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Para precisar a descrição da hipótese de incidência, há necessidade da clara demarcação do lugar onde ocorrerá o fato típico.

Pois bem, se é da natureza do lugar ser uma relação de Posicionamento que somente pode ser aferida entre corpos, deve o critério espacial indicar os termos do liame. A indicação do território, como costuma ser feita por parte da doutrina para referir-se ao critério espacial de um dado tributo, é, portanto, incompleta, pois falta-lhe ao menos outro termo para que a predicação poliádica fique completa. Apenas com a indicação de um território, como o do município, falta algo: como a indicação do termo “estabelecimento prestador” para que, conjugando-os, possa-se imputar como lugar do tributo aquele no qual situa-se o estabelecimento prestador do serviço tributado. O critério espacial, sendo relação, precisa da indicação de ao menos dois termos, não podendo ter menos do que isso.186

Essa escolha para alcançar rendas auferidas no exterior passou somente a se concretizar por interesse legislativo a partir de 1995, com a edição da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que em seu parágrafo 10 determinava a incidência sobre os lucros auferidos no exterior.

Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Parágrafo único. No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à

186 BRITTO, Lucas Galvão de. Dissertação de mestrados. Tema: O Lugar e o Tributo – Estudo sobre o critério

espacial da Regra Matriz de Incidência Tributária no exercício da competência Tributária para instituir e arrecadar tributos, p. 147.

parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista.187

A partir desse momento, as rendas auferidas no exterior passaram a estar sujeitas à incidência do Imposto de Renda. Isso foi uma escolha do legislador em não acessar rendas, rendimentos e demais aumentos patrimoniais resultado de operações ocorridas no exterior, anteriormente à publicação de tal normativo.

A partir disso, podemos perceber que não foi a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que inseriu a possibilidade de se tributar a renda auferida no exterior, mas o próprio Código Tributário Nacional. No § 1º do seu artigo 43 já expunha a possibilidade ao definir qualquer aumento patrimonial definitivo resultado de disponibilidade jurídica ou econômica.

Já identificamos que o aspecto do tempo é fator que se deve regular por lei complementar, dado que compõe a descrição da hipótese de incidência da norma geral e abstrata.

Ocorre que, quando atentarmos para o texto desse parágrafo, percebemos que o legislador derivado, por meio de lei complementar, determinou que as receitas ou os rendimentos oriundos do exterior terão o momento em que se dá a sua disponibilidade determinada em lei.

Adicionalmente, para esse tema, deveremos nos socorrer do Código Tributário Nacional, que, em seu artigo 116, traz em seu texto o momento em que se considera ocorrido o “fato gerador”. Fato gerador aqui considerado em sua questão temporal.

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.188

Na dicção desse artigo, temos duas possibilidades para a ocorrência do fato gerador: são as situações de fato e as situações jurídicas, excepcionando caso a lei tratar de forma contrária. Com trataremos da disponibilização de lucros advindos do exterior, cada uma dessas possibilidades deve ser explorada com o devido cuidado.

Quando tratamos da questão de fato, tratamos da ocorrência no mundo fenomênico de alguma ação.

Paulo de Barros Carvalho critica a diferenciação entre situações de fato e situações jurídicas, uma vez que ambas refletem sempre uma questão jurídica, sendo a situação de fato um fato jurídico e uma situação jurídica, uma norma determinada no ordenamento jurídico.

É de ciência certa a afirmação de que uma circunstância de fato, prevista em norma do direito positivo será sempre um fato jurídico, quer em sentido lasso, quer em acepção estrita, pois consiste num acontecimento, em virtude do qual as relações de direito nascem e se extinguem, no conceito de Clóvis Beviláqua. E não nos deparamos, ainda, com a discordância de qualquer autor, no que respeita a esse ensinamento. Sobre ele há absoluta unanimidade. Nem por isso, contudo, é de ser desprezado o conteúdo do dispositivo que criticamos. Aquilo que se depreende das palavras da lei é que ficou estabelecida a diferença entre duas situações jurídicas: a) uma, não categorizada como instituto jurídico; b) outra, representada por entidade que o direito já houvera definido e prestigiado, sendo possível atribuir-lhe regime jurídico específico. Os primeiros, meros fatos jurídicos; os demais, atos ou negócios jurídicos.

