram o apoio à monarquia enquanto a escravidão existiu; após o seu fim houve a queda do imperador e da forma unitária de Estado (ABRUCIO, 2010).

Imediatamente após o golpe militar que pôs fim à monarquia em 1889, a aliança republicana adotou um sistema federativo em que as províncias foram transformadas em estados, materializando a descentralização política no país, conforme preconiza o art. 1º da Constituição de 1891: “a Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil” (BRASIL, 1891, n.p.). Nesse sentido, a origem do federalismo brasileiro se deu por desagregação, pois partiu de um Estado unitário, já constituído, para a formação de um Estado

Federal. Faz parte das bases conceituais desse tipo de formação o entendimento de que a desagregação busca eliminar estruturas unitárias, altamente centralizadas (ANDERSON, 2009). A República adotou uma configuração federativa de dualidade, com os governos central e territoriais com atuações distintas, independentes um do outro. Em sua concepção, além de buscar inspiração em outras formas de governo, tais como a Constituição da República Argentina e Constituição Federal da Suíça, a primeira Constituição federativa do Brasil, de 1891, foi instaurada sob forte influência do modelo dual do constitucionalismo norte- americano, consolidando uma república federativa bicameral e presidencialista (LOSADA, 2008), pois o sistema parlamentar foi substituído por um sistema presidencialista, foi criado um Congresso bicameral (Câmara dos Deputados e Senado) e um Supremo Tribunal independente foi instituído. Portanto, destaca-se, dentre as modificações mais significativas, a mudança da forma de governo monárquica para republicana, do sistema parlamentarista para o presidencialista e, quanto à forma de Estado, de unitário passou a adotar o federalismo.

A primeira tentativa federalista brasileira se caracterizou pela União, com o poder central, entretanto, com poderes mais limitados, e os estados (ex-províncias) com poderes mais ampliados, podendo exercer sua autonomia legislativa, ainda que em condições econômicas, militares e políticas assimétricas (CURY, 2010). Seguindo os preceitos norte-americanos, os estados e a União possuíam competências próprias, havendo o dever de respeitarem o âmbito em que cada uma deveria circunscrever-se16. Sobre uma possível consideração do papel do

município nesse contexto, em apenas um artigo a CF de 1891 lhe fez referência, mas de forma indireta foi que previu a autonomia municipal: art. 68. “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse” (BRASIL, 1891, n.p.). Na verdade, apesar da previsão constitucional sobre autonomia municipal, esta foi apenas simbólica, dado que o federalismo incorporado pela Constituição de 1891 concedeu grande autonomia política para as elites estaduais. Os municípios ficaram sujeitos aos interesses dessas elites. Devido a essa influência, Cabral (2011, p.135) afirma que “não há novidade em afirmar que essa liberdade de organização política dos Estados favoreceu o surgimento de grupos que se perpetuaram no poder”, pois as alianças entre as oligarquias estaduais, especialmente entre os estados mais poderosos, garantiam o poder tanto no âmbito local, quanto no federal.

16 Nos textos: The Federalist Papers: Nº. 45 (The Alleged Danger from the Powers of the Union to the State

Governments Considered for the Independent Fournal) e Nº. 46 (The Influence of the State and Federal Governments Compared from the New York Packet), James Madison discute essas questões.

A dualidade instituída no federalismo na Primeira República (1889-1930) evoluiu no sentido de uma combinação política pela qual os estados de São Paulo e Minas Gerais acabaram predominando na formulação e no exercício da política do país inteiro, alternando, entre si, o exercício da Presidência da República (SELCHER, 1990), pois, em troca da não-intervenção da União nos assuntos internos dos estados, os membros do Congresso Nacional aprovavam as iniciativas presidenciais e recebiam em troca os votos dos estados periféricos (CABRAL, 2011; COSTA, 2005). Esse sistema foi apoiado por fraude eleitoral sistemática17, cuja evolução resultou em um federalismo peculiar, em que havia apenas um partido político em cada estado – todos chamados “republicanos” (COSTA, 2005), e culminou em um período de mais de vinte anos de redução de conflitos entre o Governo Federal e os estados (PEPPE et al, 1997).

