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O ambientalismo é reação à percepção crescente dos problemas ambientais, contudo, o movimento ambientalista apresenta diversas correntes/discursos que, apesar das semelhanças, possuem diferenças substanciais em suas relações com o poder do Estado, a religião, os interesses empresariais, os movimentos sociais, em seus aportes científicos e em suas percepções de gênero e raça.

Nesse trabalho opta-se por adotar a justiça ambiental como contribuição para análise da problemática do licenciamento ambiental, especialmente no que diz respeito à efetividade do direito à participação popular.

A Justiça Ambiental se estrutura a partir de uma compreensão de ambiente como fonte de condição de subsistência das populações e nasce da demanda de justiça social contemporânea e do entrelaçamento das questões sociais, étnico-raciais e ambientais nas lutas e demandas dos movimentos sociais e comunidades.

O aporte desse corrente parte da identificação de que os impactos ambientais estão desigualmente distribuídos por raça e por renda e que o Estado concorre para a aplicação desigual das leis ambientais e aponta para a radicalização da democracia através da implementação de processos decisórios que garantam o pleno envolvimento informado das populações, reconheçam que os conflitos socioambientais refletem, em maior ou menor grau, as assimetrias políticas, sociais e econômicas, que são específicas de um determinado momento histórico e de uma dada configuração espacial e que trabalhem com mecanismos redistributivos, participativos e compensatórios e estabelecendo como horizonte a construção de uma cidadania mais justa por meio de

estratégias mais inclusivas.

Assim, reconhece-se que modelo de desenvolvimento adotado no Brasil vêm implicando na intensificação da exploração dos recursos energéticos, da extração de minérios e da produção de alimentos destinados à exportação, com a expansão das fronteiras destes empreendimentos para novos territórios e ampliação da infraestrutura de suporte que resulta em processos expropriatórios extensivos e intensivos de populações camponesas, de povos originários e afrodescendentes e deflagrador de conflitos socioambientais.

Aferi-se que os conflitos socioambientais caracterizam-se como processos mais amplos que envolve disputas de concepção de natureza, de bens comuns, de escalas valorativas e de sobrevivência, que perpassam pela apropriação social de um território em que determinados usos, como os dos empreendimentos degradantes, excluem os usos de outros grupos sociais, como os das comunidades tradicionais.

Assim, a Constituição Federal instituiu um marco normativo de reconhecimento de amplo rol de direitos e garantias fundamentais que visam proteger o meio ambiente, o patrimônio cultural, as diversidades socioculturais e seus respectivos territórios, instalando, assim, uma nova ordem jurídica, mais cidadã e democrática e voltada para a realização da dignidade da pessoa humana que orientam o tratamento dos conflitos socioambientais para o respeito à sociodiversidade agrária, às diferentes racionalidades e aos modos de vida e de produção.

Por isso, de acordo com o arcabouço normativo vigente, o licenciamento ambiental de atividade grande vulto deveria constitui-se em um instrumento jurídico de resguardo dos direitos fundamentais à vida, à saúde e ao meio ambiente.

Ocorre que, a partir do balanço do atual procedimento licenciatório, vislumbram- se os limites, as perspectivas e os desafios que permeiam a efetivação do princípio democrático, visto que o licenciamento não pode ser compreendido como um procedimento abstrato de mera autorização e legitimação dos empreendimentos.

Assume-se que assimetria de poder entre Estado, empreendedor e atingidos perpassa os conflitos socioambientais constrói uma estruturação político-jurídico que tolhe a participação das comunidades e se expressa nas definições acertadas no

macroplanejamento centralizado e nas etapas iniciais do processo licenciatório que são marcados pela escassa publicidade e ausência de participação popular.

No mesmo sentido, observa-se que as avaliações de impactos ambientais não dimensionam de forma precisa as repercussões dos empreendimentos e as audiências públicas, em geral, estão inseridos em processos verticais, herméticos e distantes concretamente da população que esgotam-se em uma mera transposição das formalidades.

De modo geral, verifica-se que a participação popular no procedimento, em geral, pode ser avaliada como tardia, insuficiente, desinformada, não vinculativa e minimizada.

De forma que é preciso reestruturar o modelo de licenciamento ambiental a partir de uma visão crítica sobre o atual processo licenciatório que dificulta a participação da sociedade nas decisões ambientais e invisibiliza as desigualdades que perpassam também as disputas pela apropriação do meio ambiente e a desigual proteção aos riscos ambientais a que estão submetidos determinados grupos sociais, historicamente vulnerabilizados, que se materializa na assimetria de poder que se estabelece no licenciamento.

O procedimento licenciatório teria como principal finalidade ser um instrumento de avaliação de sustentabilidade socioambiental de projetos, conformando um lócus institucional de interação dos atores sociais para deliberar acerca dos usos e apropriação do meio ambiente. No entanto, na prática, uma visão economicista da natureza prepondera sobre o sopesamento das implicações técnicas, políticas e socioambientais dos empreendimentos.

A partir do estudo do caso, observa-se que o licenciamento do Projeto Santa Quitéria se apresenta como um instrumento de regulação de riscos e não como uma instância decisória real sobre a implementação dos projetos, vez que apresenta pouca porosidade às demandas e aos questionamentos das populações atingidas, constituindo-se como ferramenta de governança ambiental que administra a conflituosidade com processos de despolitização, de subdimensionamento dos riscos e danos e invisibilização e silenciamento dos sujeitos do território.

Diante do exposto, considerando que o horizonte constitucional brasileiro ainda em construção, é necessário observar que o cidadão não cabe mais apenas na plateia das

realizações do poder público e que as comunidades atingidas tem direito à participação legítima nas decisões estatais, mas que a normativo e a prática do licenciamento ambiental ainda não a contempla com a devida efetividade e atendimento.

Assim, necessário (re) construir mecanismos participativos que reconheçam e combatam as injustiças ambientais garantam o exercício real da participação popular que sejam pautados almejando a efetivação de direitos fundamentais e o respeito à dignidade da pessoa humana.

Para isso, a aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Brasil no processo de licenciamento bem como a utilização da Avaliação de Equidade Ambiental podem ser considerados prelúdio do longo caminho de implantação de uma verdadeira democracia ambiental.