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As três dimensões da síndrome

CAPÍTULO V A SÍNDROME DE BURNOUT

V.2 As três dimensões da síndrome

A síndrome, resultado de uma condição de sofrimento psíquico associado ao trabalho, é composta por três dimensões básicas: esgotamento emocional (EE), despersonalização (DP) e comprometimento da realização profissional (RP). Dentro desses, há subgrupos constituídos por sintomas de conduta, sociais e psicossomáticos. Outras variáveis podem ser identificadas como preditoras do

burnout e determinantes enquanto estressores laborais: variáveis pessoais

afetivo-cognitivo-emocionais, biológico-demográficas, de contexto ambiental, organizacional, ou relacionado ao trabalho e estrutural. No entanto, há a dificuldade de situá-la dentro de um processo ou de um estado. Sob uma perspectiva clínica, burnout é considerado um estado a que chega o sujeito, resultado do estresse relacionado ao trabalho. Numa perspectiva psicossocial, ele é considerado um processo que se desenvolve como resultado da interação entre as características pessoais e a maneira como o sujeito se relaciona com o trabalho. Neste sentido, o estresse (cujos efeitos podem ser positivos e negativos), no caso do burnout, sempre gera efeitos negativos (MASLACH, 1989; SÁNCHEZ, 2005).

Estudos apontam para altas taxas de ansiedade e depressão entre cuidadores informais de pacientes em fase terminal de câncer de mama ou genital, com predominância nos cuidadores do sexo feminino (REZENDE et al, 2005). O mesmo acontece com cuidadores de pacientes demenciados, tendo sido comprovados altos níveis de impacto subjetivo (LEMOS et al, 2006). Estes, porém, não são relacionados ao burnout.

O trabalho direto com pessoas portadoras de algum tipo de doença crônica ou vítima de algum tipo de catástrofe pode levar o cuidador a uma situação de risco psicológico, pois cria um “círculo de vulnerabilidade” entre aquele que ajuda e quem é ajudado. Isto ocorre sempre que, dentro do processo empático, o cuidador sentir-se abalado por seus próprios problemas emocionais não resolvidos, ligando-se ao paciente pela excessiva identificação e exposição à dor do outro (SANDRIN, 2006).

Assim, por meio dos sintomas identificados na síndrome de burnout, o cuidador pode ser avaliado dentro de cada uma das fases de que se compõe (MASLACH, 1989; SÁNCHEZ, 2005; SANDRIN, 2006):

I. Esgotamento Emocional (EE):

•••• Entusiasmo idealista: há uma hiperidentificação com quem deve ser ajudado, e

há excesso de dedicação, pois se considera que as necessidades do doente têm precedência sobre as próprias;

•••• Estagnação: surgem os primeiros sinais de grande cansaço físico e de

irritabilidade;

II. Despersonalização (DP):

•••• Frustração: pequenos obstáculos configuram-se como insuperáveis, há a

sensação de fracasso e de apreensão em relação ao futuro. Nesta fase é frequente o aparecimento de doenças psicossomáticas, o exagero na alimentação e no uso de drogas, tais como a nicotina, a cafeína e o álcool bem como ocorrem prejuízos nas relações familiares e sociais;

•••• Des-humanização: estabelece-se a indiferença emotiva em relação ao

sofrimento do outro, fato que favorece um distanciamento defensivo; III. Comprometimento da realização profissional (RP):

•••• Apatia: é quando o burnout propriamente dito pode ser identificado. Esta é uma

fase marcada pelo fracasso da empatia, pelo início da resignação, e pela procura por compensações ou fugas, no que se entende como uma espécie de “morte profissional”. No caso em estudo relativo ao cuidador principal, a leitura pode ser feita como “morte da atividade de cuidar”.

Uma das armadilhas comuns em que o cuidador pode cair é utilizar a famosa frase “se eu não fizer, ninguém vai fazer...” e, dessa maneira, entrar facilmente em estado de esgotamento físico, mental e emocional. Nesse momento, o cuidador costuma atribuir-se a culpa pelo sentimento de fracasso que experimenta ao fazer uma leitura inadequada da realidade (SANDRIN, 2006).

A personalidade do cuidador é formada por características mentais, histórico-afetivas, estilo interpessoal, capacidade de controle das emoções, e imagem que tem de si mesmo e de suas atividades profissionais. Além do modo

de interpretar e avaliar as situações, há variáveis que contribuem para o aparecimento dos sintomas associados à síndrome de burnout (SANDRIN, 2006; SÁNCHEZ, 2005):

I. Características estruturais da personalidade do cuidador: fraco e dependente nos relacionamentos; desconhece os pontos fracos/ fortes em si; baixa autoestima; atento às coisas sem importância; satisfaz apenas com trabalho as necessidades de realização, aceitação e aprovação; precisa controlar tudo e todos: não delega;

II. Contexto relacional: sobrecarga física e emocional; sensação de não ter o controle da situação; ter de enfrentar situações que envolvem dor, doença e morte; dificuldade de harmonizar expectativas pessoais e das demais pessoas envolvidas; falta de autonomia pessoal; feedbacks em relação aos resultados obtidos no trabalho;

III. Contexto ambiental: falta de apoio da família/ amigos; conflitos entre o cuidador e seus familiares/ superiores; autoritarismo por parte de algum integrante do grupo à sua volta; pouco conhecimento sobre a tarefa que desempenha; falta de orientação sobre o cuidado; clima tenso durante o trabalho; trabalho monótono e sem perspectivas de mudança; estresse por “lealdade dupla”, ou seja, na relação em que o cuidador é obrigado a cultivar a lealdade para com a equipe médica em detrimento da lealdade com o assistido e vice-e-versa. Isso envolve uma cisão da própria identidade, gerando a crise.

Nesse contexto, há de ser levado em conta o tipo de envolvimento existente entre o cuidador e aquele que é cuidado, pois, devido à grande quantidade de energia pessoal envolvida nesta relação, as emoções se “confundem”. No estado de burnout, o cuidador sente a impossibilidade de se defender da angústia frente à certeza do fim da relação com o doente crônico; percebe a dificuldade de adaptação emotiva e cognitiva às tarefas relacionadas ao cuidado do doente crônico; tem o sentimento de raiva pela doença que não consegue controlar e de impotência por não poder fazer mais; sente o conflito pela empatia que algumas vezes está presente e, outras, não (SÁNCHEZ, 2005; SANDRIN, 2006).

Na revisão bibliográfica não foram encontrados estudos no Brasil que associem as taxas de ansiedade e de depressão nos cuidadores principais dos pacientes renais crônicos à síndrome, uma vez que ela é associada aos sujeitos cujo ato de cuidar esteja ligado a uma atividade remunerada (ALARCÓN, 2002; SÁNCHEZ, 2005; VIEIRA e cols, 2006).

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