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4. DESVELANDO (IN)JUSTIÇAS AMBIENTAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE

4.2. Mina de Itataia e a tentativa de exploração de urânio em Santa Quitéria: uma

A jazida de Itataia localiza-se no município de Santa Quitéria próximo da divisa com o município de Itatira, distante aproximadamente 210 quilômetros de Fortaleza, capital do Estado, encravada no Sertão Central cearense. O morro de rochas avermelhadas, que está incrustado entre riachos, serras, rebanhos e vegetação de caatinga, soma uma área total de 4.001,04 hectares sob a denominação de fazenda Itataia.

As pesquisas minerais apontam que a região é rica em colofanito, que consiste em uma associação entre urânio e fosfato. A jazida possui reservas lavráveis superiores a 65 milhões de toneladas de minério, com estimativa de exploração de, pelo menos, 20 anos, e constitui a maior jazida de urânio do Brasil, que, com apenas 25% do território prospectado, detém a sétima maior reserva mundial. Itataia concentra 46% das reservas nacionais. Caso explorada, terá capacidade para produzir, por ano, 1 milhão toneladas de derivados fosfatados (810 mil toneladas de fertilizantes e 240 mil toneladas de composto destinado à nutrição animal) e 1.600 toneladas de concentrado de urânio, na fase de maior produção (ARCADIS LOGOS, 2014, V. 1, p.24).

A “descoberta” da jazida de urânio na região remonta de 1976, ainda durante a ditadura militar. A passagem de aviões do governo federal em voos rasantes sobre a região antes da chegada dos primeiros geólogos por terra é viva nas memórias e relatos dos moradores dos assentamentos de Morrinhos e Queimadas, localizados bem próximos da mina. Entre 1975 e 1988, as Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebras) coordenaram o maior esforço de prospecção de urânio realizado até hoje no Brasil, que contava com aviões equipados com cintilômetros que identificaram diversas anomalias radioativas que, posteriormente, foram selecionadas para estudos de caracterização (MELO, 2015).

Trata-se da maior jazida de urânio do Brasil.

Em 1990, a Nuclebrás reiniciou a pesquisa mineral na área, após a autorização de pesquisa do Departamento Nacional de Politica Mineral e as atividades de levantamento continuam atualmente, aguardando apenas a licença para a efetiva instalação. O projeto obteve portaria de lavra em 03/10/2005 no interior do processo administrativo nº 800.095/90.

Em 2004, a INB ingressou com o requerimento de licença que foi processado pela Superintendência Estadual de Meio Ambiente do Ceará (SEMACE) que concedeu as licenças ambientais prévia e de instalação no mesmo ano. No entanto, o Ministério Público Federal identificou irregularidades no processo de licenciamento e ingressou com uma Ação Civil Pública que culminou com a determinação da Justiça Federal de anulação das licenças, em 2007, visto que a competência para licenciar pertencia ao órgão federal, Instituto Brasileiro de Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Em 2010, um novo processo licenciatório foi iniciado, desta vez perante o IBAMA. O polo requerente não era mais apenas as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), como feito anteriormente, mas por um consórcio público-privado firmando em 2009, entre esta empresa estatal, que detém o monopólio da exploração de minerais radioativos no Brasil, em conjunto com a empresa privada Galvani Indústria, Comércio e Serviços S/A, que atua no ramo de produção de fertilizantes e ração animal. Esta associação foi denominada de Consórcio Santa Quitéria.

Ao passo que as empresas buscavam obter autorização ambiental para o empreendimento nas vias administrativas, as comunidades que vivem próximas à jazida, movimentos sociais e entidades, como o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais sem Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Cáritas Diocesana de Sobral e o núcleo de pesquisa-extensão Trabalho, Meio Ambiente e Sustentabilidade (TRAMAS) da UFC passaram a se organizar na Articulação Antinuclear Cearense (AACE)75 para questionar a viabilidade socioambiental do projeto.

As experiências negativas das comunidades com a INB durante a fase de pesquisa e caracterização da jazida, a insegurança diante das informações apresentadas pelos empreendedores e o conhecimento de casos de acidentes76 ocorridos na unidade de mineração de urânio no município de Caetité, na Bahia, única em funcionamento na América Latina, fizeram com que os riscos ao ambiente e à saúde das populações que vivem nas proximidades da jazida se tornassem as principais preocupações apresentadas por estes atores sociais (MELO, 2015) e contribuíram para uma percepção social de questionamento do projeto.

Dessa forma, o conflito socioambiental se conformou em torno de grupos favoráveis a implantação do empreendimento sob o modelo de desenvolvimento degradador e impactante e os contrários a instalação desse projeto no território que

75 A AACE é uma rede de parceria composta por movimentos sociais, pesquisadores, entidades e organizações não-governamentais, comunidades da região que visam resistir à implantação da mineração nuclear no Ceará. A AACE está conectado à Articulação Antinuclear Brasileira, fundada em março de 2011, que congrega movimentos do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Ceará, estados que convivem com os riscos e danos da exploração nuclear no Brasil.

76 A sistematização dos acidentes ocorridos em razão da mineração de urânio de Caetité-BA consta no apêndice da obra.

defendem a manutenção do modo de vida camponês, iniciativas econômicas sustentáveis e a preservação da saúde humana e meio ambiente.

As disputas de concepções de território ganhou a arena pública, apresentando-se em audiências públicas organizadas pelo IBAMA, em novembro de 2014, e pela Assembleia Legislativa do Ceará (ALCE), em novembro de 2015, seminários e palestras, organizados por ambos os polos do embate.

Nesse contexto, foram postos em questão não só viabilidade socioambiental do empreendimento, como também a legitimidade do processo clássico de tomada de decisões e a validade da análise dos riscos tecnológicos77, adiante, apontaremos os elementos que surgiram no processo licenciatório.