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A escola primária oitocentista no Brasil

No documento ESCOLAR EM PORTUGAL E NO BRASIL OITOCENTISTAS (páginas 195-200)

MEDIDAS DE PESO

P. Porque se chama legal o systema métrico?

4.1. A escola primária oitocentista no Brasil

Faria Filho (1999) confirma a importância da expansão da instrução escolar em diversas províncias brasileiras, na segunda metade do século XIX, ao destacar que “as elites dirigentes tinham uma clara consciência da necessidade de afirmar a importância da instrução elementar como forma de dotar a província das condições de elevar-se à altura das nações ‘civilizadas’ européias.” (p.119).

Pode-se afirmar que a ideologia dos revolucionários franceses era compartilhada por políticos com orientação liberal-democrata, membros da primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa da nossa história, os quais auxiliaram na elaboração da Constituição Brasileira outorgada em 1824.

Projetos para a elaboração de um tratado sobre a educação integraram as discussões da Assembléia de 1823 no Brasil recém-independente. A Constituição de 1824, no seu artigo 179, inciso n, estabelecia “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.”

Aparentemente, a organização da instrução escolar nas províncias era um dos alvos do governo central no Império, devido ao decreto de 26 de fevereiro de 1825. Através desse decreto, os presidentes das províncias deveriam enviar, ao governo central, informações sobre a instrução pública em cada região admi- nistrativa. As questões relativas à educação apresentaram outras regulamentações oficiais posteriores.

Mais tarde, com a lei imperial de 15 de outubro de 1827, promulgada por D. Pedro I, foi instituído que em todas as cidades, vilas e locais mais populosos do território brasileiro deveriam ser criadas as escolas de “primeiras letras” ou pedagogias, que fossem necessárias. No entanto, a gratuidade à educação primária garantida pela Constituição, refletia os interesses articulados e reclamos sociais organizados, inserindo-se no texto como um reconhecimento formal de um direito subjetivo dos cidadãos que uma obrigação efetiva do Estado. (CHIZZOTTI, 2001, p. 53). Constata-se que a educação básica ficou restrita à

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iniciativa privada, havendo uma maior preocupação com a proposta da criação de estudos superiores no país.

Em relação aos conteúdos escolares, pelo artigo 6o da Lei Imperial de 1827, os professores das escolas de primeiras letras deveriam ensinar

a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.

Para as meninas, o artigo 12º enunciava que

As Mestras, além do declarado no Art. 6o, com exclusão das noções

de geometria e limitando a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aque- las mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º.

Porém, verifica-se que, no século XIX, as escolas de primeiras letras atendiam às crianças com o objetivo de ensiná-las a ler, escrever e contar, e estavam também incluídas as operações fundamentais com os números naturais, como indica Galvão:

Aprender a ler, escrever e contar eram os objetivos principais do ensino para os meninos menores: a “carta do ABC” ou o primeiro livro de leitura e a tabuada guiavam a ação educativa. (...) Os exercícios de aritmética, [...], eram realizados no quadro-negro, quando este existia, e nas lousas de ardósia que alguns alunos traziam de casa. (GALVÃO, 2001, p.124)1

1 As cartas de abc são constituídas por: cartas contendo o alfabeto; cartas de sílabas (compostas com segmentos de uma, duas ou três letras) e cartas de nomes (onde são apresentadas palavras cujas sílabas são separadas por hífen). As cartas de abc firmaram uma tradição na história da escola primária brasileira. Mesmo sendo um utensílio vinculado a um dos mais tradicionais métodos de alfabetização (método sintético), resistiu às inovações promovidas por partidários de outros métodos de alfabetização e continuou sendo editado até os anos 50 do século XX. As cartilhas em circulação até o final da década de 60 eram portuguesas. Dentre elas, temos registros do Método Castilho (Antonio Feliciano de Castilho) e o

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A inclusão do sistema métrico decimal, mesmo que estivesse nos manuais como um conteúdo meramente informativo, gerava uma dificuldade a mais para professores e alunos.

Em 1834, o Ato Adicional à Constituição do Império desobrigou o governo central de cuidar das escolas primárias e secundárias, transferindo essa incumbência para os governos provinciais. Com essa medida, a unidade orgânica do sistema educacional brasileiro ficou comprometida.2 Não se podia mais pensar em um sistema nacional de educação, como fora estabelecido pela Constituição.

