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4. DESVELANDO (IN)JUSTIÇAS AMBIENTAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE

4.3. Imbróglios do licenciamento do Projeto Santa Quitéria

4.3.3. Estudo de Impacto Ambiental: Inconsistência e questionamentos

O estudo de impacto é a aplicação concreta dos princípios e objetivos da Política Nacional de Meio Ambiente e deve avaliar, pelo menos, os parâmetros estabelecidos no art. 5º da mencionada resolução:

Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais:

I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;

91 Cf. LISBOA,Marijane Vieira; ZAGALLO, José Guilherme Carvalho; MELLO, Cecilia Campello do A. Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente:Relatório da Missão Caetité: Violações de Direitos Humanos no Ciclo Nuclear. Curitiba: Plataforma Dhesca Brasil 2011.

II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;

III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;

IV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

O Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório (EIA-RIMA) do Projeto Santa Quitéria, é um produto técnico-científico realizado pela empresa Arcadis Logos em que consta as assinaturas de mais 40 técnicos de diferentes áreas do conhecimento e possui mais de 4 mil páginas, divididos em 5 volumes. O EIA analisa o complexo processo produtivo de mineração e o beneficiamento de reservas lavráveis de colofanito (minério de fosfato associado a urânio) existente na Mina de Itataia (EIA, Volume 1, página 11), conforme consta no diagrama:

Fonte: ARCADIS LOGOS, 2014, V1.1, p.145

A exploração da mina ocorrerá via escavação mecânica e desmonte por explosivos, cujo produto será levado para instalação mínero-industrial de beneficiamento. Esse

beneficiamento resultará na produção de ácido fosfórico que, purificado, gerará o licor de urânio. Tal licor passará por uma série de etapas químicas (solventes orgânicos) e físicas de separação (precipitação, secagem e armazenamento) até que, por fim, seja obtido o

yellow cake, uma pasta amarelada que contém o urânio na forma de diuranato de amônio – DUA. O yellow cake, por seu turno, será transportado, por via rodoviária, até o Porto do Mucuripe, localizado em Fortaleza.

Além do processo de produção de concentrado de urânio, o Projeto Santa Quitéria produzirá Mono Amônio Fosfato – destinado a fertilizantes – e Fosfato Bicálcico – destinado à nutrição animal.

Destaca-se, ainda, que o empreendimento contemplará a instalação de: Complexo Nuclear (Unidade de Urânio); Complexo Mínero-Industrial (Unidade de Fosfato); pilha de estéril (depósito de resíduos da produção de concentrado de urânio que alcançará 90 metros de altura e terá 29.533.272 metros cúbicos de volume total); pilha de fosfogesso (depósito de resíduos da produção de ácido fosfórico que alcançará 70 metros de altura e terá 24.960.000 toneladas de material); barragem de rejeitos; sistemas de carga, descarga, transporte, transferência e estocagem; centrais de utilidades, insumos e sistemas auxiliares; sistemas de tratamento de água e fornecimento de energia elétrica e unidades administrativas e de apoio. As pilhas e a barragem de rejeitos, por seu turno, permanecerão eternamente na região. Desse modo, após os 20 anos de vida útil das obras, tais estruturas continuarão a necessitar de monitoramento em virtude de se constituírem como depósitos de materiais radioativos.

Apesar da envergadura dos estudos, o EIA-RIMA do projeto apresentam uma série de problemas relevantes que foram expostos na representação do núcleo TRAMAS que aponta uma de análise fragmentada, superficial e frágil dos riscos vislumbrada na ausência de identificação e sistematização do enfoque radiológico dos impactos gerados durante a fase de implementação e operação do empreendimento, demonstrado pela ausência dos dados radiológicos e dos documentos do licenciamento nuclear da CNEN no EIA, o que leva a conclusão de que a análise da atividade mínero-nuclear não foi incluída nos diferentes eixos dos pareceres técnicos presentes no estudo.

