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4. DESVELANDO (IN)JUSTIÇAS AMBIENTAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE

4.3. Imbróglios do licenciamento do Projeto Santa Quitéria

4.3.1 As violações do direito à informação ambiental e do princípio da publicidade

A construção de uma democracia pressupõe mecanismo de compartilhamento das informações que propicie envolvimento efetivo nas deliberações, especialmente, das

77 Sobre a complexidade e incertezas relativas à mineração de urânio e gestão ambiental, cf: SCHÜTZ, Gabriel Eduardo; DE SOUZA PORTO, Marcelo Firpo; DA SILVA, Renan Finamore Gomes. Dilemas da gestão para tecnologias complexas e perigosas: o caso de mineração de urânio. 2011. Disponível em: http://www.revistabrasileiradects.ufscar.br/index.php/cts/article/viewFile/165/87.

decisões relacionadas à atuação estatal. Por essa razão, a Constituição Federal prevê o direito à informação, nas vertentes direito de se informar (art. 5º, XIV, CF) e direito a ser informado (art. 5º, XXXIII, CF) no rol de direitos fundamentais, o que implica concluir que essas normas incidem, inclusive, no processo de licenciamento ambiental.

Em matéria ambiental, há previsão específica da Lei nº 10.650/03 que estabelece no art. 2º duas obrigações distintas aos órgãos públicos: possibilitar o acesso físico a documentação e o dever de fornecer informações. Infere-se que há uma imposição de fornecer todas, e não apenas algumas informações ambientais. Assim, o dever de informar pressupõe a integralidade do fornecimento das informações, resguardado somente os dados protegidos por sigilos legais.

Sampaio, Wold e Nardy (2003. p.75) entendem que o “direito à informação ambiental tem natureza coletiva e ocupa um lugar central em Estados democráticos” e aponta características fundamentais dessas informações quais sejam a veracidade, a tempestiva, amplitude e acessibilidade que servem de parâmetro que possibilitam identificar a violação desse direito.

No licenciamento ambiental, o acesso às informações é elemento central para exercício do direito à participação popular. Assim, compreende-se que acessar a algo é ter contato com coisa acessada, o que, no caso do processo licenciatório, é tomar conhecimento de todos os documentos, expedientes ou dados dos autos, de forma simples, inteligível, aberta e célere.

No caso do Projeto Santa Quitéria, uma demonstração da inacessibilidade das informações dá-se porque o processo licenciatório tramita no IBAMA com sede em Brasília, distante fisicamente do território afetado. Na prática, este fato muito dificulta o acesso à documentação e aos dados, visto que, além da hipossuficiência técnico-científica típica de uma demanda dessa complexidade, as comunidades encontram obstáculos que exigem disponibilidade de tempo para deslocamentos e aportes financeiros para acompanhamento processual. Fora isso, o processo sob o formato digital disponibilizado no site do órgão ambiental não está completo, estando ausentes diversos documentos que constam dos autos físicos, o que reforça essa condição de hermetismo.

Por outro lado, essas questões não são obstáculos para os representantes governamentais e para o Consórcio-empreendendor que dispõe de recursos para acesso pleno não apenas aos documentos, como também de reuniões78 com o órgão e com a consultoria ambiental, conforme consta em previsão normativa79.

Com efeito, os principais documentos do processo licenciatório do Projeto Santa Quitéria são o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental, pois são fontes sistematizadas das informações mais relevantes sobre o empreendimento e o território, principalmente, os diagnósticos socioambientais e os prognósticos dos impactos deletérios e suas respectivas gravidade e alcance.

No entanto, a partir de uma análise da documentação apensada no processo licenciatório, o Painel Acadêmico-Popular80 identificou sérias lacunas e falhas nos estudos ambientais e construiu contra-pareceres sobre os temas mais preocupantes do empreendimento.

