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4. DESVELANDO (IN)JUSTIÇAS AMBIENTAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE

4.3. Imbróglios do licenciamento do Projeto Santa Quitéria

4.3.5 Os problemas do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)

Segundo a Resolução 1/86 do CONAMA, o RIMA deverá refletir as conclusões do estudo de impacto ambiental e conterá, no mínimo: os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais, planos e programas governamentais; a descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais; a

síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de influência do projeto; a descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade; a caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização; a descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado; o programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos; recomendação quanto à alternativa mais favorável com conclusões e comentários de ordem geral.

O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do Projeto Santa Quitéria foi elaborado em fevereiro de 2014 pela equipe técnica, que está listada ao final do documento, da consultoria ambiental, “Arcadis Logos”, contratada pelo Consórcio e apresenta lacunas e falhas similares ao do Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

O relatório em questão possui 87 páginas divididas entre 5 tópicos principais: apresentação do empreendimento, área de influência, estudo de radiação, “o que vai mudar e o que será feito?” e o resumo. O RIMA foi disponibilizado na Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura de Santa Quitéria e na Secretaria Municipal de Trabalho e Meio Ambiente de Itatira.

O RIMA é bem colorido e diagramado, apresentando mapas do empreendimento e da região e fotos dos locais e exemplificativas da fauna e da flora pesquisada. Entretanto, é possível observar uma série de problemas que dificultaram o exercício do direito à participação da população local.

A apresentação do empreendimento, momento inicial do relatório, vem com dois títulos: “Por que precisamos do projeto Santa Quitéria?”93 e “Este projeto é importante para o Brasil?”. Os textos enaltecem o empreendimento, destacando a necessidade de

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“Para o Brasil produzir cada vez mais alimentos, são necessários insumos básicos como fertilizantes à base de fosfatos, atualmente em grande parte importados. Ao mesmo tempo, é necessário gerar energia que não cause poluição, de maneira a ter energia elétrica suficiente para essa produção de alimentos e para outros fins. Uma das opções de energia limpa é a energia gerada em usinas nucleares.” (RIMA, 2014, p. 5)

fosfato para a produção de fertilizantes e, consequentemente, de alimentos, e a necessidade do urânio para a geração de energia, contribuindo para a caracterização do projeto como inerente e inevitável, de forma a inviabilizar, discursivamente, a resistência ao projeto e enfatizar os supostos benefícios gerais e para o país94. Assim é gerado um discurso de convencimento sobre a viabilidade, a inexorabilidade e a imprescindibilidade do projeto em que supostos benefícios são maximizados e matematizados, enquanto que os impactos negativos são ocultados, minimizados ou naturalizados.

Na descrição do projeto é apresentado, de forma simplificada, o processo produtivo de beneficiamento dos minérios, sendo aberto um destaque para explicar o que seria o estéril e o rejeito, no entanto, não foram colocados os riscos relacionados à pilha de estéril e à barragem de rejeito nem foi explicitada a composição química desses resíduos. No entanto, consta no EIA que essas estruturas conterão radionuclideos, dentre outros materiais:

Na barragem de rejeitos estarão também presentes sulfatos, cujos íons contribuem para precipitar o rádio-226 e o rádio-228, na forma de sulfatos, reduzindo-se assim as respectivas quantidades solubilizadas. Por ser um recinto fechado, preveem-se quantidades cada vez maiores destes radionuclídeos e de sulfatos com o transcorrer do tempo”. (ARCADIS LOGOS, 2014, V.1, p.237) Na análise das alternativas locacionais, são trazidos os mapas das 4 possibilidades estudadas e construído um quadro-resumo das interferências analisadas, sem nenhum destaque para os riscos e danos que presentes nas 4 alternativas, especialmente, os que dizem respeito aos desvio de drenagem, a distância das comunidades e interferência em patrimônio arquelógico. A única resposta colocada corresponde ao paradigma da adequação, trazendo apenas medidas de mitigação:

Para minimizar as fragilidades identificadas nessa alternativa, o estudo prevê vários programas ambientais, que serão apresentados neste RIMA. Estes programas contêm ações que possibilitam um melhor gerenciamento das interferências e o acompanhamento (ou monitoramento) dos seus efeitos, permitindo adotar soluções adequadas mais rapidamente. (RIMA, 2014, p. 13)

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“O projeto Santa Quitéria contribuirá para diminuir a dependência externa que o Brasil tem de fosfato, colaborando para concretização da autosuficiencia que o país quer […] No caso do urânio, também tem um planejamento do Governo, por meio do Plano Nacional de Energia PNE 2030, que prevê a implantação de 4 a 8 mil megawatts elétricos de origem nuclear. […] Também nesse caso, Santa Quitéria contribuirá para concretizar esse planejamento. (RIMA,2014, p. 5)

Sobre a fase de implantação do projeto, é citado o número de trabalhadores empregados no momento de pico da obra e apresentada a prioridade de contratação de mão-de-obra local. Sobre a supressão de vegetação devido à obra, é colocado um programa ambiental de compensação financeira, sem apontar para os riscos socioecológicos desse dano e a possibilidades de extinção de algumas espécimes.

