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O narrador enquanto condutor da narrativa: a presença do repórter no texto

Os conceitos de autor e narrador de um texto não podem ser confundidos, conforme alertamos anteriormente. Os dois termos referem-se a instâncias distintas da construção de uma narrativa. O jornalista, sujeito pertencente ao campo do real, é o autor do texto jornalístico. Assina-o. Identifica-se enquanto aquele que esteve junto ao assunto, apreendeu-o e então transpõe para palavras aquilo que vivenciou, mesmo que por meio de fontes. A experiência, portanto, diferencia-se daquela defendida por Benjamin, mas segue existindo, reconfigurada em termos das novas relações estabelecidas na atualidade.

Ao narrador, por sua vez, cabe a função de condução da narrativa, internamente ao texto. O narrador, portanto, existe exclusivamente no campo linguístico, assim como as personagens. Não podemos considerar que as assertivas presentes em uma narrativa sejam, obrigatoriamente, a opinião do autor. O autor, quer seja ele de um texto fictício, quer factual, compõe o narrador, assim como compõe as demais personagens. Contudo, o narrador possui diversas nuances que serão as responsáveis por enformar o caráter narrativo: os tempos verbais utilizados, os fluxos de consciência transcritos e mesmo as opiniões explicitadas no texto nos dão acesso às características que são inerentes ao narrador.

Tudo o que nós, enquanto leitores, observamos do acontecimento só o é possível em função do crivo realizado pelo narrador. Ele é o elemento narrativo que possibilita o desenvolver dos fatos e das ações. O narrador, contando uma estória, permite-nos ver aquilo que ele intenciona que seja visto. É esse ajustamento interno da narrativa que constrói significados. Os elementos que compõem o efeito de real nos são apresentados por meio do narrador. Os efeitos de real, consequentemente, convertem-se em efeitos de sentido a partir da leitura que deles é realizada.

A fim de diferenciarmos os dois sujeitos que trabalham, conjuntamente, para a narrativa de uma determinada estória, temos de caracterizar o sujeito do enunciado e o da enunciação. O narrador é o sujeito do enunciado, ao passo que o autor é o sujeito da enunciação: “o enunciado, as frases que constituem a história, é o fato narrado (fazendo

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referência a um universo mais familiar para o campo da comunicação), e a enunciação é o ato de narrar, processo no qual se tece a história” (RESENDE, 2002, p. 56). O sujeito que narra as ações tem a possibilidade de se construir e construir às demais personagens, por meio do enunciado.

Mesmo não podendo estabelecer um grau de equidade entre os dois sujeitos, percebemos que o autor deixa marcas no texto, estando estas ligadas ao arcabouço de experiências que o mesmo traz junto de si. Não há como desvencilhar, completamente, os dois sujeitos. Eles se compõem mutuamente. Nos termos de Resende,

Ao tecer uma narrativa, literária ou não, o sujeito/autor não se desvencilha de suas próprias condições, sejam elas culturais, temporais, espaciais, dentre outras várias. No acúmulo de frases que qualquer narrativa apresenta, o texto se faz marcado pelo olhar e pelas mãos de quem o teceu. Essas marcas, certamente, são tanto de ordem subjetiva como objetiva, o que significa dizer que em qualquer texto há que se considerar desde os aspectos que o determinam [...] até aqueles que, no ato próprio da escritura, o redefinem [...] (RESENDE, 2002, p. 65-66).

Buscamos, portanto, entender o lugar deste narrador em meio às narrativas de

Realidade. Consideremos, em primeiro lugar, que uma parcela significativa daqueles

jornalistas que compunham a revista comungava dos ideais políticos da esquerda. Esta é uma informação que se faz componente do arcabouço de ‘condições’ que envolvem o sujeito. Portanto, há a possibilidade dos ideais políticos dos autores serem apreendido nas narrativas, o que nos leva a optar pelo percurso realizado pelo narrador como uma das categorias de análise deste trabalho.

Estamos diante, nos termos de Resende (2002), do que o autor conceitua como sendo o

narrador-jornalista, um sujeito que deixa que o seu ‘olhar’ faça parte da narrativa, o que o faz

por meio da liberdade que dá às suas personagens, deixando-as falar, fazendo-as compreendidas. O narrador-jornalista permite a construção de uma narrativa que se faz rica em detalhes, faz-se completa em termos de informações, ao mesmo tempo em que aproxima o leitor dos aspectos ali narrador. Este tipo de narrador, o qual pode emergir da apuração jornalística, dá às personagens o direito de tratarem de si mesmos. O olhar do narrador, portanto, nos faz ver uma vertente outra da estória, regrada a partir das memórias daqueles que vivenciaram os fatos.

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3.5 A metanarrativa e a criação de sentidos: o mergulho na narrativa

Ao nos depararmos com os dois primeiros planos de análise da narrativa – plano da expressão e plano da estória –, percebemos as nuances que estão atreladas às escolhas textuais realizadas pelo narrador-jornalista. Ao conjugarmos a análise do momento histórico com as informações trazidas pelo narrador à narrativa, deparamo-nos com a metanarrativa, o aspecto mais profundo e, por conseguinte, detentor de significados.

Ao considerarmos que os autores não se podem despir dos aspectos que definem a sua história de vida, fazemos o mesmo com a narrativa enquanto produto social: ela está repleta de características que a ligam ao momento presente no qual foi escrita, bem como reflete aspectos sociais, culturais, ideológicos etc. A narrativa contém significados.

Neste sentido, a nossa proposta foi buscar entender, por meio dos significados construídos pela narrativa, como se deu o mergulho dos repórteres em busca de um Brasil ainda desconhecido nas décadas de 1960 e 1970. As personagens edificadas naquelas narrativas, a utilização do narrador de uma maneira diferenciada, a opção por enredos que não tratavam, diretamente, dos problemas ocasionados pelo autoritarismo do governo, todos estes aspectos são os responsáveis, em termos sociais, pelas construções narrativas de Realidade. Buscaremos, portanto, na reflexão acerca destes aspectos, os significados que são apresentados pela revista: a metanarrativa que ela carrega.