Sob a forma de representação, assinada pelo núcleo TRAMAS, as irregularidades encontradas foram apresentadas ao Ministério Público Federal, à Defensoria Pública da

78 No parecer parcial do IBAMA é apresentado um histórico do licenciamento em que são listadas diversas reuniões entre a autarquia federal e o empreendedor, como por exemplo, no dia 10 de novembro de 2015, reunião para discutir o EIA-RIMA entre IBAMA e INB, no dia 25 de abril de 2006, reunião entre INB, IBAMA e SEMACE para discutir a competência para licenciar, no dia 3 de agosto de 2007, reunião entre IBAMA, INB e consultoria ambiental, em Fortaleza-CE, para tratar da complementação do Estudo Ambiental, dentre outras.

79 Conforme previsão da Instrução Normativa do IBAMA nº 184/2008 no art. 16: “Quando da elaboração do estudo ambiental, o Ibama em conjunto com o empreendedor promoverá reuniões periódicas de acompanhamento, visando minimizar devoluções e complementações.”

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A Articulação Antinuclear Cearense fez um chamado para a formação de um Painel Acadêmico Popular para suprir a demanda de informações e de uma análise mais densa do projeto e de seus impactos. O Painel consiste em uma parceria de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará e da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UEVA), das comunidades locais e dos movimentos sociais que compõem a articulação cearense, sob o compromisso de construção de uma análise do conteúdo do estudo, a maneira como avalia os riscos, as alternativas, como considera os impactos e um projeto de futuro para o local, tendo em vista os princípios da ecologia de saberes (SANTOS, 2010) que aponta que a credibilidade dos saberes não científicos não envolve descredibilizar os saberes científicos; que todos os conhecimentos sustentam práticas e constituem sujeitos e, a partir destas práticas, devem ser investigados; que a ecologia de saberes deve ser produzida de forma ecológica, acolhendo distintos sujeitos e seus saberes; trata-se de uma epistemologia construtivista e realista; é preciso combinar as dimensões cognitivas com a ética- política, tendo em vista que o conhecimento é mais uma intervenção do que uma representação sobre o real.

União, ao Escritório Frei Tito de Alencar, e também foi juntada ao procedimento administrativo perante o IBAMA em que solicitava providências extrajudiciais e judiciais para questionamento das insuficiências do EIA-RIMA, tais como a anulação dos estudos e a realização de novas audiências públicas que abrangesse mais comunidades afetadas e que fossem divididas por temas mais significativos.

Uma das omissões mais revelantes diz respeito à ausência da análise dos dados radiológicos do empreendimento, visto que o EIA excluiu as informações relativas à emissão de radiação ionizante proveniente da exploração do urânio. Com efeito, o Parecer da Saúde (RIGOTTO et al, 2014, p. 4), anexo da representação, aponta que, de acordo com a análise do EIA, os documentos sobre “os riscos referentes às substâncias nucleares” teriam sido enviados apenas à Comissão Nacional de Energia Nuclear. Evidencia, ainda, que os fatores relacionados ao ‘banho radioativo’ pelos radionuclídeos presentes no processo produtivo, por exemplo, não são apresentados pelo Estudo de Impacto Ambiental, pois este transfere as explicações da temática para as normas dispostas nos documentos CNEN-NN-4.01 (Requisitos de Segurança e Proteção Radiológica para Instalações Mínero-industriais, Resolução 028/04 Publicada no DOU em 06.01.2005), CNEN-NE-1.13 (Licenciamento de Minas e Usinas de Beneficiamento de Minérios de Urânio e Tório), de agosto de 1989 e CNEN-Posição Regulatória 3.01/007 (Níveis de Intervenção e de Ação para Exposição Crônica).

Mesmo diante dessas graves violações ao direito à informação ambiental e da recomendação de adiamento do MPF, o órgão ambiental realizou as audiências públicas do licenciamento baseadas em um EIA-RIMA que apresenta uma série de lacunas e imprecisões que inviabilizam uma análise apurada, completa e integrada dos riscos e danos emanados do projeto pelas populações atingidas.

Observa-se que as informações ofertados no licenciamento não são amplas, pois não apresentam uma análise integrada e abrangente, não são acessíveis, pois apresentadas sob um formato e linguagem inadequada para o público interessado, e não são tempestivas, visto que a complexidade do projeto e dos documentos exigem um tempo de amadurecimento da análise que não foi respeitado, de modo que, o direito à informação ambiental perfaz-se violado nesse procedimento.