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A construção da capela de Santa Luzia: fator que determinou o desenvolvimento do

No documento Religião e cangaço na cidade de Mossoró (páginas 37-40)

1.3 RELIGIÃO E PODER: A PRESENÇA CATÓLICA NO DESENVOLVIMENTO DE

1.3.1 A construção da capela de Santa Luzia: fator que determinou o desenvolvimento do

A população da ribeira de Mossoró não aumentou muito no início do século XVIII, resumindo-se às poucas famílias envolvidas nas atividades das fazendas, mas isso mudou no ano de 1772, quando um dos fazendeiros, proprietário da fazenda Santa Luzia, o sargento-mor

tinham interesses e nem recursos para colonizarem seu quinhão. Doavam lotes de terras, conhecidos por sesmarias, a importantes famílias do reino ibérico, responsabilizando-se pela atual estrutura fundiária.” (CARDOSO, 2003, p. 21).

português Antônio de Sousa Machado, interessado no povoamento da ribeira, resolveu construir uma capela da Igreja Católica Romana, denominada Capela de Santa Luzia, cuja propriedade doada para a edificação media “uma légua de terra em quadro” (SOUZA, 1979, p. 12).

À época, a ribeira de Mossoró pertencia à freguesia de Apodi, que concedeu autorização para a sua construção pelo Padre Inácio de Araujo Gondim, vigário desta que era denominada Freguesia de Santo Amaro de Jabotão. Passados noventa anos, em 1862, a capela foi demolida, com aproveitamento de algumas paredes e alicerces, e construída a atual igreja matriz de Santa Luzia, que, mais tarde, recebeu melhorias e foi ampliada, recebendo sempre doações para o seu fortalecimento, manutenção e desenvolvimento, inclusive, mais terras em torno de sua propriedade.

“É a velocidade inicial. A fixação derredor do arraial avolumar-se-á depois de 1760 e um índice desse adensamento é a construção da capelinha de Santa Luzia em 1772.” (CASCUDO, 2001, p. 19).

Após esta construção religiosa a vida católica passa a acontecer neste novo e pequeno povoado: ‘Ao anoitecer o sino da capelinha batia lentamente as três badaladas das trindades. Toda população era católica. Passava em todos os peitos o sinal de uma Cruz num recolhimento piedoso.’ (CASCUDO, 2001, p. 20).

A religião era necessária, para oferecer segurança aos moradores da região, e fundamental, para atrair novas pessoas para o povoamento da ribeira. Para essas pessoas, a religião era parte de suas vidas, um elemento determinante na sua concepção de mundo e, consequentemente, seu principal fator social. Nesse sentido, a presença da Igreja significava a presença física da religião e, num sertão distante e isolado, ela oferecia força espiritual para o livramento na luta contra os perigos daquele mundo, sempre muito violento e inseguro, no qual a força das armas era a lei e a justiça era feita com as próprias mãos.

Além disso, a presença da Igreja significava proteção contra muitas enfermidades a que o sertanejo estava sujeito, ao mesmo tempo que era o socorro divino para o moribundo, num local onde o tratamento de saúde era extremamente precário. Também oferecia a bênção espiritual para a chuva e a fartura, proporcionando ao sertanejo suprimento das necessidades básicas e a possibilidade de riqueza ou melhora de vida.

Ainda nesse sentido, Durkheim (1996, p. 32) afirma que não encontramos, na história, religião sem igreja e que ela é abrangente a uma escala nacional, englobando um povo e abarcando na sua coletividade toda a sua vida:

Uma religião é um sistema solidário de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem. [...] a idéia de religião é inseparável da idéia de igreja, faz pressentir que a religião deve ser coisa eminentemente coletiva.

Portanto, a vida do povoado parecia acontecer movida pela capela; é como se aqueles sinos despertassem as pessoas do seu sono e marcassem o ritmo de suas vidas. José Lins do Rego (1960, p. 5), em seu livro Pedra bonita, parece captar muito bem o sentimento desses povoados sertanejos em torno da igreja e da vida religiosa:

ANTÔNIO BENTO estava tocando a primeira chamada para a missa das seis horas. Do alto da torre êle via a vila dormindo, a névoa do mês de dezembro cobrindo a tamarineira do meio da rua. Tudo calado. As primeiras badaladas do sino quebravam o silêncio violentamente. O som ia longe, atravessava o povoado para se perder pelos campos distantes, ia a mais de légua, levado por aquele vento brando. Dia de N. S. da Conceição, oito de dezembro. O Padre Amâncio celebrava duas missas, a das seis e a das onze horas. Sem dúvida já se acordava com o toque do sino. Antônio Bento martelava o bronze pensando no povo. As velhas da casa-grande, as duas solteironas que venderam as terras para ir morar perto da igreja, já estariam de pé. A zeladora Francisca do Monte nem esperava pelo aviso. O seu sono leve, os seus cuidados de presidente das Irmãs do Coração de Jesus não iam esperar pela advertência do toque de Antônio Bento. Antes da segunda chamada lá vinha ela envolvida no xale escuro, andando devagar, contrita, como se já estivesse dentro da igreja. A vila acordava aos poucos. As portas das casas de negócio se abriam e o sol pegava a tamarineira umedecida para esquentar-lhe as folhas orvalhadas. O sino batia a segunda chamada. E vinham chegando as duas irmãs velhas, sempre juntas, chegadas uma à outra como se se amparassem. A mulher do sacristão Laurindo vinha logo depois. Antônio Bento gostava de puxar o badalo e gozar o som se sumindo, andando, correndo com o recado de Deus aos seus fiéis.

Em 1810, o povoado de Santa Luzia tinha uma população de, aproximadamente, duzentos ou trezentos moradores espalhados por fazendas em torno de sua capela e a vida acontecia e progredia de acordo com a direção da Igreja Católica, de maneira que, em 1938, o arraial desejava que a sua capela fosse elevada à categoria de matriz, trazendo, assim, uma maior autonomia religiosa, uma maior pontualidade na distribuição dos sacramentos e, somando-se a isso, uma maior valorização da região.

Entretanto, o processo foi moroso e encontrou dificuldades, principalmente na elaboração dos requisitos necessários para a comprovação da capacidade da região e no caminho dos trâmites legais desse processo religioso. O esforço foi recompensado em 27 de outubro de 1842, quando a capela foi desmembrada da freguesia de Apodi e elevada à categoria

de matriz, ficando a nova freguesia pertencendo ao município de Vila Princesa, comarca de Assu.

No documento Religião e cangaço na cidade de Mossoró (páginas 37-40)