As aspirações brasileiras se depararam com condições históricas bastante diferentes das norte-americanas18. A conhecida Política dos Governadores configurou-se como um federalismo oligárquico19, centrífugo e assimétrico, concretizado mediante um pacto entre as

elites estaduais e o Presidente da República. Segundo Andrade, E. e Gomes, A. (2012, p. 135), “reavivou-se o mandonismo local e regional como epicentro do poder, constituindo um novo tipo de descentralização em que a concentração decisória do Império cedeu lugar às oligarquias estaduais, o que significou a manutenção dos privilégios e interesses da elite agrária”.

No campo da educação, Oliveira, R. e Sousa (2010) explicam que a Primeira República transferiu responsabilidades governamentais significativas para os estados, pois, por omissão, a CF de 1891 explicitou a responsabilidade da União em relação à educação apenas no Distrito Federal (art. 35, BRASIL, 1891), o que levou os estados a assumirem esse encargo, os quais adotaram um atendimento diferenciado, conforme suas preferências, prevalecendo dois modelos distintos (OLIVEIRA, R.; SOUSA, 2010, p. 15-16):

17 Nas eleições, os governantes utilizavam recursos legais e ilegais para eleger deputados e senadores que iriam

dar apoio e sustentação política ao presidente da República. Ligados a grandes proprietários rurais (coronéis), os governadores usavam o “voto de cabresto”, fraudes eleitorais e compra de votos para conseguir eleger seus representantes.

18 Nos Estados Unidos, o propósito de se concretizar o federalismo surge em razão do anseio de união dos estados

independentes, visando superar a forma anteriormente adotada, de confederação. O federalismo dualista é marcante, pois busca demarcar áreas de competências bem nítidas para que os Estados federados possam exercer sua autonomia. Já no Brasil, parte-se de um Estado Unitário fortemente modelado por diferenças regionais e culturais e por relações de dominação política entre o centro e a periferia, para, por meio da desagregação, adotar o federalismo como forma de organização do Estado.

19 Diversos autores como Costa (2003), Abrucio (2002) e Araújo (2013) fazem referência ao federalismo desse

período como sendo “oligárquico”. Segundo Santos e Andrade, P. (2012, p. 14), “a política dos governadores é uma expressão que traduz a arcaica e tradicional concentração de poderes na esfera estatal, que antes do federalismo se mantinha através do domínio indireto dos grandes latifundiários e coronéis, e após ele não sofreu muita modificação”, pois as antigas oligarquias utilizavam-se do federalismo dual para exercer seu domínio, agora pelo modo político direto.

a) o que se manifesta nos estados do Sul e Sudeste que assumiram a responsabilidade pelo atendimento educacional e construíram, ao longo do século XX, sistemas próprios de ensino, recorrendo subsidiariamente aos municípios;

b) o dos estados do Norte e Nordeste, em que estes se omitiram de construir um sistema de ensino de massas, e tal responsabilidade foi precariamente assumida pelos municípios.

Entretanto, mesmo que alguns estados tenham promovido reformas educacionais no início do século XX até a década de 192020, como São Paulo e Rio Grande do Sul, a maioria deles pouco avançou nessa área (ABRUCIO; SEGATTO, 2014). Ao considerar o poder e a atenção concedida a alguns estados, destoando do restante do país, estabeleceu-se um cenário em que as divergências e disputas “criaram também uma hierarquia entre os próprios estados, o que implicou um processo de agravamento das desigualdades regionais” (PEPPE et al, 1997). Isso porque, na relação entre concentração versus difusão do poder decisório, o que prevalece no federalismo centrífugo é o fortalecimento do poder das entidades subnacionais sobre o do governo central.

Até o ano de 1930 vigorava no Brasil a República Velha, firmada como o primeiro período republicano brasileiro. O golpe de 1930, que depôs o presidente da república Washington Luís em 24 de outubro de 1930, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e pôs fim à República Velha. Havia, portanto, terminado o domínio das oligarquias no poder, pois, sob o comando de Getúlio Vargas, forças revolucionárias instalaram um governo provisório (1930-1934) que reduziu a autonomia dos estados por meio da imposição de interventores. Com o governo Vargas, recoloca-se a ideia da centralização da educação na esfera federal, o qual recria o Ministério da Educação, em 1930, com o nome de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (OLIVEIRA, R.; SOUSA, 2010). O novo Ministério teve o comando de Francisco Campos, o qual executou a conhecida Reforma Francisco Campos21 para organizar as bases da educação nacional, adotando-se uma estrutura orgânica para o ensino secundário, comercial e superior, que foi imposta a todo o sistema educacional do país.

