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O ORGULHO DE MOSSORÓ NA SUA HISTÓRIA

No documento Religião e cangaço na cidade de Mossoró (páginas 57-62)

Há quatro fatos marcantes na história de Mossoró dos quais o seu povo muito se orgulha:

1. A abolição dos escravos, em 30 de setembro de 1883; 2. O motim das mulheres, em 1875;

3. O primeiro voto feminino no Brasil, em 1828;

4. A resistência contra o grupo de Lampião e seu bando na invasão da cidade, em 1927. Apresentamos, a seguir, uma pequena exposição desses fatos, sendo que a pesquisa sobre a resistência da cidade de Mossoró ao bando de Lampião será enfatizada no item 1.5 deste capítulo.

1.4.1 A abolição dos escravos em Mossoró

Pelo fato de o Rio Grande do Norte não possuir o ciclo do açúcar, não teve um grande efetivo de escravos em seu território, isso até 1840, quando a província começou a equipar a sua indústria açucareira, passando a aumentar o efetivo de escravos:

Mesmo assim, em pleno reinado do açúcar, ainda em 1862, tínhamos 20.244 escravos para 111.962 livres. E não contava o município do Assú. E Mossoró?

Possuía apenas 153 escravos para uma população livre de 2.493 indivíduos. Era o menor grupo em toda a província. (CASCUDO, 2001, p. 122).

Nesse sentido, surgiu, na cidade, um movimento pela libertação dos escravos, o qual não era encabeçado por nenhuma bandeira política partidária, que dele se utilizasse para fins eleitorais, mas um movimento popular que empolgou essa gente num momento de altruísmo e sentimento humanitário.

O movimento é animado pelas classes que o atacavam noutras paragens do Império, comerciantes, industriais, fazendeiros, proprietários. Nenhum imaginava utilização da campanha como projeção pessoal no plano eleitoral político. Foi realmente um movimento empolgador e que fundiu todas as classes no mesmo cadinho do entusiasmo e do arrebatamento altruístico. As excepções são tão raras que desaparecem inoperantes e tênues na força impetuosa do contágio idealista.

[...]

A Abolição em Mossoró ocorreu em 30 de Setembro de 1883, fazendo deste ato histórico um grande motivo de uma festa popular que movimentou toda a região: ‘Mossoró é o único ponto em todo Brasil onde a vitória abolicionista se tornou festa oficial e coletiva e é comemorada por todas as classes nas ruas, nas praças, nas residências, nos corações’. (CASCUDO, 2001, p. 122-123).

No entanto, não se pode achar que a abolição, em Mossoró, ocorreu porque a escravidão não oferecia nenhuma vantagem econômica para o município. Na verdade, mesmo que a mão de obra não fosse motor na economia local, o comércio de escravos era uma prática que dava lucro para comerciantes locais muito importantes: “Em Mossoró, diversas casas comerciais tornaram-se compradores de escravos, destacando-se entre elas, a Mossoró & Cia, de propriedade do Barão de Ibiapava.” (CASCUDO, 2001, p. 125). Os escravos vendidos ali cruzavam fronteiras para outros estados, abastecendo esse espúrio mercado da degradação humana.

O ideal em prol da libertação dos escravos em Mossoró começou por parte de alguns comerciantes cearenses estabelecidos na cidade, que, possivelmente, traziam de sua terra essa motivação, visto que, em 1881, Aracape tornou-se o primeiro município em todo o Império a alforriar os seus escravos. Assim, através da loja maçônica “24 de Junho”, Mossoró abraçou a causa abolicionista, alforriando, em 1882, escravos através de levantamento de fundos doados por membros dessa sociedade. Para tal fim, foi fundada, em janeiro de 1883, a Sociedade Libertadora Mossoroense, que, em junho desse ano, proclamou livres 40 escravos no município. O ideal abolicionista levou os moradores do município a libertar seus escravos de boa vontade, sem buscar indenização financeira, sendo designado, pela Sociedade Libertadora