Não existia propriamente um currículo para os níveis de ensino primário e secundário, mas um elenco de disciplinas. Nem mesmo havia a necessidade de se concluir o primário para se ter acesso aos outros níveis de instrução.

No ano 1843, o Presidente na Instrução Primária da Província de Minas Gerais indicava que

só se deve ensinar, quanto for indispensável à todas as classes para os uzoz ordinarios da vida, e para preparo de mais elevada ins- trucção; e assim deve ella ser a mesma por toda a parte, e nas aulas primarias tanto desta capital, como de todas as cidades, villas e freguezias da Província devem os mestres ser capazes de ensinar aos meninos o seguinte:

Ler, escrever, contar as quatro primeiras operações da Arithmética, quebrados, raizes quadradas, e proporções. Geometria prática (...). Essas cousas são todas aos homens de campo, e aos homens de qualquer mister na sociedade, e poucos precisam de mais, e por isso escusado he perderem o seu tempo em aprenderem o que não lhes convém.

Verifica-se que não há qualquer menção ao sistema de pesos e medidas utilizado naquela época.

Em fevereiro de 1854, foi expedido o “Regulamento da instrução primaria e secundaria do Municipio da Corte”, no qual constava:

Methodo Facillimo para aprender a ler e escrever no mais curto espaço de tempo possível tanto a letra redonda quanto a letra manuscripta (Emilio Achilles Monteverde).(CORRÊA, 2005, p.1).

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Das escolas públicas

O ensino primario nas escolas publicas compreende: a) a instrução moral e religiosa;

b) a leitura e a escrita;

c) as noções essenciais de gramatica; d) os principios elementares da aritmetica; e) o sistema de pesos e medidas do municipio. Pode também compreender:

a) o desenvolvimento da aritmetica em suas aplicações praticas; b) a leitura explicada dos Evangelhos e noticia da historia sagrada; c) os elementos da historia e geografia, principalmente do Brasil; d) os principios da ciencias fisicas e da historia natural aplicaveis

ao uso da vida;

e) a geometria elementar; f) agrimensura;

g) desenho linear;

h) noções de musica e exercicios de canto; i) ginastica;

j) um estudo desenvolvido do sistema de pesos e medidas, não só do Municipio da Côrte, como as provincias do Imperio, e das Nações com que o Brasil tem mais relações comerciais.

As escolas primarias serão divididas em duas classes: a uma per- tencerão as de instrução elementar, com a denominação de escolas do primeiro gráo, a outra as de instrução primaria superior com a denominação das escolas do segundo gráo. O ensino nas do 1o gráo

será restritamente o que se acha marcada na primeira parte do período anterior; nas do 2o gráo as demais materias da Segunda

parte, que por deliberação do governo, sob proposta de inspetor geral, e ouvido o conselho diretor, se mandarem adotar. Nas escolas do sexo feminino, alem do programa elementar, acima, mais bordados e trabalhos de agulha mais necessarios. Poder-se-ão tam- bem ensinar as materias do “programa desenvolvido” que o governo designar, sob proposta do inspetor geral, com audiencia do conselho diretor, conforme as diversas localidades em que forem situadas e a sua importancia. Em cada paróquia haverá pelo menos uma escola do 1o gráo para cada um dos sexos. A designação das escolas em 1o e 2o

gráo, e do seu programa de ensino será feita por deliberação do conselho diretor, com aprovação do governo.

Os atuais professores não poderão reger as cadeiras do 2o gráo sem

que provem competentemente suas habilitações das materias que acrescem aquelas em que foram habilitados. O governo, ouvido o inspetor, marcará um prazo razoavel para a execução deste dispo- sitivo. As escolas do 2o gráo poderão ser regidas por dois profes- sores, divididas convenientemente por ambos as materias do ensino;

2 Azevedo (1996) indica que, no Brasil, “a educação teria de arrastar-se, através de todo o século XIX, inorganizada, anárquica, incessantemente desagregada. Entre o ensino primário e o secundário não há pontes ou articulações: são dois mundos que se orientam, cada um na sua direção.” (p.568).

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ou por um professor e um ou dois adjuntos, conforme as exigencias do serviço.