20 Acompanhando esses momentos históricos, as reformas, que procuraram normatizar e regulamentar a educação,

são reflexo do momento político vivenciado, conforme se notabiliza com as Reformas Benjamim Constant (1890), Epitácio Pessoa (1901), Rivadávia Correia (1911), Carlos Maximiliano (1915) e Rocha Vaz (1925).

21 Decreto n° 19.850 – 11 de abril de 1931: cria o Conselho Nacional de Educação; Decreto n° 19.851 – 11 de abril

de 1931: dispõe sobre a organização do Ensino Superior no Brasil e adota o Regime Universitário; Decreto n° 19.852 – 11 de abril de 1931: dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; Decreto n° 19.890 – 18 de abril de 1931: dispõe sobre a organização do Ensino Secundário; Decreto n° 20.158 – 30 de junho de 1931: organiza o Ensino Comercial, regulamenta a profissão de Contador e dá outras providências; Decreto n° 21.241 – 14 de abril de 1932: consolida as disposições sobre a organização do Ensino Secundário.

Também se confere a essa época debates em torno da construção do estado nacional, que faz parte do documento de 1932, “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, escrito por Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e outros intelectuais na década de 1930, no qual se defende a escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita, bem como apresenta a ideia de uma política de educação nacional com descentralização da sua execução. Para Abrucio e Segatto (2014), a ideia do Manifesto dos Pioneiros era ter um impacto nacional maior na transformação da política educacional, razão pela qual defendeu o fortalecimento da política nacionalmente, porém isso só poderia ser concretizado mediante a existência de capacidades estatais nos governos subnacionais para produzir políticas públicas, o que não foi feito no governo Vargas, que restringiu a reforma administrativa ao Governo Federal, mantendo a dependência dos estados e municípios ao invés de reformá-los efetivamente. Significa dizer que o dilema da centralização versus descentralização permaneceu latente, mas as políticas educacionais continuaram sendo executadas por estados e municípios, sem que houvesse grande coordenação nacional.

Em 1934, Vargas foi eleito pela Assembleia Constituinte como presidente do Brasil, com mandato até 1937. Conforme afirma Cury (2010, p. 157), “após 1930, o Estado Federal vai concentrando mais e mais poderes a caminho de um federalismo centrípeto e interventor”. Segundo Lassance (2012, p. 25), a ruptura que teve lugar em 1930 partiu da fissura no arranjo federativo que vigorou durante a Primeira República, instaurando “um novo momento fundador”, pois os ganhos em termos de concentração do poder e de fortalecimento da Presidência da República seriam explicados por causa da crise do modelo federativo de 1891. Decorre desse contexto a aprovação da Constituição Federal de 1934, articulada por uma Assembleia Constituinte convocada por Vargas, marcando um período que ficou conhecido como governo constitucional (1934-1937). A CF de 1934 integrou temas até então inexistentes: a ordem econômica e social, família, educação, cultura e segurança nacional, direitos trabalhistas e a nacionalização de certos bens, como as águas, as fontes energéticas e o subsolo, os quais estavam na pauta das reivindicações revolucionárias22. A competência da União para legislar sobre as diretrizes da educação nacional foi contemplada no art. 150, indicando a necessidade de fixar o plano nacional de educação, além normas comuns válidas para toda a nação, orientadoras da organização da educação nacional na forma de sistema, designando-se aos estados, no art. 151, a competência de organizar e manter seus sistemas

22 A Constituição de 1934 foi fortemente influenciada pelo “constitucionalismo social” da Constituição de Weimar

(1919) e do México (1917), com a incorporação de conteúdos de natureza econômica e social, ficando conhecida como a primeira “Constituição Econômica” do Brasil (CABRAL, 2011).

educativos23 (BRASIL, 1934). No âmbito do federalismo, a CF de 1934 apresentou mudanças quanto às relações entre os entes, pois enquanto a CF de 1891 previu competências isoladas da União e dos Estados, a de 1934 trouxe, no art. 10, competências concorrentes entre os dois entes (CABRAL, 2011), em temas como: saúde, assistência pública, leis sociais e impostos.

