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Dos professores e alunos

No documento ESCOLAR EM PORTUGAL E NO BRASIL OITOCENTISTAS (páginas 127-130)

MEDIDAS DE PESO

3.2. A inspeção extraordinária às escolas primárias de 1863-

3.2.4. Dos professores e alunos

Como já nos referimos anteriormente, naquela época, a quantidade de esco- las públicas e particulares era grande, porque havia muitos estabelecimentos com um número reduzido de alunos. Nem sempre os professores estavam habilitados para atuar na docência, como revelam os inspetores, principalmente nas escolas particulares.

Existiam escolas públicas e particulares que não incluíam o sistema métrico decimal. Porém, observa-se um maior números de escolas não oficiais onde este fato era constatado. Os inspetores apontavam para diversos docentes que não tinham qualquer conhecimento dos novos pesos e medidas, outros que possuíam do sistema apenas algumas noções e até aqueles que acreditavam entender o novo sistema e o explicavam de forma incorreta.

8 Além dos docentes que eram autodidatas, independentemente do manual utilizado, vários professores haviam freqüentado o curso sobre o sistema métrico, ofertado pela Repartição de Pesos e Medidas em 1859, levando para os seus alunos as informações obtidas. (ZUIN, 2005a).

O sistema métrico decimal nas escolas primárias portuguesas Elenice de Souza Lodron Zuin ________________________________________________________________________________________ 128

Apesar de a Portaria de 17 de novembro de 1859 recomendar aos comis- sários dos estudos que intimassem os professores das escolas públicas a ensi- narem regularmente o novo sistema de pesos e medidas, e da Repartição de Pesos e Medidas ter ofertado cursos sobre o novo sistema metrológico aos mestres, existiam aqueles que não se interessaram em fazê-lo e os que haviam desistido das preleções. Havia também professores que, apesar de freqüentarem o curso e terem sido aprovados, pareciam ter se esquecido da teoria, pois não abordavam o tema ou o tratavam de uma forma superficial.9

Os inspetores depararam-se com várias escolas, nas quais os alunos só haviam decorado a nomenclatura do sistema legal de pesos e medidas e, pro- vavelmente, muitos professores também só isso conheciam. Em outros casos, apenas as medidas de comprimento eram ensinadas, talvez pelo fato de o Decreto de 20/06/1859 determinar que só as medidas lineares antigas deixariam de vigorar a partir de janeiro de 1860 em Lisboa e, em março do mesmo ano, para as demais povoações e ilhas. Assim, as demais medidas antigas poderiam continuar sendo utilizadas, não havendo uma preocupação de se ensinar as novas medidas de capacidade e massa. Os relatórios apontam, também, para alguns casos em que os mestres só se ocupavam das medidas lineares e de massa. É preciso ressaltar que as medidas de comprimento e de massa são mais simples e mais fáceis de ser entendidas do que as demais, e esse poderia ser o real motivo de os professores só trabalharem com estes tópicos do sistema métrico em suas aulas.

Apesar de todas as dificuldades, havia mestres que dominavam o sistema francês de pesos e medidas, transmitindo-o muito bem aos seus alunos. Em algumas escolas, os inspetores encontraram estudantes que demonstravam alta capacidade de explicar o quadro sinóptico e resolver, com desembaraço, diversos problemas referentes ao assunto, mesmo os mais complexos. Há casos em que os

9 Estas afirmações advêm das nossas análises das observações dos inspetores relativamente à capacitação dos professores primários, principalmente as que constam nas fichas da inspeção de 1862, realizada pela Repartição dos Pesos e Medidas. Nessa inspeção, um dos objetivos era verificar se o professor teria as qualidades necessárias e a instrução adequada para ser contratado, em caso de necessidade, como aferidor ou fiscal de pesos e medidas. Esse objetivo fica claro, pois as habilidades do professor para atuar nesses cargos constavam do último item do questionário da inspeção.

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alunos sabiam melhor o novo sistema de pesos e medidas que o antigo.10 Porém, estas ocorrências eram em número reduzido.

É preciso também mencionar os casos para os quais os inspetores davam destaque: mestres entusiasmados que tratavam do sistema métrico também em aulas práticas, com metodologias diversificadas, apesar de estes serem a minoria.

Nos seus relatórios, alguns inspetores informam que advertiam e/ou orien- tavam os professores em relação ao ensino/aprendizagem do sistema métrico, mostrando que era uma preocupação do governo a inserção e a aprendizagem desse saber nas escolas.

Verificamos que as situações sobre o ensino deste novo saber escolar eram as mais diversas, com bons e maus resultados, inclusive não sendo ensinado em muitas escolas públicas e particulares. É preciso considerar que o fato de os inspetores encontrarem poucos alunos, ou mesmo nenhum, com bons conhe- cimentos do sistema métrico se dava também porque, em várias escolas, muitos deles não tinham freqüência regular por terem que trabalhar, sendo assim prejudicada a sua aprendizagem. Era grande a evasão escolar; muitos dos estudantes abandonavam a escola assim que aprendiam a ler, escrever e as quatro operações fundamentais da aritmética. Outro problema apontado é a falta de livros escolares adequados, pois as famílias nem sempre podiam comprar os manuais pedidos pelo professor.

A inserção do sistema métrico decimal nas escolas era primordial, para garantir não só um futuro cidadão com plenos conhecimentos da utilização e operação dos novos pesos e medidas, como um multiplicador destes, atuante em sua própria família e comunidade, mudando as mentalidades e, conseqüente- mente, contribuindo para a formatação da pretensa unidade nacional. Para que isso ocorresse, seria de fundamental importância que fossem elaborados materiais pedagógicos. De modo a auxiliar a unificação de cada um dos dois países, o elemento redentor seria, notadamente, o impresso pedagógico incorporando o sistema métrico decimal. Este deve se alojar na escola, transportando um novo conhecimento, incorporando valores e, em última instância, colaborando para a

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formação das identidades. Os impressos foram os principais recursos para difun- dir um novo saber que se agregava à aritmética escolar.

É importante ressaltar que o sistema métrico decimal é incorporado tanto em livros de aritmética, como tabuadas ou livros que se destinam a outras matérias e, mesmo, em almanaques. Isso vem comprovar o interesse das editoras em divulgar um novo saber, oficializado, que deveria se incorporar aos conhecimentos escolares de formação geral e também ser apreendido por um público adulto, principalmente pessoas ligadas aos setores comerciais.

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