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As unidades de pesos e medidas em Portugal

O passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa da história. Le Goff

2.3.1. As primeiras unidades

A formação de Portugal ocorreu no século XII. Seus padrões de pesos e medidas mais antigos têm influências romanas que se cruzam com padrões medievais de origem européia e árabe (LOPES, 2003). Em documentos antigos, constata-se o uso de medidas como cúbito, modio, sesteiro, quarteiro, emina, libra, de origem romana; alqueire, almude, dos árabes. (TRIGOZO, 1815). Porém, não está afastada a coexistência dessas influências de antanho,

29 A inscrição “Para todos os tempos e para todos os povos” foi cunhada na medalha comemorativa da promulgação do novo sistema de pesos e medidas francês. Desta forma, podemos dizer que o lema da Revolução Francesa foi “Liberdade, igualdade, fraternidade e sistema métrico decimal para todos os tempos e para todos os povos”.

Figura 5 – Medalha comemorativa da promulgação do novo sistema de pesos e medidas francês

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juntamente com outros padrões desenvolvidos pelos grupos locais. Deste modo, os pesos e medidas portugueses

têm raízes que se confundem com a própria constituição do estado. À medida que o estado se definia e consolidava, progressiva e extensivamente, os pesos e medidas estabelecidos como padrões em Portugal, não constituíram uma ruptura com os padrões das civilizações, até então existentes no território.

Os padrões eram estabelecidos como o meio de determinação dos impostos sobre a produção e o comércio dos bens e mercadorias, tal como a moeda, eram instrumentos de poder e vassalagem.30

Em Portugal era de jurisdição real a definição dos pesos e medidas. Do Condado Portucalense ao sistema de Dom Afonso Henriques, poucas mudanças se processaram. Durante o reinado de D. Afonso III, a Lei da Almotaçaria, de 26 de dezembro de 1253, estabeleceu que, para manter o cumprimento das posturas municipais, seria eleito um magistrado, o almotacé.

A primeira iniciativa pela padronização das medidas veio das Cortes de Elvas, no ano de 1361, com D. Pedro I promovendo uma reforma, logo no início do seu reinado, relativamente às medidas de capacidade e peso. Lopes (2003) constata que, embora os padrões antigos continuassem a ser utilizados pela população, ocorreram conversões de medidas por todo o país. Com D. Pedro I, pela primeira vez, pode-se falar em “padrões verdadeiramente nacionais”.

A substituição dos pesos de pedra por pesos de ferro foi uma determinação de D. João I, em Coimbra no ano de 1391, com o objetivo de se evitarem as defraudações que ocorriam.

Outro acontecimento, digno de nota, verificou-se no século XV: iniciando sua missão, a partir de 7 de agosto de 1460, através do Alvará de D. Afonso V, a Confraria de Santo Eloy 31 dos ourives de prata, por quase quatrocentos anos,

30 Informação disponível em: <http://www.ipq.pt/museu/form_estado/index.htm>.

31 A Confraria de Santo Eloy continuou seus trabalhos de aferição até o ano de 1852, quando Portugal passou a adotar o sistema métrico francês. (Anuário de Pesos e Medidas, n. 3, Repartição de Pesos e Medidas, 1942).

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aferiu os pesos e balanças “da cidade de Lisboa e seu termo”32. Esta era uma medida que buscava uma uniformização mais ampla.

A partir do momento em que o mercantilismo começou a se instalar, surgiu a preocupação de se utilizarem padrões de medidas comuns, para facilitar o comércio com outras nações, pois havia dificuldades nas transações comerciais. Assim, durante o reinado de D. João II, pela Provisão de 14 de outubro de 1488,33 foi adotado o marco de Colônia como padrão de peso, cujo uso estava generalizado na Europa. (TRIGOZO, 1815; LOPES, 1849).

Um passo importante foi dado no reinado de D. Manuel I. Do ano de 1499, com edição final em 1521, as Ordenações34 Manuelinas, entre outras deter- minações, continham disposições referentes à padronização das medidas de peso, sendo definidos múltiplos e submúltiplos das unidades principais e estabelecidas as aplicações no comércio. Essas medidas visavam simplificar as transações mercantis, que haviam se ampliado, com paises estrangeiros.

No primeiro livro da Ordem, Título XV – Do Almotace Moor – das Ordenações Manuelinas, encontramos a determinação da padronização das medi- das, segundo as fixadas, mantidas em Lisboa: “E mandamos que todas as medidas, e pesos e varas, e covados sejam tamanhas como as da Nossa Cidade de Lixboa, e nom sejam maiores nem menores.”35 O Almotacé Mor era encar- regado de trazer “consiguo os padrões de todos os pesos, e medidas”, proce- dendo as aferições duas vezes no ano (em janeiro e em julho). Prisão e multas eram impostas àqueles que tivessem padrões diferentes dos estabelecidos.

32 In: Anuário de Pesos e Medidas, n. 3, Repartição de Pesos e Medidas, 1942.

33 “Juizes, Vereadores, Procurador, e Homens boos Nos ElRey vos emviamos muyto ssaudar. Fazemos vos saber, que nos sentindo ser bem commum de nossos naturaes, por alguuas Çidades e Vyllas prinçipaaes, que ssobre este casso mandamos praticar, que o pesso e marco e... per que sse pessa o ouro, e prata, e outras coussas, seja de ferro, e nenhum officiall de qualquer ofiicio que seja, nem outras pessoas o nam tenham mais, nem pessem por elle cousa alguma, se nom pello pesso a marco de Colonha, porem vos mandamos, que asy o façaes logo apregoar...” (Provisão de 14 de Outubro de 1488). O marco de Colônia era utilizado na Europa e estudos demonstram que era equivalente a 223,9g.(LOPES, 2003).

34 As Ordenações são conhecidas também como Ordenações do Reino ou Leis Gerais, constituindo-se em uma espécie de código legislativo.

35 No reinado anterior, de D. João II, foi estabelecido que os padrões de pesos e medidas seguissem os do Porto. Conseguiram-se dois padrões legais, os do Porto e os de Lisboa. Já com D. Manuel I, o fato de a capital do país ser o centro das transações comerciais, fez com que, nas Ordenações Manuelinas, fossem tomados os padrões da cidade de Lisboa. (TRIGOZO, 1815).

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Ainda no mesmo livro, referente às atribuições do almotacé, a quem caberia a fiscalização, obrigava-se que todas as vilas e cidades possuíssem os padrões fixados. Verifica-se que vara, covado, alqueire, almude, canada, quartilho, eram as medidas empregadas. Para o vinho, era utilizado, o almude, meio almude, canada, meia canada, quartilho e meio quartilho; já para o azeite, o alqueire, meio alqueire e quarta d'alqueire. Produtos líquidos que tinham padrões de medida distintos.

O marco-padrão de D. Manuel I era feito de bronze – 1 quintal = 58,754 kg. O conjunto completo era formado de dezesseis peças, entre as quais encon- tramos 1 escrópulo equivalente a 1,009g e 2 arrobas equivalentes a 29,3801kg. Cópias desses padrões foram confeccionadas e distribuídas aos concelhos. Desse modo, a reforma obteve sucesso apenas na padronização dos pesos, pois não era objetivo extinguir outras unidades tradicionalmente utilizadas, como, por exem- plo, no tocante às medidas de volume.

A seguir, as medidas propostas nas Ordenações Manuelinas:

PESO