Sobejam exemplos das duas circunstâncias diversas. Auferir renda líquida tributável (isto é, acima do limite anualmente estipulado) é fato jurídico enquanto disciplinado normativamente, mas não consubstancia em si mesmo, um instituto jurídico, assim compreendido o plexo de disposições legais, reunidas pela ação de um fator aglutinante. Agora, a hipótese do imposto de transmissão imobiliária pressupõe operação jurídica característica, em que se sucedem providências regradas pela lei com especialidade e rigor.

188

Esse é o caso típico do negócio jurídico, situação não só contemplada como também categorizada pelo direito, a que corresponde a figura do inc. II do art. 116. No primeiro exemplo, havemos de perquirir se os efeitos próprios foram alcançados, examinando como se processou a percepção da renda líquida oferecida à tributação. No outro, seremos instados a consultar as regras de direito atinentes as transmissões imobiliárias, para saber da consumação do fato, segundo as prescrições do regime jurídico que lhe seja peculiar.189

Para José Eduardo Soares de Melo, situações de fato somente serão jurídicas quando possuírem todos os pressupostos que determinam a norma jurídica para que ocorra a incidência.

O simples fato de a pessoa jurídica receber dinheiro em seu caixa, não significa a ocorrência do fato gerador do Imposto de Renda, uma vez que o contribuinte somente passa a ter tal obrigação, na medida em que se verifica a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, ou proventos de qualquer natureza (art. 43 do CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL), apuráveis segundo regime de competência. Do mesmo modo, a configuração de uma situação jurídica pode não implicar fato gerador, quando a lei reputar necessária a observância de acontecimento físico, que é o caso de contrato de fabricação e venda de produto industrializado, com pagamento de seu preço, e à disposição do comprador, mas que ainda não foi por ele retirado, inocorrendo a “saída” do estabelecimento industrial (momento estipulado para incidência do IPI).190

Luciano Amaro pontua a existência da ocorrência de fato jurídico sempre para que seja também econômico. Um mero fato que não tem interesse para o mundo jurídico não terá aptidão para ingressar no sistema contábil pela inexistência de possibilidade de seu registro. As ciências contábeis, fundadas em seus princípios, têm como objetivo as ocorrências do mundo real.

Não quer o Código, por certo, ao distinguir entre situações de fato e de direito, dizer que as primeiras não tenham repercussão jurídica (o que seria uma contradição, na medida em que dão nascimento a obrigação jurídica de pagar tributo). Trata-se, porém, de fatos (ou circunstâncias fáticas) que podem não ter relevância jurídica para efeito de uma dada relação material privada, mas, não obstante, são eleitos para determinar no tempo o fato gerador do tributo. Num dado

189 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 345 e 346. 190

acontecimento, que pode desdobrar-se em várias fases, a lei pode escolher determinada etapa desse acontecimento para o efeito de precisar, no tempo, o instante em que o fato gerador se tem por ocorrido e no qual, portanto, tem-se por nascida a obrigação tributária. Assim, por exemplo, a saída de mercadoria do estabelecimento mercantil configura uma etapa do processo de circulação da mercadoria, eleita pela lei para o efeito de precisar a realização do fato gerador do ICMS, não obstante tal fato (a saída) possa não ter maior relevância no plano do direito comercial: a transmissão da propriedade (traditio) pode já ter-se operado (se a mercadoria tiver sido entregue no interior do estabelecimento), ou só vir a configurar-se posteriormente (por exemplo, no domicílio do destinatário).191

Situações de fato e situações jurídicas unem-se a partir do momento que as primeiras possuem suficientes características para que se tornem jurídicas. A partir de então, teremos a jurisdicização do fato, que ingressará no mundo jurídico, gerando os efeitos descritos na norma.

Pela óptica do Imposto de Renda, a incidência ocorre quando os registros dos fatos jurídicos desdobram em resultado de mutação patrimonial positiva. É por meio da contabilidade que tais resultados são medidos. Mas, desde já, concluímos que não há definitividade nos registros dos lucros de investidas no exterior, dado que tal registro contábil possui o condão de apenas refletir na investidora as mutações patrimoniais de seus investimentos. Não, há nesse momento, disponibilidade jurídica dos dividendos.