Além disso, a Constituição de 1934 altera o arquétipo antes adotado, de federalismo puramente dual, dado que traz referências aos municípios, enquanto a Constituição de 1891 considerava apenas os estados-membros. Na prática, a CF de 1934 ainda não declarava o município como ente, pois o art. 1º mantém a referência somente a estados e União: “a Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil, mantém como forma de Governo, sob o regime representativo, a República federativa proclamada em 15 de novembro de 1889” (BRASIL, 1934, n.p.). No entanto, traz, no art. 13, o enfoque na autonomia municipal:

Art. 13 – Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse; e especialmente: I – a eletividade do Prefeito e dos Vereadores da Câmara Municipal, podendo aquele ser eleito por esta;

II – a decretação dos seus impostos e taxas, a arrecadação e aplicação das suas rendas; III – a organização dos serviços de sua competência.

Assim, a CF de 1934 seguiu no sentido de um enfraquecimento dos estados, e das oligarquias regionais que até então compunham o poder, mas com fortalecimento dos municípios, com o objetivo de desenvolver um modelo econômico de industrialização nacional (BAGGIO, 2006). Tal Constituição possuiu uma importância central como “virada dogmática” nas estruturas do poder, com o surgimento de novos direitos e com a classe operária buscando formas de participação política, que conduziram ao aumento das discussões democráticas no país (SANTOS; ANDRADE, P., 2012, p. 17). Esse curto período normativo (1934-1937) é marcado por um federalismo mais centrípeto, decorrente do aumento da competência da União, porém com a peculiaridade de uma Constituição municipalista, que ampliou a cooperação entre os entes federativos visando a conceder direitos de natureza democrática. Nesse sentido, surge como possibilidade o desenvolvimento de uma trajetória que possa dar início a um papel mais autônomo dos municípios, mais imune ao tradicional jogo político-eleitoral dos estados e das oligarquias regionais.

23 A inserção dessas temáticas na CF de 1934 emerge do programa da V Conferência Nacional de Educação,

realizada em Niterói, em 1932/1933, quando designou de dez educadores indicados pela ABE, presidida por Anísio Teixeira, para elaborar o anteprojeto de capítulo referente à educação nacional para a Constituição de 1934. Nesse estudo, propunha-se que a União fixasse um PNE, com o objetivo de oferecer oportunidades iguais, segundo as capacidades de cada um. Porém, as duas constituições posteriores à de 1934 (1937 e 1946) não previram o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014a).

Contudo, interrompeu-se essa fase democrática quando Vargas coordenou um golpe de Estado, conseguindo anular a eleição presidencial que deveria acontecer em 1937, assim como revogar a constituição de 1934 e dissolver o Poder Legislativo. A partir daquele ano, Getúlio Vargas passou a governar com amplos poderes, inaugurando o regime ditatorial chamado Estado Novo (1937-1945). Por conseguinte, Vargas rompeu com a ordem constitucional, dissolveu o Congresso Nacional e outorgou a Constituição Federal de 193724, que limitou a autonomia dos estados e municípios. Fortaleceu-se a figura dos interventores federais, como forma de romper as oligarquias regionais (SOUZA, C., 1992). A autonomia dos estados oficialmente abolida (COSTA, 2005), pois “o presidente nomeava os governadores estaduais (interventores) que, por seu turno, nomeavam os prefeitos em seus estados” (SELCHER, 1990, p. 167). O governo local – o munícipio – foi deliberadamente enfraquecido e mantido na dependência dos dois níveis superiores (SOUZA, C., 1992). Notadamente, esse é um período em que há um enfraquecimento da federação.

O Estado Novo conjugou autoritarismo político e modernização econômica. Conforme explicita Baggio (2006, p. 97), a proposta de Vargas para a modernização do país ocorreu sob forte centralização do poder e “criação de uma estrutura estatal maior que, através de seus técnicos burocratas, pudesse substituir a ação das oligarquias regionais”. A educação passou por diversas reformas, por meio das Leis Orgânicas do Ensino25. Destacam-se episódios

relativos à nacionalização das escolas, ao fechamento das escolas criadas pelas comunidades imigrantes (especialmente italianas, alemãs e japonesas) e à formulação de políticas e leis nacionais de ensino (OLIVEIRA, R.; SOUSA, 2010). As principais conquistas da CF de 1934