• Nenhum resultado encontrado

Atendendo à Constituição de

PESO Libra

2.4. Brasil: a trilhar os caminhos para as mudanças no sistema de pesos e medidas

2.4.1. Atendendo à Constituição de

Os ideais liberais já circulavam há muito no Brasil. A França havia estabelecido o sistema métrico decimal no final do século XVIII. A constituição de 1824 preconizara a determinação do peso, valor, inscrição, tipo de denominação das moedas, assim como o padrão dos pesos e medidas. Porém, nada fora feito efetivamente. No entanto, no dealbar da terceira década do século XIX, já existiam movimentos e propostas para se utilizar o sistema adotado na França. Um dos defensores da sua implantação era o deputado do Rio Grande do Sul, Cândido Baptista Oliveira, que, em 1830, apresentou um projeto para a adoção do sistema métrico francês na Câmara dos Deputados, porém o mesmo foi

Sistema de pesos e medidas Elenice de Souza Lodron Zuin ________________________________________________________________________________________ 96

indeferido.44 (ZUIN & VALENTE, 2005). Evidenciamos uma proposta de euro- peização do país, com bases nos princípios das Luzes dos Oitocentos.

Apesar de não ter conseguido apoio dos seus companheiros, a proposta de Baptista Oliveira ganhou a simpatia do então deputado de Minas Gerais, Cândido José de Araújo Vianna, Marquês de Sapucaí. Ambos haviam seguido seus estudos em Coimbra e estavam imbuídos das tendências iluministas, apoiadas por muitos em Portugal.

Em 1833, como Ministro da Fazenda, o Marquês de Sapucaí instituiu, através do decreto de 8 de janeiro, uma comissão que teria como missão elaborar um relatório com vistas ao melhoramento dos sistemas de pesos e medidas e monetário do Império. Era natural que o deputado e professor de Matemática, Cândido Baptista Oliveira, integrasse essa comissão, além do inspetor geral da Caixa de Amortização, Marechal Francisco Cardoso da Silva Torres e Ignacio Ratton, um negociante da praça. (OLIVEIRA, 1863; BARBACENA, 1830).

Como havia vozes contra uma mudança radical que estabelecesse o sistema métrico decimal no país, a comissão passou a estudar o relatório que fora apresentado pelo Secretário de Estado, John Quincy Adams, ao Congresso Americano em 1821. Adams propunha que os sistemas de medidas se funda- mentassem sobre o princípio da uniformidade de proporção. Essa proposta se adequava aos propósitos da comissão brasileira, porque seriam estabelecidos padrões unificados em nível nacional e tabelas comparativas para fins de comercialização com o exterior. Torres traduziu parte do relatório de Adams, entendendo que a tarefa da Comissão era a mesma do secretário de Estado dos Estados Unidos. Ele confessou que, apesar de ser seu desejo,

44 Projeto: “A Assembléia Geral Legislativa decreta:

Art. 1º: O actual systema legal de pesos e medidas será substituído em todo o Imperio pelo systema metrico adoptado por lei e actualmente usado em França.

Art. 2º: É o governo autorisado para mandar vir de França os necessários padrões desse systema e a tomar todas as medidas que julgar convenientes a bem da prompta fácil e geral execução do artigo antecedente.

Paço da Câmara dos Deputados, 12 de junho de 1830. Cândido Baptista de Oliveira”.

Sistema de pesos e medidas Elenice de Souza Lodron Zuin ________________________________________________________________________________________ 97

traduzir a obra inteira; mas attendendo ao pouco tempo que resta á Commissão para organizar os trabalhos antes da proxima reunião do Corpo legislativo, só extrahi a doutrina, e factos que me parecerão mais proeminentes; omittindo observações, e detalhes (...). Tudo seria melhor, mas julgo ter extrahid, quanto basta para o nosso objecto. (TORRES, 1833, p. 3-4).

Torres, a partir da tradução do texto de Adams, afirmava que, em relação aos pesos e medidas, poderia existir uma uniformidade de identidade; ou seja, um sistema fundado no princípio de aplicar somente uma unidade de pesos a todos os artigos ponderáveis e uma unidade de medida de capacidade a todas as substâncias, líquidas ou secas. Também poderia existir uma uniformidade de proporção que se basearia em um sistema, admitindo-se mais de uma unidade de pesos e mais de uma unidade de medidas de capacidade, mas no qual todos os pesos e medidas de capacidade estivessem entre si uma proporção uniforme. Torres destaca que as medidas vigentes no Brasil eram ou foram originalmente fundadas sobre a uniformidade de proporção, diferentemente da nova metrologia francesa, que se fundamentava na uniformidade de identidade. O sistema norte- americano ficou fundamentado no princípio da uniformidade de proporção.

Se Baptista Oliveira era um defensor ferrenho da implantação do sistema métrico decimal no país, incluindo-o em um anexo no seu compêndio de Arithmetica dedicado ao ensino primário, publicado em 1832, ao que parece, encontrou em Francisco Torres um forte oponente aos seus ideais. É possível, porém pouco provável, que Oliveira não impôs suas idéias quando participou da comissão, ou, então, foi voto vencido.

A aritmética decimal, que se tornara um dos principais argumentos para a defesa do sistema métrico, pela simplicidade de conversões entre as unidades e facilidade das operações, não convencia a Torres. Para ele, os decimais não eram adaptados à numeração, multiplicação ou divisão das substâncias materiais. Além disso, entendia que o fato de as proporções do corpo humano e de seus membros não serem decimais se constituía em outra desvantagem da adoção do sistema métrico. Esta também era a opinião de Adams.