Mossoroense, o dia 30 de setembro como dia da libertação dos escravos do município, agendando programação festiva e convidando muitas autoridades abolicionistas para o evento. Silva (apud CASCUDO, 2001, p. 126-127) narra tal festividade da seguinte maneira:

No dia 30 de setembro, amanheceu a cidade de Mossoró, com as suas todas engalanadas de folhas de carnaubeiras, e bandeiras que lhe dava o aspecto festivo. A alegria invadia todos os lares. E as 12 horas do dia, no prédio da Cadeia Pública, no 1ª andar e no salão onde funcionava a Câmara Municipal, reunida esta, a Sociedade Libertadora Mossoroense, exmas famílias, cavalheiros e grandes massa popular, foi aberta solene e memorável sessão, pelo presidente da Sociedade, Joaquim Bezerra da Costa Mendes, que em seguida, leu comovido, diversas cartas de alforria dos últimos escravos de Mossoró, e depois de proferir uma bela alocução alusiva ao ato declarou livre, o município de Mossoró da mancha negra da escravidão. Todos presentes vibraram de entusiasmo e esta proclamação foi diretamente aplaudida e coberta de flores.

Portanto, Mossoró foi a terceira cidade no Brasil a declarar seu território livre de escravidão; anteriormente a ela, houve duas cidades abolicionistas no Ceará. Percebemos, assim, que não foi o pioneirismo a marca singular do abolicionismo em Mossoró, apesar de que esse ato foi extraordinário, por ter sido anterior à abolição decretada no Brasil, em 13 de maio de 1888. O que Cascudo (2001, p. 124) destaca como único e marcante na abolição em Mossoró foi o envolvimento popular, fazendo desse acontecimento uma grande comemoração:

Não são os descendentes dos libertos de 1883, os netos do Clube do Spartacos e os Liderados de Rafael Mossoroense da Glória, os festeiros do 30 de setembro em Mossoró mas toda a população e todos os visitantes e hospedes, contagiados pela alegria poderosa de uma comemoração dignificadora e alta.

A comemoração da abolição começou no dia 28 de setembro, quando foram recebidas na cidade autoridades e várias outras pessoas que vieram para a festa. No dia 29, houve passeata de uma multidão com a Bandeira Nacional e abolicionista, sendo que muitos montados em cavalos. Com abundante número de eventos, atravessou o dia 30 de setembro e foi até 7 de outubro. Tudo isso já era suficiente para chamar a atenção, mas o fato de ter se tornado data comemorativa nos anos posteriores, até a data que foi escrita a sua pesquisa, iniciada em 1953 e com primeira publicação em 1955, para ele era algo muito interessante:

Estas conclusões, facilmente verificável por quantos assistem em Mossoró um 30 de setembro, indica a profundidade terebrante do movimento de 1883 e quanto ele representava, mesmo inconscientemente como vida em potencial no tempo. Para que a rapidez abolicionista se houvesse comunicado com tal

intensidade e vigor era preciso existir um estado anterior, mesmo ignorado, predisposto, lenta carregação nas baterias sensoriais esperando apenas o momento favorável e próprio para o fenômeno da descarga. Se esta efeméride se fixou como festa popular e viva há setenta anos era indispensável à existência de elementos psicológicos colaborantes, de uma aceitação coletiva e jubilosa, aclamando-a como essencialmente a data fiel à emoção entusiasta de todos os mossoroenses. (CASCUDO, 2001, p. 124).

Ainda nesse sentido, foi criado o Clube dos Spartacos, que tinha como objetivo dar abrigo aos escravos fugidos de outras cidades que praticavam a escravidão e que, ao receber os escravos, procurava vários meios para conquistar sua liberdade. Assim, motivado pelo desejo de liberdade humana, esse grupo recebeu muitos escravos foragidos de várias regiões e providenciou todos os recursos necessários para essas pessoas ficarem no município. Quando os senhores iam atrás dos escravos ou enviavam homens para capturá-los, o clube mobilizava-se para tomar defesa e negociar a alforria do escravo, fazendo, para tanto, o levantamento de recursos para poder comprar a sua liberdade. Muitas vezes, quando vinham indivíduos furtivamente e capturavam pessoas escravas para levar de volta aos seus proprietários, o Clube dos Spartacos saíam em sua busca até os encontrar, trazendo-os de volta ao município de Mossoró.