Um conjunto de atores interessados na realização do empreendimento, dentre os quais as empresas proponentes e agentes do Estado, através dos governos federal, estadual e municipais, desenvolveram uma série de ações que buscaram desqualificar os enunciados sobre riscos tecnológicos e socioambientais do empreendimento produzidos. Esses atores apresentaram nas audiências públicas oficiais e fora delas, informações que buscavam negar os impactos no processo de mineração em Caetité, afirmando uma excelência técnico-científica de gestão da INB.

É fundamental que sejam determinados estudos mais completos e integrados do que os realizados, visto que os estudos apresentados no EIA não são suficientes para se prever ou quantificar nem os riscos e danos mais substanciais relacionados à inviabilidade hídrica e a contaminação radiológica.

Além disso, não foram utilizam as metodologias de análises preditivas interdisciplinares, que condensassem os múltiplos impactos nas dimensões biofísicas e sociais. Além das carências de análises, existem lacunas sérias na coleta de dados, que não podem ser negligenciadas. A seguir são apontadas algumas lacunas nos estudos, que foram consideradas mais relevantes e apresentadas na representação:

1 – ausência de análise sobre as fontes de contaminação, os níveis de emissão dos materiais radioativos e a exposição continuada a esses materiais

2 - Ausência do Relatório Preliminar de Análise de Segurança (RPAS) e do Relatório de Análise de Segurança (RAS)

3 - Ausência de análise sobre contaminações por determinadas substâncias tóxicas

4 – Ausência de normas específicas sobre a proteção radiológica dos(as) trabalhadores(as)

5 – Ausência dos valores estabelecidos como padrões de radioatividade para o Urânio, o Tório e o Chumbo

6 – Ausência de uma análise específica sobre a emissão do Radônio e as medidas utilizadas para a sua possível mitigação

7- Insuficiência do Programa de Promoção da Saúde

8 - Ausência de Plano de Preparação de Resposta para Emergências

9 – Omissão de informações sobre a pilha de estéril e ausência de sistema de monitoramento de emanações radiativas durante a sua construção

10 – Insuficiência das medidas de mitigação propostas para a pilha de estéril e fosfogesso

11 - Omissão de dados quanto a uma das medidas de mitigação para as pilhas 12- Ausência de informações sobre responsabilidade com a barragem de rejeitos 13 – Ausência de simulação computacional de dispersão de poluentes

15 - Incompletude do Diagnóstico Radiológico Ambiental

16- Insuficiência na análise de concentração de radionuclídeos nas plantas 17 – Ausência de um efetivo monitoramento ambiental

18 – Impactos sobre a vegetação 19 – Ausência de Relatório ao IPHAN

A análise de impactos ambientais deve partir da compreensão de que não há impacto que seja um efeito isolado ou estático em apenas um determinado aspecto e um

restrito espaço, visto que não existe impacto pontual que não se estenda, direta ou cumulativamente.

Observa-se uma estratégia de fracionamento do projeto em mineração de urânio e de fosfato, visando a obtenção de licenças simplificadas. Foi o caso do primeiro requerimento de licença dirigido à SEMACE e que está se apontando na divisão das licenças de operação e de instalação para as unidades de urânio e de fosfato.

Os alertas dos pareceristas independentes e dos movimentos sociais sobre os riscos previsíveis do projeto estudado vêm sendo sistematicamente ignorados pelos tomadores de decisão, que atuam limitando a participação pública no licenciamento. A desconsideração dos impactos em cadeia, das repercussões sobre as políticas públicas da região e ausência da análise radiológica não estão sendo levados suficientemente a sério pelas autoridades no licenciamento.

Há uma ausência de conhecimento relevante acumulado sobre a dinâmica sociocultural e ambiental do território potencialmente impactado, comprovada pelas falhas observadas devido ao uso de dados secundários, não é construído como um obstáculo para a liberação das licenças pelo órgão ambientais e para a maior parte do Poder Público.

O EIA-RIMA são os documentos que subsidiam a realização da audiência pública do licenciamento ambiental, de forma que as falhas e incompletudes refletem diretamente no direito à participação popular, de maneira que a dificuldade de acesso à informação e a propagação de informações inverídicas obstam as populações atingidas de construírem uma posição sobre o empreendimento e de a expressarem para os tomadores de decisão no único espaço público das comunidades afetadas.