O governo designará casas no centro dos distritos, com as precisas acomodações para as escolas. Onde não houver edificios publicos, os mandará construir, alugando provisoriamente edificios particulares.

O regulamento de 1854 também determinava que nas escolas públicas só poderiam ser admitidos os livros autorizados pelas autoridades competentes nesta área. Além disso, destacava que seriam garantidos prêmios aos professores ou a quaisquer outras pessoas que compusessem compêndios ou obras para o uso das escolas, bem como aos que melhor traduzissem as obras publicadas em língua estrangeira, sendo essas antes submetidas ao crivo do governo. Em relação aos manuais que contivessem matéria referente à doutrina cristã, ensino religioso, a aprovação sempre competiria primeiro ao bispo.

Em janeiro de 1855, foram expedidas as instruções para verificação da capacidade para o magistério e provimento das cadeiras públicas de instrução primária e secundária. O exame para os candidatos a professor das escolas do 1o grau versaria sobre as seguintes matérias: doutrina cristã e história sagrada, leitura e escrita, gramática portuguesa, aritmética, sistema de pesos e medidas do Império, sistema prático e método de ensino.

Essas determinações, referentes às escolas de instrução primária e secundária do Rio de Janeiro, poderiam ou não ser seguidas nas demais divisões territoriais do país, já que a descentralização permitia a cada um dos presidentes das Províncias legislar sobre a sua instrução.

Após a promulgação da Lei 1157/1862, não houve uma ação imediata das províncias no sentido de se adotar o sistema métrico decimal, o qual era total- mente desconhecido em várias localidades brasileiras. Porém, no Rio de Janeiro, capital do Império, e também na Província de Minas Geraes, verificamos que atos legislativos recomendavam a inserção do sistema francês de pesos e medidas nas escolas, logo após a oficialização do novo sistema metrológico.

Antes de darmos mais detalhes sobre a introdução do sistema métrico em Minas Gerais, queremos fornecer o quadro da instrução elementar na Província

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naquela época, através dos dados presentes no relatório do Diretor Geral de Instrução Pública de Minas Geraes, Firmino António de Sousa Júnior. Este relatório, datado de 9 de outubro de 1867, foi redigido para ser entregue ao Presidente da Província, Elias Pinto de Carvalho.

O Diretor Geral compartilhava da opinião de que o fim da escola não era prestar os conhecimentos especiais, voltados para uma profissão determinada, mas antes formar o cidadão e prepará-lo para qualquer carreira que pretendesse seguir. Indicava que a instrução primária era incompleta, uma vez que não compreendia o ensino da língua nacional e que ocorrera um retrocesso, já que, pelas leis anteriores, era prescrito o ensino da Aritmética até proporções. Acusava, ainda, o legislador provincial, responsável por promulgar a Lei 1064, que indicava para as escolas da província apenas o ensino do cálculo das quatro operações fundamentais da Aritmética, suprimindo os outros conteúdos e também a língua nacional.

O relatório de Sousa Júnior também denunciava o estado precário do ensino nas escolas públicas mineiras, afirmando que

a maior parte dos professores limita-se a ensinar muito imperfeitamente a ler e escrever, dão sobre o cálculo apenas regras puramente empíricas e, como os bons métodos de ensino são geralmente desconhecidos entre nós, gastam 4, 5 e mais anos a incutir ao espírito de seus alunos essa instrução mesmo imperfeita e incompleta como é. De sorte que, depois de longos anos de estudos, sai um menino de nossas escolas sabendo apenas desenhar muito mal o seu nome e lendo com tanta dificuldade que evitará sempre, com o maior cuidado, um exercício que, em vez de prazer, só lhe traz fadiga e mortificação.

Para Sousa Júnior, a instrução nas escolas primárias mineiras da época era de pouca utilidade para as práticas cotidianas. E, talvez, fosse esse o motivo pelo qual as “classes inferiores” olhassem com “indiferença para a educação literária que o Estado gratuitamente lhes oferece e cujas vantagens práticas elas ainda não conseguiram descobrir.” O Diretor Geral da Instrução Pública indicava que só através do Regulamento nº 56 algumas mazelas do ensino poderiam ser ame- nizadas, por ter-se incluído o ensino da língua nacional e, na Aritmética, o cálculo até proporções e também o sistema métrico.

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