Sistema de pesos e medidas Elenice de Souza Lodron Zuin ________________________________________________________________________________________ 98

a menos que o objecto á medir não seja hum perfeito quadrado, ou cubo, de iguais dimensões por todos os lados, a arithmetica decimal he perfeitamente incompetente para o objecto da sua medição. [...] Se a arithmetica decimal he incompetente mesmo para dar as dimensões dessas formas artificiaes, o quadrado, e o cubo, muito mais incompetente he para dar a circunferência, a área e os contidos do circulo e da esfera. (TORRES, 1833, p.13).

Ao longo do seu discurso, Francisco Torres (1833) se mostrou totalmente contrário ao sistema métrico decimal e, como muitos outros, julgava que “a metrologia Franceza na ardente e exclusiva indagação de hum padrão universal da natureza, parece ter encarado o objecto com demasiada referencia á natureza das coisas, e não bastante á natureza dos homens.” (p.32). Ele acreditava que as medidas baseadas no corpo humano eram as ideais e a jarda, o pé e a polegada, eram mais simples e fáceis de ser obtidos do que o metro. Além disso, compar- tilhava da opinião de tantos outros de que, as divisões da quinta e décima partes são mais difíceis que as utilizadas naquela época, pois, bastava “hum golpe de vista” para se “dividir as substancias materiaes em meios, quartos, oitavos e décimos sextos” e, apenas, “huma ligeira atenção dará os terços os sextos, e os duodécimos” do que deve ser medido. (p. 33). Ele também admitia que os cálculos se tornavam mais simples com o sistema métrico decimal, porém, esta era meramente uma conveniência de “calculação ella existe unicamente à arrumação das contas, mas he unicamente hum incidente para as transações do commercio.” Considerava que era muito vantajoso operar com sistema decimal em relação às moedas, porém “em sua applicação aos nossos cunhos, nós a temos achado, não só inadequada, mas em muitos respeitos, inconveniente.” (p. 42). Para ele, ainda não era o tempo de se fazer uma modificação tão drástica no sistema metrológico do Império brasileiro, por mais perfeito que este fosse. Mas deixou claro que um dia seria “estabelecida a uniformidade desejada pelo benefício, que desta deve resultar ao gênero humano, mas que somente o mutuo consenso das nações pode realisar.” (p.51).

Ele advertiu que os próprios franceses verificaram, por experiência, que o sistema métrico decimal não se adequava às necessidades sociais. No comércio,

Sistema de pesos e medidas Elenice de Souza Lodron Zuin ________________________________________________________________________________________ 99

os novos padrões estavam sendo abandonados. Além disso, havia um conflito interno, pois circulavam pela França:

− os sistemas que existiam antes da Revolução;

− o sistema temporário estabelecido pela Lei de 1o de Agosto de 1793;

− o sistema definitivo promulgado pela Lei de 1o de Dezembro de 1799;

− o sistema usual, permitido pelo Decreto de 13 de Fevereiro de 1812.

Através desse último decreto, era permitido utilizar uma toeza de 6 pés e uma aune de 3 1/5 pés; um pé de doze polegadas e uma polegada de 12 linhas. Essas, divisíveis em meios, terços, quartos, sextos, oitavos, duodécimos e déci- mos sextos, e não em décimos. Em lugar do quilograma, permitia-se a utilização de uma libra de 16 onças; uma onça de 8 oitavas e uma oitava de 72 grãos. Com estas determinações, constatou-se que a população tinha dificuldades em aceitar, assimilar e operar o novo sistema metrológico.

Em 25 de abril de 1834, a comissão brasileira apresentou um relatório ao ministro e secretário do Estado da Repartição da Fazenda, Araújo Viana, e o sistema proposto foi aprovado em 24 de setembro de 1835.

A proposta era de que se adotasse, como medida de comprimento, a vara do commercio, equivalente a 11/10 do metro francês. Portanto, manteve-se a medida linear padrão, referida ao meridiano terrestre, de acordo com o valor obtido pelos franceses, que era de 40.000 km. A vara equivalia a 1,109m do comprimento do pêndulo que bate segundos sexagesimaes de tempo no Rio de Janeiro na latitude de 22o – 54’ – 10. (CAVALCANTI, 1907, p.489).

Para os submúltiplos da vara, as relações estabelecidas eram as seguintes: 1 vara = 5 palmos

1 palmo = 8 polegadas 1 polegada = 12 linhas 1 linha = 12 pontos

Sistema de pesos e medidas Elenice de Souza Lodron Zuin ________________________________________________________________________________________ 100

Para os múltiplos da vara: 1 braça = 2 varas 1 milha = 841 ¾ braças

1 légua marítima45 ou geographica = 3 milhas

Também foi determinado que, para a légua terrestre46, continuasse a vigorar a légua de sesmaria, ou seja, aquela segundo a qual haviam sido concedidas às sesmarias, nos tempos coloniais, equivalente a 3000 braças. Contrariando as disposições da lei, outras medidas continuaram sendo empregadas, estando entre elas, a toeza ingleza, a toeza francesa, o pé francês, o pé português e o pé geométrico.47 (CAVALCANTI, 1907, p.489). Para as medidas agrárias, a geira, equivalente a 400 braças quadradas.

O padrão de massa sugerido foi o marco, de tal forma que uma arroba correspondesse a 64 marcos. A medida para líquidos foi a canada correspondente a 128 polegadas cúbicas e, para secos, o alqueire igual a 1744 polegadas cúbicas.

Para as medidas de capacidade e peso fixou-se:

MEDIDAS DE CAPACIDADE