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As três etapas de observação: os planos de análise da narrativa

Chegamos, assim, ao ponto em que a Análise Crítica da Narrativa entende que o discurso narrativo está dividido em três instâncias de significação, as quais estão interligadas no interior do texto e que só devem ser separadas para efeito de análise e apresentação. São elas: a) plano da expressão, b) plano da estória e c) plano da metanarrativa. O primeiro vem expresso na linguagem ou discurso; o segundo trata de conteúdo, enredo, personagens e intrigas31; ao passo que o terceiro engloba o tema de fundo referente ao texto, os significados que dele emergem.

Independentemente dos elementos utilizados pelo narrador para a construção do texto enunciado, quer sejam visuais ou sonoros, verbais ou não verbais etc., é no plano da

expressão, ou seja, na linguagem em si, que o discurso é construído: a retórica utilizada pelo

autor no texto imprime naquele produto efeitos de sentido, dramáticos, que levam a um efeito pretendido, consciente ou inconscientemente. As escolhas utilizadas tendo como finalidade a construção dos efeitos de real levam ao estabelecimento dos efeitos de sentido, em uma leitura mais aprofundada dos significados gerados pela narrativa, estando os últimos relacionados aos significados encontrados no terceiro dos planos, conforme discutiremos mais a frente.

31 De acordo com o Dicionário de Teoria da Narrativa, “[...] a intriga corresponde a um plano de organização

macroestrutural do texto narrativo e caracteriza-se pela apresentação dos eventos segundo determinadas estratégias discursivas [...]” (REIS; LOPES, 1988, p. 211-212, grifo do autor).

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A partir da análise da linguagem utilizada na superfície do texto, encontramos elementos que criam o clima e dão o ritmo da estória. É no “plano do discurso propriamente dito, ou do modo como o narrador dá a conhecer ao leitor a realidade que quer evocar, que vai plasmar a estória” (MOTTA, 2013, p. 136). A linguagem utilizada para a elaboração da narrativa nos permite acessar o modo como a representação do real foi construída pelo narrador.

Outro elemento de análise que prezamos, a fim de nos aproximarmos da forma como a reportagem nos é apresentada, é a diagramação da mesma, incorporando fotografias e títulos, o que configura uma linguagem multimodal. Assim, considerando-se todos os elementos informacionais apresentados até aqui, atuamos no âmbito do sistema representacional do qual nos fala Hall (1997):

A representação conecta o significado e a linguagem à cultura. Representação é a parte essencial do processo pelo qual o significado é produzido e compartilhado entre membros de uma cultura. Este processo envolve o uso da linguagem, signos e imagens, que representam coisas (HALL, 1997, p. 15).

Numa segunda etapa, mais aprofundada em relação à primeira aproximação, chegamos ao plano da estória. Aqui são observadas as projeções, no âmbito mental, tornadas possíveis a partir da seleção de palavras, termos e conceitos encontrados na primeira instância, na superfície do texto. Assim, mergulhamos junto à significação do objeto em análise, partindo da representação. Como descreve Motta, em uma leitura que conjuga esta esfera de análise com os demais componentes do discurso,

Este é o plano virtual da significação, em que uma realidade referente é evocada pelo texto narrativo através de sequências de ações cronológicas e causais desempenhadas por personagens, estruturando uma intriga (enredo ou trama). É o plano de conteúdo da estória propriamente dito, ou plano da diegese (universo da significação), do como se, plano dos mundos possíveis da ficção, embora ocorra igualmente, com grau e dimensões diferentes, nas narrativas fáticas (MOTTA, 2013, p. 137, grifo do autor).

Já o terceiro mergulho a ser realizado rumo à significação do texto, a análise do plano

da metanarrativa, é o que atinge a estrutura mais profunda e abstrata da narrativa, construindo

imaginários culturais. É neste plano que se dá a realização da fábula, onde os motivos de fundo de caráter ético e moral passam a integrar o texto de uma perspectiva pré-textual, de

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certo modo antropológica (MOTTA, 2013, p. 138). Chegamos, assim, ao valor de significado daquelas parcelas que compõem o contexto no qual a narrativa se constrói:

Um conceito que explica como o signo trabalha é o de mito. Um mito é uma estória ou narrativa pela qual uma cultura explica ou compreende algum aspecto da realidade ou da natureza. O mito é o significado cultural que é ativado pelo signo, mas que pré-existe ao signo (BARTHES, 2013, p. 143).

Assim, estamos diante de narrativas que são realizadas da seguinte forma: em um primeiro momento, há a escolha, consciente ou inconsciente, das palavras que vão compor o texto. Esta seleção já nos dá indícios acerca da intencionalidade, mesmo que não explicitada, do narrador. Em uma segunda leitura, ampliando o nosso horizonte, chegamos à composição das personagens e dos conflitos, passando pelo estabelecimento do clima e do ambiente, por exemplo. Neste ponto, há certa aproximação entre os textos reais e ficcionais, posto que os elementos sejam, grosso modo, os mesmos.

No terceiro mergulho que realizamos junto à construção dos significados, olhamos para aqueles elementos que constituem o efeito de real, referentes que localizam o leitor na narrativa, a fim de transmutá-los em efeitos de sentido. No entanto, os significados que ficam da narrativa estão para além do texto. Podemos nos utilizar do levantamento histórico e dos efeitos construídos na superfície do texto a fim de reconstruirmos os significados culturais atrelados à narrativa.

Destacamos, contudo, que não há, necessariamente, uma intencionalidade do autor, ao dar voz ao narrador, de elaborar uma narrativa que faça aflorar determinados significados. Por estar submerso naquele momento histórico, vivenciando determinadas relações e sofrendo influência de outros sujeitos, as narrativas se tornam, por consequência, uma construção que nos permite adentrar rumo aos significados culturais daquele momento histórico, tendo como ponto de partida as personagens e grupos culturais escolhidos como mote para o desenvolvimento da narrativa.

Vejamos mais detidamente, no próximo tópico, as relações que são instituídas entre os textos cujas bases estão estabelecidas em eventos que de fato ocorreram, foram vivenciados pelas personagens, e aqueles que existem apenas no plano da narrativa escrita. Entre o fictício e o factual encontramos os elementos estruturais que tornam todas as estórias passíveis de existência.

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