Foi aberto também um tópico específico sobre o fornecimento de água do empreendimento que se limita a afirmar que, durante a instalação, a água chegará por meio de caminhão-pipa do sistema de abastecimento dos municípios próximos e, durante a operação, o abastecimento será via adutora, sob a responsabilidade do estado do Ceará, retirando água do açude Edson Queiroz.

Não é apresentado qualquer análise das condições hídricas desfavoráveis da região nem sobre o desproporcional consumo do projeto, de forma que o RIMA enfatiza apenas que a adutora beneficiará cerca 1.300 pessoas das comunidades situadas ao longo do percurso. Ocorre que o EIA do projeto prever a utilização de 911 m³ de água por hora, apenas de água nova, não contabilizando o consumo das águas que serão reutilizadas internamente no complexo industrial.

Um dos argumentos mais utilizados para conferir legitimidade social ao projeto é a questão da criação de postos de trabalhos na região, o RIMA expressa que para operação serão necessários 515 empregados diretos e outros 120 terceirizados. Ocorre que o texto deixa de mencionar que a INB é uma sociedade de economia mista95 cujo regime de admissão de empregados exige a realização de concurso público, o que limitaria a empregabilidade da população local. Além disso, a especificidade do processo mínero-industrial de urânio conduz a necessidade de uma mão-de-obra qualificada e experiente que não está domiciliada na área.

No RIMA consta um aparte “Em se plantando nem tudo dá” que traz a limitação dos solos para a prática agrícola destacando a importância de uso de fertilização,

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Sociedade de economia mista pertencem à Administração Pública Indireta e estão submetidas dever de realizar concurso público para o preenchimento dos seus quadros de pessoal, por força do art. 37,II da Constituição Federal.

entendida como benefício que emerge do empreendimento, e irrigação para a produtividade local, invisibilizando as estratégias de convivência com o semi-árido construídas pela cultura camponesa do sertão e que garantem soberania alimentar e sustentabilidade para as comunidades da região.

Observamos, ainda, a desarticulação das análises dos elementos biológicos das repercussões nos processos socioeconômicos, como, por exemplo, a fragilização da apifauna da região trazida no RIMA e a existência de apicultura em Itatira.

A poluição aérea é tratada superficialmente em um aparte do RIMA, apontando que serão analisadas as concentrações de radiação dos gases emitidos pelas chaminés, não especificando que gases serão vertidos no ar da região e sem fazer qualquer menção a risco, dano ou impacto oriundo dessa forma de poluição. Com efeito, o Estudo de Impacto Ambiental antecipa que o haverá emissão de gás Radônio96:

[...] presente na atmosfera que envolve a mina, em baixíssimas concentrações, devido ao alto fator de dispersão atmosférica no local decorrente da ação dos ventos, uma vez que a lavra será a céu aberto, motivo pelo qual a dose provocada pelo mesmo no trabalhador será desprezível” (EIA, Vol. I, p. 216). Ressaltamos ainda que diante da complexidade e magnitude do projeto é preciso que o Relatório fundamente seus dados e esteja espelhado com o Estudo de Impacto Ambiental sintetizando suas principais conclusões e possibilitando que os interessados se apropriem das informações essenciais e completas para a ponderação dos benefícios, riscos e impactos trazidos pelos empreendimentos. Entretanto, no RIMA, os temas são tratados sem referência ao trecho do EIA, ou de outros documentos, nos quais o problema é tratado tecnicamente, o dificulta sobremaneira o aprofundamento das problemáticas levantadas superficialmente no RIMA, visto que o EIA possui mais de 4 mil páginas.

É preciso problematizar ainda que o formato escrito dificulta o acesso à informação, tendo em vista a complexidade do tema e a dificuldade de acesso físico e digital do documento, visto que a comunidades atingidas localizam distantes das sedes

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O elemento Radônio é um dos radionuclídeos que compõem a cadeia de decaimento do Urânio que, nas condições ambientes, é um gás inodoro, incolor, radiativo, de elevada nocividade, de comprovada carcinogenicidade e de difícil controle.

municipais em que as versões físicas estão alocadas e que o site do órgão ambiental não disponibiliza todos os documentos sob a forma digital.

4.4 Audiências Públicas Oficiais: Inexorabilidade do empreendimento X