1.4.2 O motim das mulheres, em 1875

O motim foi uma reação de um grupo de 300 mulheres, que foi às ruas em manifestação contra o alistamento militar de seus esposos e filhos para o combate de movimentos sociais, em especial, o Movimento Quebra-Quilos, ocorrido no Nordeste brasileiro entre o fim de 1874 e começo de 1875 e que lutava contra o novo sistema de pesos e medidas aprovado pelo Império, substituindo os variados de uso tradicional pelo sistema métrico francês. Esse movimento foi contido pelo governo imperial em pouco tempo.

As mulheres de Mossoró, armadas de utensílios domésticos, saíram às ruas e encontraram na população apoio para seu movimento social. Em 4 de setembro de 1875, foram até a casa do escrivão de juiz de paz da cidade e o jornal O Mossoroense e, tomando os papéis referentes ao alistamento militar, rasgaram-nos. Essa atitude foi suficiente para evitar que os homens da cidade fossem convocados pelo governo, pois nenhuma outra providência nesse sentido foi tomada.

Em setembro de 1875 um grupo de senhoras das mais distintas e respeitáveis famílias da cidade e do município, tendo a frente Ana Rodrigues de Braga, também conhecida por Ana Floriano, por ser esposa de Floriano da Rocha Nogueira [...]. Dirigiu-se à casa do escrivão de Juiz de Paz e exigindo deste, tomou os papéis e livros concernentes ao sorteio para o exército e armada, rasgando-os. Em seguida foi o mesmo grupo a redação do Mossoroense, exigindo do respectivo diretor os papéis que ali, constituindo listas de sorteio, estava para ser publicados, sendo igualmente rasgados. Estas senhoras foram acompanhadas em todo esse trajeto por grande massa popular. E ficou nisso. (SOUZA, 1979, p. 102).

1.4.3 Celina Guimarães: a primeira mulher a votar no Brasil

Mossoró também se orgulha da primeira mulher a conquistar o direito ao voto em eleições: a professora e árbitra de futebol (MOSSORÓ, 2011) Celina Guimarães, pioneira no Brasil, o que aconteceu em 1928, durante o governo de Juvenal Lamartine. A partir dessa conquista, estendeu-se pelo país o movimento social pelos direitos da mulher em participar das eleições, chamado de “voto de saias”.

Também coube ao Rio Grande do Norte o privilégio de ter a primeira mulher eleita para ocupar um cargo público, mesmo que ela não tenha podido terminar seu mandato, por terem sido anulados pelo Senado Federal os votos de todas as mulheres.

O jornal Folha.com (2008) noticiou esses importantes fatos; no entanto, ressalte-se que o ano é 1928 e não 1927, conforme o jornal relata:

O direito ao voto feminino começou pelo Rio Grande do Norte. Em 1927, o Estado se tornou o primeiro do país a permitir que as mulheres votassem nas eleições. Naquele mesmo ano, a professora Celina Guimarães de Mossoró (RN) se tornou a primeira brasileira a fazer o alistamento eleitoral. A conquista regional desse direito beneficiou a luta feminina da expansão do ‘voto de saias’ para todo o país. A primeira mulher escolhida para ocupar um cargo eletivo é do Rio Grande do Norte. Foi Alzira Soriano, eleita prefeita de Lajes, em 1928, pelo Partido Republicano. Mas ela não terminou o seu mandato. A Comissão de Poderes do Senado anulou os votos de todas as mulheres.

No documento Religião e cangaço na cidade de Mossoró (páginas 57-62)