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3.2 A BUSCA DA PROTEÇÃO ESPIRITUAL DO CANGACEIRO

3.2.5 As rezas

Para o cangaceiro não era possível enfrentar as hostes inimigas sem a proteção espiritual através de rezas51. Nessas devoções estavam trazendo hábitos da infância e dos costumes

religiosos da rotina de suas famílias sertanejas. Tinham grande apego ao oratório, que era um pequeno móvel onde depositavam várias imagens de santos e outros objetos de devoção religiosa. Individualmente ou em família faziam suas orações de frente para ele. O apego ao oratório pode ser visto na atitude do cangaceiro Jararaca na fazenda “Nova” no município de

51 Do hábito da família rezar unida diante do pequeno oratório doméstico com as imagens barrocas do Senhor da

Conceição, de São José e do Mártir Santo, lhe veio a praxe de rezar, com seu grupo de cangaço, orações de proteção, ao pino do meio-dia e à noite com velas acessas (MACIEL, 1986).

Luiz Gomes, na passagem de Lampião pelo Rio Grande do Norte. Naquele local eles sequestraram o dono e exigiram pagamento pela preservação de sua vida, causaram destruição por toda a propriedade e maltrataram as pessoas. Mas quando um dos bandidos abriu o móvel para tirar uma coroa de prata que adornava alguma imagem, Jararaca imediatamente tomou defesa do objeto religioso dizendo: “Pare! Você pode fazer o que quiser nesta casa, menos tocar no oratório!” (FERNANDES, 2009, p. 105). Volantes52 e cangaceiros se valiam de orações

fortes, para eles essas orações eram importantes armas de proteção espiritual. A vida religiosa incorporada ao misticismo popular é transportada por Lampião para o seu bando, por isso diariamente reunia seu grupo e fazia orações ao meio-dia e também ao anoitecer. Lampião fazia a oração de Santo Agostinho53.

Amabilíssimo Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus, que do seio do Eterno Pai Onipotente fostes mandado ao mundo para absolver pecados, remir aflitos, soltar encarcerados, congregar vagabundos, conduzir para sua pátria os peregrinos, compadecei-Vos dos verdadeiramente arrependidos; consolai os oprimidos e atribulados; dignai-Vos de absolver e livrar a mim (dizer o nome) [...]

Assim, pois, dignai-Vos, Senhor, introduzir e confirmar uma perfeita concórdia entre mim e os meus inimigos e fazer que sobre mim resplandeça Vossa paz, e misericórdia, mitigando e extinguindo todo o ódio e furor que contra mim tiveram os meus adversários, como praticastes com Esaú, tirando- lhe toda a aversão que tinha contra seu irmão Jacó.

Estendei, Senhor Jesus Cristo, sobre mim (nome), criatura Vossa, o Vosso braço e a Vossa graça, e dignai-Vos livrar-me de todos os que me têm ódio, e como livrastes Abraão das mãos dos Caldeus; seu Filho Isaac, da consumação do sacrifício; José da tirania de seus irmãos; Noé, do dilúvio universal; Ló, do incêndio de Sodoma; Moisés e Abraão, Vossos servos, e o povo de Israel, do poder do Faraó e da escravidão do Egito; Davi, das mãos de Saul e do gigante Golias; Suzana, do crime e testemunho falso; Judite, do soberano e impure Holofernes; Daniel na cova dos leões; os três rapazes: Sidrac, Misac e Abedênego, da fornalha de fogo ardent; Jonas, do ventre da baleia; a filha da Cananéia, da vexação do demônio; Adão, da pena do inferno; Pedro, das ondas do mar; e Paulo, das prisões do cárcere. (SOUZA, 2006, p. 83-85).

Na busca constante do cangaceiro pela proteção espiritual contra os perigos, este usava também oração de envultamento, que era uma oração que acreditava dar o poder de se tornar até mesmo invisível diante de seus inimigos. A “Oração da Pedra Cristalina” era uma oração usada constantemente. Entre os pertences que encontraram com Lampião após tê-lo matado estava essa oração. Sua origem é desconhecida, sabe-se que durante a Idade Média se fez uso de

52 Antônio Vilela em conversa por telefone com Geraldo, neto do Tenente Theophanes Torres, perseguidor de

Lampião, ouviu dele que seu avô fazia a mesma oração de envultamento de Lampião (SOUZA, 2006).

53 Antônio Vilela transcreve essa oração na linguagem usada por Lampião (SOUZA, 2006). Aqui mencionamos

apenas uma parte inicial da oração. Toda oração poderá ser consultada em: <http://paroquiasantoagostinhorj.com.br/>.

orações fortes para combater os efeitos da magia negra. Eram orações apócrifas, que não eram reconhecidas pela Igreja, mas usadas com muita frequência. Era oração para fechar o corpo, deixando imune a facas, tiros e venenos.

Minha Pedra Cristalina, que no mar fostes achada, entre o Cálice Bento e a Hóstia Consagrada. Treme a terra, mas não treme Nosso Senhor Jesus Cristo no altar sagrado. Tremem, porém, os corações dos meus inimigos e dos que me desejam o mal. Eu te benzo em cruz e não tu a mim, entre o Sol, a Lua, as Estrelas e as três pessoas distintas da Santíssima Trindade. Meu Deus! Na travessia avistei meus inimigos. Meu Deus! Eles não me farão mal, pois com o manto da Virgem sou coberto e com o sangue de meu Senhor Jesus Cristo sou protegido. Eles tentarão me atingir, mas não atingirão. Suas setas de maldade se desfarão como o sal na água. Se tentarem me cortar, não conseguirão. Suas lâminas se dissolverão aos raios do Sol. Se tentarem me amarrar, os nós se desatarão por si. Se me acorrentarem, os elos se quebrarão pelo poder de Deus. Se me trancarem, as portas da prisão ruirão para me dar passagem. Sem ser visto, passarei por entre meus inimigos, como passou, no dia da ressurreição, Nosso Senhor Jesus Cristo por entre os guardas do sepulcro. Salvo fui, salvo sou, salvo sempre serei. Contra mim nada valerá. Contra os meus ninguém se levantará. E para proteger meu lar, com a chave do sacrário eu o fecharei. Após rezar esta oração, rezar também três Pai Nosso, três Ave Maria e três Glória ao Pai, oferecendo-se às cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Algumas variações recomendam que se acendam três velas, em pires branco, pondo sal grosso ao redor de cada vela. Após elas terem queimado, lavar os pires em água corrente e deixá-los pelo menos uma noite de boca para baixo sobre um móvel de madeira. (ORAÇÃO..., 2011).

No documento Religião e cangaço na cidade de Mossoró (páginas 118-120)